Quarentenas reduzem criminalidade na violenta América Latina

(Bloomberg) — No Rio de Janeiro, as mortes por armas de fogo no último mês corresponderam a um terço do que no mesmo período há um ano. Em El Salvador, um dos países com maior número de assassinatos, o total de homicídios foi o menor já registrado para o mês de março. E em Caracas, a capital muitas vezes sem lei da Venezuela, a taxa de criminalidade quase zerou.

Na América Latina, como na maior parte do mundo, o coronavírus confinou muitas pessoas em casa, alterando rotinas de trabalho e escolares. Uma mudança foi bem-vinda: uma enorme queda dos roubos e homicídios que afetam o cotidiano em grande parte da região, líder global em criminalidade.

Infelizmente, também há tendências negativas: assim como nos Estados Unidos, a violência doméstica aumentou, com homens abusivos que espancam parceiras e crianças confinadas com eles. E algo único da região: organizações criminosas, que dominam grandes áreas de território, assumem o controle, muitas vezes reforçando quarentenas impostas por governos ou organizando a distribuição de alimentos como guardiões autodesignados da responsabilidade cívica.

Na opinião de Falko Ernst, do International Crisis Group, no México, organizações criminosas tentam identificar como podem se aproveitar da situação. No estado de Michoacan, disse, alguns grupos de criminosos têm extorquido empresários ou roubado semirreboques para distribuir alimentos e produtos ao estilo Robin-Hood. “Pode ser um renascimento de exibições benevolentes”, acrescentou.

Em Medellín, na Colômbia, foram registrados 18 homicídios em março, uma queda de 46% em relação ao ano anterior e o menor número em 40 anos. Os tiroteios no Rio caíram pela metade desde o início da quarentena. E, em El Salvador, o total de 65 homicídios no mês passado foi o mais baixo já registrado.

Os dados sobre a criminalidade no México em março contrastam com os da maior parte da região. O índices aumentaram, incluindo homicídios relacionados ao tráfico de drogas e saques. Mas o México foi contra a tendência internacional em março, pois manteve mercados e lojas abertas, tendo declarado quarentena apenas no final do mês.

Na Colômbia, dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), que assinaram um acordo de paz com o governo em 2016, permanecem ativos. Um panfleto de 23 de março atribuído a um grupo de dissidentes instruía residentes nas áreas em que operam a permanecerem em casa sob ameaça de sanções para os que desobedecessem.

Guerrilha sorridente

Com a foto de uma guerrilha sorridente, o folheto diz aos cidadãos “por favor, fiquem dentro de casa com maridos, esposas, pais, filhos e primos” ou “seremos forçados a impor sanções aos infratores destas instruções”.

O Exército de Libertação Nacional (ELN), que não fez parte do acordo de paz, emitiu uma declaração de cessar-fogo para abril devido ao vírus, dizendo que esperava o mesmo das forças do governo.

A guerrilha aproveitou a oportunidade para instar o governo do presidente Ivan Duque a libertar prisioneiros, fornecer testes gratuitos e oferecer uma série de medidas de assistência a pequenas empresas, idosos, pobres e pessoas endividadas.

Calma antes da tempestade

A Guatemala, que também figura entre os países mais violentos do mundo, registrou o menor número de homicídios em março em pelo menos uma década.

Mas Anthony Fontes, acadêmico da American University, em Washington D.C., especializado em organizações criminosas e violência na região, disse que não demorará muito para que as coisas voltem a piorar. Ele observa que o policiamento nos portos da Guatemala caiu, facilitando o tráfico de drogas e há sinais de roubo de carros.

“Muitas pessoas perderam o emprego em março, e a maioria dos guatemaltecos praticamente não tem nada para se apoiar”, disse. “Neste momento, as ruas estão vazias depois das 15 horas, facilitando o policiamento. Mas esta é a calma antes da tempestade.”

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