Um retrocesso na saúde dos baianos
Nas últimas semanas o recadastramento do cartão SUS esteve no centro do debate em toda a Bahia, porém, dentre os diversos ângulos que foram analisados, o mais importante parece ter ficado de fora: o retrocesso que o novo modelo de financiamento da Atenção Primária à Saúde (APS) vai provocar na saúde pública do nosso país. A política de financiamento estabelecida pelo Governo Federal, no ano passado, deixa de considerar o número de habitantes de cada município e passa a ser feito com base no número de pessoas cadastradas nos postos de saúde, fato que põe em xeque nada menos que o princípio da universalidade do nosso Sistema Único de Saúde.
Aqui quero abrir um parêntese que julgo fundamental para mensurar o impacto desta mudança. Nos últimos dias o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que o SUS é a única opção no atendimento de saúde para cerca de 90% da população das regiões Norte e Nordeste do nosso país. Ou seja estamos falando sobre mais de 67 milhões de pessoas que podem ser prejudicadas por esta política.
Em 2020 nos deparamos com um enorme desafio na saúde pública, que é a guerra travada desde o primeiro trimestre contra o novo coronavírus. Agora com a chegada do fim do ano, começamos a nos preparar para a adaptação ao novo modelo de financiamento da APS, que a partir de 2021 fará as prefeituras perderem milhões de reais em repasse, uma vez que a liberação de recursos passa a ter como referência o número de pessoas cadastradas nos postos de saúde, ao contrário da prática aplicada até este ano, que ponderava sobre o número de habitantes de cada município.
Ou seja, o Governo Federal pagará apenas pelas pessoas cadastradas nos postos de saúde, argumento que pode funcionar perfeitamente para quem se ampara no discurso de redução do estado. O que este discurso desconsidera, porém, são os milhares de brasileiros que anualmente deixam de ter cobertura de saúde privada e retornam a depender exclusivamente do SUS, pelas mais diversas razões, mas que na maior parte das vezes envolve a constante instabilidade na nossa economia.
Valendo ressaltar aqui que esta é apenas mais uma das políticas de “desfinanciamento” da saúde pública nos últimos anos, basta lembrar do congelamento dos gastos (EC 55/2016), que desde então vem prejudicando quem mais precisa do SUS.
Observando pela ótica da Bahia, as regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos estão programadas para receber o pior impacto deste retrocesso. Comunidades remotas e pequenos municípios em toda Bahia que hoje não preenchem o requisito de quantitativo populacional definido pelo novo modo de repasse, devem passar a sofrer em médio prazo com a redução da oferta dos serviços e possivelmente com o fechamento das unidades básicas, por conta da queda dos já combalidos recursos das pequenas prefeituras.
Eu, no papel de um gestor comprometido com o bem-estar da população, não posso deixar de me manifestar contra esta medida que vai prejudicar diretamente a população que mais precisa do SUS em nossa cidade. Nesta nova realidade o Sistema Único de Saúde perderá o princípio básico de universalidade, fragilizando o papel da APS na ordenação e coordenação da Rede de Atenção à Saúde.
Da mesma forma que me coloco em oposição a este claro retrocesso na nossa política de financiamento da saúde pública, convoco também a população a sair em defesa do SUS. É de suma importância que cada cidadão se comprometa a realizar o recadastramento até 30 de setembro. E que nós, gestores responsáveis e comprometidos com o bem-estar coletivo, continuemos a buscar alternativas possíveis para ampliar os recursos, ao invés de reduzi-los, garantindo o acesso aos serviços de saúde com mais respeito e mais dignidade.
Leo Prates é secretário municipal da saúde de Salvador e deputado estadual licenciado.