Projeto em SP incentiva a produção de alimentos orgânicos para proteger uma das maiores fontes de água do mundo
Pesquisadores e agricultores unem esforços para evitar o uso de agrotóxicos e recuperar florestas a fim de proteger o aquífero Guarani, que armazena trilhões de litros de água potável. Projeto em SP incentiva proteção de uma das maiores fontes de água do mundo
Para proteger o aquífero Guarani, em São Paulo, pesquisadores e agricultores criaram um projeto para evitar o uso de agrotóxicos e recuperar florestas.
A água é um produto básico do nosso dia a dia, serve para todas as atividades essenciais. E existe muita água no mundo que não podemos ver, mas que é importante para a nossa sobrevivência. Ela fica nos aquíferos, que são grandes reservatórios subterrâneos.
O Guarani, que é capaz de armazenar trilhões de litros d’água, tem passado por uma diminuição das suas reservas e, por isso, muitos agricultores estão aprendendo a conservar esse gigante.
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O aquífero Guarani ocupa mais de 1 milhão de quilômetros quadrados, passa por 8 estados brasileiros e também por Paraguai, Uruguai e Argentina. Só no estado de São Paulo, ele abastece 200 municípios.
O Brasil tem muitos outros reservatórios subterrâneos enormes. É o caso do aquífero Grande Amazônia, que, junto com o Guarani, está entre os maiores do mundo.
Gigante Guarani
Na maior parte, o aquífero fica bem escondido, centenas de metros debaixo do solo, mas, em alguns pontos, ele aflora na superfície, formando a nascente de rios.
Para abastecer esse gigante de água potável, a chuva é essencial e, como boa parte dele é coberto, o aquífero precisa das rochas e do solo para ser reabastecido.
E é justamente nesta etapa que a produção rural pode afetar o ciclo do Guarani, como explica Ricardo Hirata, diretor do Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas da USP.
“Tendo como referência o que acontece no exterior, nós sabemos que a atividade agrícola, quando mal manejada, com o excesso ou uso não bem gerenciado de agrotóxicos, pode contaminar as águas subterrâneas”, diz Hirata.
“Aquíferos contaminados precisam ser limpos, e, muitas vezes, essas técnicas de limpeza ainda não são completamente eficientes”, acrescenta.
E a região de Botucatu, no interior paulista, fica em uma das áreas mais sujeitas a essa contaminação. Nesta parte do estado é onde ocorre a recarga de água. É por isso que foi criado o programa Gigante Guarani, que convida pequenos produtores a ajudar a proteger o aquífero.
Beatriz Stamato, especialista em agroecologia e diretora do Instituto Giramundo Mutuando, faz parte da equipe que encoraja agricultores familiares a abandonar os agrotóxicos e os ajuda a vender os alimentos orgânicos.
“Eu tenho que fazer junto com o agricultor, para que ele possa ter uma produção que seja, de fato, ecológica e não um perigo para o aquífero Guarani”, explica Beatriz.
Como funciona
Os técnicos do programa estudam o mapa da propriedade, para encontrar os riscos para o sistema aquífero. Na fazenda do produtor rural Milton Domingues, eles viram a necessidade de mais floresta próxima às nascentes.
“Uma área florestada tem diversas aplicações importantes, uma delas é facilitar que haja penetração da água da chuva. Ela permite também que não venham enxurradas que podem arrastar uma quantidade grande de terra, o que aumenta o leito e vai matando a nascente”, diz Beatriz.
O trabalho da ONG já dura quase duas décadas e, em 2019, eles firmaram parceria com outras duas entidades para ajudar nas atividades: o Instituto Itapoty e a Fundação de Estudos e Pesquisas Agrícolas e Florestais (Fepaf) da Unesp.
A engenheira florestal da Unesp Magali Ribeiro coordena os alunos da faculdade, que tentam deixar a reestruturação do solo e da floresta melhor e mais barata.
Em um viveiro, eles reproduzem dezenas de espécies de Mata Atlântica, como a cabreúva e o pau-de-viola. Para semear tanta planta diferente, os técnicos usam a técnica da muvuca, que nada mais é que misturar as diversas sementes e plantar. Tudo para ter diversidade de plantas.
Esse trabalho faz parte de um esforço para reflorestar 200 hectares de Mata Atlântica na área de recarga do aquífero. O esforço reúne centenas de agricultores que já se envolveram no programa.
Do passado ao presente
Toda a área do aquífero foi moradia do povo indígena Guarani. O nome desse imenso reservatório de água é uma homenagem a essa população que teve a sabedoria de tirar o seu sustento preservando o meio ambiente por milhares de anos.
Os Guaranis e outras etnias habitaram a cuesta de Botucatu, um tipo de relevo com morros de diferentes tamanhos e formas.
Hoje, a área de mata nativa nessa região não chega a 10% do que era. “Isso aqui, antigamente, era tudo mato. O meu avô contava que, por volta de 1940, isso aqui foi derrubado tudo porque foi a época do auge do café no Brasil”, explica o agricultor José Antônio Moraes.
Moraes aderiu ao programa e a transformação foi grande. Em 2005, o Gigante Guarani plantou mais de 2 mil mudas na propriedade dele. Depois de 15 anos, elas cresceram e agora ajudam a enriquecer a floresta da região. Aos poucos, a mata vai chegando em um ponto em que ela se desenvolva sozinha.
“Nós plantamos água e plantamos vida. Os bichos, que não tinham por aqui, hoje estão aparecendo… tamanduá-bandeira, onça parda…”, comemora Moraes.
“A gente cuidou da natureza, e foi essa a resposta que ela deu: água… e água é vida.”, completa Izaíra Moraes, esposa de José Antônio.
Futuro
O projeto Gigante Guarani vai receber um financiamento de R$ 3 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para uma nova etapa.
Parte desse valor vai para pesquisas científicas com foco na preservação a longo prazo. O motivo é que tiramos mais água do Guarani do que a natureza consegue repor. Para se ter uma ideia, o aquífero Guarani abastece sozinho os 600 mil habitantes de Ribeirão Preto, município de São Paulo.
Um estudo aponta que, daqui para frente, a captação de águas subterrâneas no Brasil vai aumentar bastante nas próximas décadas. Por isso, o programa quer ser só uma parte algo muito maior.
“Boa parte do papel do Gigante Guarani é mostrar que é possível fazer a preservação conciliada com a produção de alimentos saudáveis e, também, criar essa área estratégica protegida para o futuro do país”, conta Jorge Martins, diretor científico do Instituto Itapoty.
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