Será que está fácil manter seu filho em casa sem tédio?

Recebi a missão de compartilhar com vocês como eu, Gustavo, de 37 anos, pai de Bento, de 3 anos, tenho conseguido distrair meu filho nesse tempo inusitado de isolamento social. Eu adoraria derramar milhares de palavras aqui falando que depois que tudo isso passar terei habilidade suficiente para iniciar um novo negócio na área de animação infantil. Mas não acredito que isso vá acontecer. A grande verdade é que esse tempo de isolamento cumpre diversos propósitos filosóficos que muitos de nós vão compreender daqui um bom tempo. Como eu estou nessa? O confinamento de 24 horas por dia com meu filho tem exposto dificuldades que jamais imaginei que teria. Logo eu, um profissional da economia criativa, acostumado a lidar produtivamente com o mundo lúdico, perdi o mais simples ao longo da vida. Eu esqueci o que é ser criança.

Me sinto muito frustrado – pra não dizer derrotado – quando meu garoto de olhos brilhantes diz que quer mudar de brincadeira a cada 30 minutos. Veja bem, não estou falando de qualquer brincadeira. São brincadeiras muito bem elaboradas com um storytelling incrível co-criado por ninguém menos que ele e eu, o grande papai. Já parou pra pensar no grau de complexidade que é criar uma cidade imaginária inteira entre um piso e outro da sala de casa, posicionar ao redor desta cidade os vários super-heróis que ele tem na estante, os integrantes da Patrulha Canina, os aviões dos SuperWings e exemplares de todos os dinossauros, em formação de guerra, para que ele simplesmente mude de ideia depois de 30 minutos?

É muita falta de consideração com uma boa história. Ninguém desliga a TV na melhor parte do filme, certo? E a vida de todos os habitantes daquela cidade? Será que meu filho não tem noção que cada pessoa que está dentro daqueles bairros imaginários tem uma história pra contar? Não dá pra ignorar tudo isso e simplesmente mudar de brincadeira depois de meia hora. De quantos minutos é feito um dia? Não sei quanto tempo vou suportar tantas despedidas silenciosas dos personagens aos quais acabo me apegando de maneira solitária. Não tá fácil!

Mas posso te dizer que a pior parte nem é essa. Eu tenho um garoto muito criativo. Sua imaginação, assim como seu corpo, é quase incansável. Hoje ele pediu pra eu passar cola nas costas dele para colá-lo na parede. Obviamente, uma cola imaginária. E ai de mim se eu não fizer todo o gestual de pegar um “pote de cola”, fazer efeitos sonoros com a boca e colocar em suas costas. Ah, os braços do papai precisam estar em forma. No mínimo, fortes o suficiente para levantar aquele pequeno corpinho e segurar por uns 30 segundos com as costas coladas nas paredes da casa. Não satisfeito, ele precisa de audiência. Grita a plenos pulmões para toda a casa ouvir e ter a plateia para admirar o quadro de ternura que ele apresenta. Acha que acabou? Essa brincadeira dura mais uns 30 minutos, pode acreditar. E não imagine que tenho permissão de fazer isso em 1 ou 2 paredes da casa. Preciso fazer quase uma vernissage por todo o apartamento.

Tenho tentado não ficar enclausurado dentro de casa o tempo inteiro. Aproveito o sol da manhã para caminhar pelo bairro com ele. E claro, existe toda uma preparação pra isso. Camiseta, shortinho, meia e chuteira. Sim, precisa ser chuteira. Nem adianta discutir que você, assim como eu, não terá argumentos suficientes para vencer o Bento do contrário. Essa semana mesmo saí pra fazer uma caminhada de relaxamento e aproveitar a temperatura amena que fazia naquele dia. Pobre iludido que sou, imaginei que caminharíamos tranquilamente por umas quadras, falaríamos das árvores, dos passarinhos e que ele faria perguntas românticas, que sabe Deus porque idealizei algum dia em minha mente, do tipo: “papai, por que o céu é azul?”. Ah se vocês me vissem naquele dia.

