Sobrado que desabou no Centro era ‘casa mista’: de residência, foi loja e até bar

Frontispício de Salvador, em foto de 18 de março de 1992
(Foto: Luiz Hermano/Arquivo CORREIO)

O casarão de meados do século XIX que desabou parcialmente na semana passada e foi demolido no último domingo (23) na Rua do Pau da Bandeira, no Centro Histórico de Salvador, não é o único elemento nesta foto de março de 1992, feita pelo fotógrafo Luiz Hermano, do CORREIO, que não está mais ali. Também não fazem mais parte da paisagem o Monumento à Cidade de Salvador, o posto Texaco ao lado do Mercado Modelo e alguns imóveis na Conceição da Praia.

Foi difícil encontrar uma fotografia que mostrasse o prédio ‘recém-desabado’ intacto. Mas, neste panorama feito em 18 de março de 1992, lá está o sobrado. O historiador e estudioso da iconografia de Salvador nos séculos XIX e XX, Rafael Dantas, aponta um detalhe nesta fotografia: o casarão, que já abrigou até um bar, aparece nesta imagem estampando em sua fachada a marca Philco-Hitachi – provavelmente, uma estratégia para que a marca fosse vista de longe por quem chegasse a Salvador tanto pelo mar quanto pelo ar.

Além de, possivelmente, abrigar uma loja, o sobrado foi em meados do século passado o endereço do tradicional Bar Varandá, local frequentado por diversos artistas e intelectuais da capital baiana. É que, na época o centro da Cidade do Salvador ainda se destacava como um lugar de relevância comercial e cultural, área agitada de Salvador.

Ainda não conseguiu localizar? O prédio branco fica à direita, pouco abaixo do nível do Palácio Rio Branco. A pintura da marca, possivelmente de uma loja de eletrodomésticos, não foi a única modificação da edificação. Embora seja de meados do século XIX, o prédio tem uma ‘cara’ de mais moderno. Rafael explica que ele sofreu modificações, é uma “casa mista”.

“No decorrer do século XX, o imóvel da Rua Pau da Bandeira persiste no mesmo lugar, mas já sinalizando alterações em sua composição externa e possivelmente interna. Apesar de ainda continuar com uma volumetria próxima a do final do século XIX, outra estrutura passa a vigorar com o acréscimo de mais um andar e a destruição de sua varanda”, aponta Rafael.

Ele encontrou um registro da década de 1950 – uma fotografia aérea de Anthony Roy Worley, publicada em 1959, na coleção História do Brasil de Pedro Calmon – que sugere que o prédio passou por uma reforma. Isso porque os imóveis ao lado do prédio, acima dos arcos da Montanha e construídos no final do século XIX, estão em ruínas, mas ele não.

Não dá para descartar, inclusive, que o sobrado tenha sido uma construção do século XVIII que foi reaproveitada no século XIX e então modificada ao longo do século XX. 

“É possível afirmar que antes dessa construção, naquele lugar poderíamos ter algum outro tipo de casa, residência, do seculo XVIII, porque aquela região da encosta sempre foi ocupada por casas, por residências de famílias abastadas, de pessoas de destaque e influência, e é uma casa que está próxima da então praça principal da cidade – a Praça dos Poderes”, explica.

Apesar das modificações, que incluem a adição de mais um andar, a retirada de uma das varandas e a inclusão de uma estrutura de concreto armado, que provavelmente sustentava a ‘casca de tijolos’, o prédio estava abandonado nos últimos anos. Quando desabou parcialmente, no dia 18 de agosto, estava sustentado por escoras metálicas. Escombros do antigo sobrado acabaram caindo sobre a Ladeira da Montanha, que foi interditada.

Em ruínas, o sobrado teve seu fim às 17h10 do último domingo, quando foi finalmente demolido. Os escombros da demolição foram projetados para a Ladeira da Montanha, que ainda ficou interditada por segurança. A queda do prédio pôde ser vista de longe por quem chegava a Salvador pelo mar – assim como o letreiro que chamava a atenção na fotografia de março de 1992.