Quatro perguntas ainda sem resposta sobre volta às aulas na pandemia


Ministério da Educação divulgou documento com orientações sanitárias e pedagógicas a escolas e redes, poucos dias depois de ministro dizer que isso era responsabilidade de Estados e municípios. Retomada de atividades presenciais em SP nesta quarta-feira; muitos Estados e municípios já estão criando os próprios protocolos
Reuters
O Ministério da Educação (MEC) lançou nesta quarta-feira (7/10) um guia com orientações sobre a volta às aulas presenciais, criado como parâmetro para Estados e municípios no planejamento da reabertura das escolas.
Elaborado, segundo o MEC, com base em orientações de órgãos internacionais como Organização Mundial da Saúde e Unicef e com sugestões de entidades da educação, o guia recomenda o retorno em cada Estado de acordo com uma tabela de cores, que avalie o nível de transmissão em determinada região: por exemplo, regiões que tenham casos esporádicos de covid-19 são da cor verde, e todas as escolas estariam autorizadas a reabrir ali.
Caso a região ainda tenha transmissão comunitária, cai na cor vermelha e é preciso fazer avaliação de risco para reabrir as escolas, além de manter em vista que, se reabertas, elas podem ter de serem fechadas caso o número de casos de coronavírus aumente.
A autonomia sobre isso, porém, é das autoridades locais, afirma o texto.
Mas, para educadores e especialistas ouvidos pela reportagem, ainda restam perguntas sem resposta sobre como lidar com as defasagens e as crescentes desigualdades de ensino, que ficarão quase que totalmente a cargo das autoridades locais (veja mais detalhes abaixo).
“O guia reúne normas técnicas de segurança em saúde e recomendações de ações sociais e pedagógicas a serem observadas pelos integrantes da comunidade escolar para um retorno seguro”, diz o MEC.
“A decisão de retorno às aulas presenciais, entretanto, deve ser tomada por estados e municípios de acordo com orientação das autoridades sanitárias locais.”
O guia é lançado poucos dias depois de o ministro da Educação, Milton Ribeiro, ter dito em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que a condução da volta às aulas e as desigualdades de acesso a internet e equipamentos era atribuição dos Estados e municípios, e não do MEC.
Segundo interlocutores, a fala de Ribeiro teria desgastado o ministro dentro do Palácio do Planalto.
Com o guia lançado nesta quarta, o MEC traz orientações sobre medidas de triagem e segurança sanitária a serem adotadas nas escolas e no transporte público rumo às escolas.
Na parte pedagógica, o documento diz que as redes e escolas podem reordenar o currículo do ano letivo restante de 2020 junto com o de 2021, a partir do que for “considerado essencial em termos de aprendizagem, de acordo com o contexto de cada escola, série ou turma”.
O texto sugere “cautela”, levando-se em conta “os impactos do isolamento na aprendizagem”. Também pede medidas específicas para os estudantes que estejam nos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio, para garantir que eles consigam fazer a transição para a etapa seguinte.
O guia do ministério cita estudos internacionais que destacam a baixa taxa de casos e mortes por covid-19 entre crianças e adolescentes. “Em contraste com isso, o fechamento das escolas tem impactos negativos evidentes na saúde física e mental das crianças, assim como na educação, no desenvolvimento, na renda familiar e na economia em geral.”
Especialistas que acompanham o debate (e a realidade) educacional pelo país afirmam que o MEC chegou atrasado na organização da volta às aulas, uma vez que a maioria dos Estados e municípios já vinha elaborando e implementando protocolos próprios.
Em São Paulo, por exemplo, algumas escolas começaram a reabrir nesta quarta-feira para atividades extracurriculares presenciais, seguindo as diretrizes do governo paulista e dos municípios.
Ao mesmo tempo, para Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (Ceipe) da FGV, o protocolo do MEC poderá amparar municípios menores ou sem estrutura para realizar protocolos próprios.
Para além do atraso, os especialistas consultados pela reportagem apontam ao menos quatro pontos que são essenciais para serem levado em conta na preparação da volta às aulas presenciais, em âmbito nacional – e, portanto, na alçada do MEC -, e que estão ausentes (ou pouco detalhados) no protocolo do ministério.
São eles:
Como ajudar os professores a se sentirem acolhidos e a reorganizar suas aulas?