Menos de 5 minutos depois de iniciarmos nossa caminhada, meu projeto de ogro pulou na minha frente em posição de super-herói (num misto de Homem de Ferro, Thor e Homem Aranha – a imaginação fica por sua conta, ok?) e disse: “Papai, vamos correr na velocidade da luz e salvar a cidade do ColonaVílus, siga-me!!!”. E simplesmente saiu desgovernado a correr entre calçadas quebradas e as nuvens de paranóia de covid-19 espalhadas pelo meu

pensamento. E eu? Bom, corri atrás como se não houvesse amanhã. Foram 2 quadras de corrida insana, luta brutal contra o ColonaVílus e a dupla mais excêntrica de todas as histórias de super-herói que o mundo já viu. Um cabeludo de 97cm e um semi-careca de 1m76cm fazendo caras e bocas no meio da rua contra alguma coisa invisível, porém, ameaçadora. Na volta pra casa, ele se despiu da imaginação de super-herói e pediu colo porque estava cansado e com calor. Voltou a ser apenas meu filho, mas ainda com super-poderes.

Aqui em casa cultivamos o hábito da leitura desde sempre. Temos quase 500 livros. Daqueles gostosos de pegar, sentar em algum lugar e sentir o cheiro das páginas de papel durante a leitura. Bento também já tem uma biblioteca caprichada. Eu tenho muito orgulho de falar que ele já é apaixonado pela literatura. Ele ama os livrinhos. Fica passeando pelas páginas, imaginando o que está escrito e se delicia com as imagens. Mas esse saudável hábito também nos prega peças. Nas últimas 4 semanas de isolamento, acho que li estes 70 livros do Bento mais ou menos umas 30 vezes cada um. Me distraio dois instantes e lá vem ele com 2 ou 3 livrinhos debaixo do braço pedindo pra ler.

Nestes momentos meu coração se alegra, mas a mente se desespera. Provavelmente terei que ler aqueles livrinhos por 1 hora ininterrupta e repetidas vezes. Cada vez que me aproximo das últimas páginas, uma sensação de angústia começa a me consumir com a possibilidade iminente e provável de ouvir aquela doce e amável voz dizendo: “De novo, papai”. A culpa é nossa, certo? Nós que ensinamos tudo isso. E a cada dia deste isolamento, tenho percebido que ele está ansioso por aprender a ler e escrever. Por vezes vejo ele sentado sozinho com os livrinhos passando o dedinho nas páginas e “lendo” sozinho. Cá entre nós, depois de tantas repetições de leitura, ele já decorou todas as histórias.

Como disse no início desse nosso papo, tenho certeza que não sou o cara mais incrível na tarefa de distrair uma criança. Eu perco a paciência. Me sinto incapaz. E por vezes até me questiono se sou um bom pai para meu filho. Me pego angustiado querendo sentar tranquilo por no mínimo 1 hora para ler um dos meus 500 livros. Tarefa praticamente impossível por agora. Mas sabe de uma coisa? Eu não quero mesmo ser alguém habilidoso em distrair o meu filho. Eu quero mesmo é aproveitar esta infeliz ocasião que estamos vivendo para me tornar um homem melhor para quem eu amo e me ama.

Quero sim reaprender a leveza de encarar a vida assim como uma criança, pelo menos de vez em quando. Quero perder a vergonha boba de abrir a minha boca e dizer que eu amo meus amigos e familiares. Mas eu quero mesmo é que tudo isso passe e eu possa voltar a poder abraçar e beijar um tanto de gente amada sem me constranger, sem pensar se vão me achar meio crianção por expôr meus sentimentos de maneira escancarada. Eu não quero distração. Agora, eu preciso mesmo é de atenção em mim, nos meus e no próximo. Vai passar. E seremos melhores.