Embora o texto do MEC cite os impactos do isolamento na aprendizagem, ele não traz orientações específicas sobre como dar acolhimento emocional a professores e estudantes – ponto crucial que consta dos protocolos internacionais eficientes de volta às aulas, afirma Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP e membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
“Isso para que a volta às aulas não seja mais um trauma” em meio à pandemia, diz ele.
Para Anna Helena Altenfelder, superintendente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), é preciso também dar mais munição para os professores e as escolas refazerem seu planejamento pedagógico, para minimizar os enormes desafios da retomada das aulas presenciais.
“Precisamos ajudar o professor a trabalhar em salas de aula que vão estar muito heterogêneas (em níveis de aprendizado), porque os alunos tiveram oportunidades muito diferentes durante a pandemia. Isso vai exigir um trabalho colaborativo entre as diferentes séries, e o MEC precisa incentivar pesquisas e metodologias sobre isso.”
Como enfrentar as desigualdades de estrutura escolar e de aprendizado entre os alunos?
Uma parcela considerável de professores tem resistido à volta às aulas presenciais em diferentes partes do país, afirmando que suas escolas não têm condições físicas para garantir o isolamento social e para pôr em prática as medidas de biossegurança.
“O impacto de um retorno acelerado às escolas para população de renda mais baixa pode ser avassalador”, afirm Cara. “Porque o conteúdo se recupera. Mas o impacto de uma (eventual) morte (na família de alunos e professores) é irreversível.”
Nesse ponto, o MEC prometeu destinar R$ 525 milhões para 117 mil escolas adquirirem itens de segurança sanitária e realizarem obras de adequação ao contexto pandêmico.
Mas o guia do ministério traz poucas referências ao que especialistas consideram um problema central: o fato de a pandemia ter acentuado gravemente as já profundas desigualdades educacionais do Brasil: estudantes mais carentes e de redes menos estruturadas tiveram menos condições de estudar do que os estudantes de classes socioeconômicas mais altas e de redes de ensino mais robustas.
“É o momento de se criarem políticas públicas de recuperação de aprendizagem, políticas que ajudem no diagnóstico (dos diferentes estágios de ensino) e na formação e incentivo de professores” para lidar com essa realidade, opina Altenfelder.
Como retomar o vínculo e evitar a evasão?
Outro efeito grave da pandemia é a quebra de vínculo entre os professores e parte de seus alunos, gerando o temor de que muitos deles deixem de ver sentido na escola e abandonem os estudos.
Uma pesquisa de julho do Datafolha para as fundações Lemann, Itaú Social e Imaginable Futures com pais ou responsáveis de 1.556 estudantes de escolas públicas do país apontou que, em mais de um terço dos casos, os estudantes estavam achando muito difícil a rotina de estudos remotos e corriam o risco de largar a escola por causa disso.
Evitar esse cenário também exigirá políticas públicas.
“O aluno não desaprendeu conteúdo, mas o aprendizado ocorre quando tem sentido e quando tem vínculo (entre aluno e professor), e o desafio da volta às aulas é garantir uma nova forma de aprender”, opina Daniel Cara.
“Com uma política adequada, seria possível recuperar boa parte do tempo dos estudantes na escola, porque no geral boa parte desse tempo já era mal-aproveitada. Daria para fazer mais e melhor, mas é preciso um plano nacional, que nos permitisse crescer durante o trauma (da pandemia)”, afirma o professor.
“Mas o Brasil não está tratando desses temas. Os professores nunca são ouvidos na elaboração dessas políticas, e são eles quem vão implementá-las. Com isso, fica a dúvida se a volta às aulas não é uma aventura.”
Como conciliar ensino presencial com o remoto?
De modo geral, as escolas terão de fazer um rodízio entre os estudantes que frequentam as aulas presenciais, para evitar aglomerações nas salas de aula.
O Conselho Nacional de Educação, autarquia vinculada ao MEC, aprovou na terça-feira (6/10) uma resolução em que estendeu a permissão para o ensino remoto na educação básica até o final do ano que vem. Na prática, redes e escolas podem substituir as aulas presenciais pelas remotas, ou combinar ambos.
Nesse cenário, é essencial estruturar o ensino híbrido, o que exige logística e investimentos, afirma Claudia Costin.
“O governo federal precisa ajudar os municípios no investimento para a digitalização. O tempo de ensino em casa vai continuar a existir, e vai ser muito importante para os alunos sem recursos ter equipamentos e conectividade”, diz.
Sobre o tema, o texto do MEC cita a necessidade de estruturar o ensino híbrido para os alunos de anos finais, para ajudá-los a alcançar a etapa seguinte de ensino.
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