Professor que citou fascismo foi afastado do Colégio Militar de Brasília por ‘ter se manifestado politicamente’, diz Exército
Segundo Exército, educador contrariou Estatuto dos Militares e ‘se desviou do assunto durante a maior parte do tempo da aula’. Afastamento ocorreu após crítica à atuação da PM em manifestação, em São Paulo. Professor critica violência policial em aula no Colégio Militar de Brasília
O professor que fez referência ao fascismo e criticou a violência policial em uma manifestação em São Paulo, durante uma videoaula do Colégio Militar de Brasília (veja vídeo acima), foi afastado das funções por ter se “manifestado politicamente durante a videoaula que ministrava, contrariando o Estatuto dos Militares, Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980”. A afirmação é do Exército Brasileiro.
Em nota, o Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx) informou que o educador foi afastado “também por ter se desviado do assunto durante a maior parte do tempo da aula, não respeitando, dessa forma, o previsto no Plano Sequencial Didático do Sistema Colégio Militar do Brasil”.
A polêmica teve início no dia 2 de junho, quando o professor de geografia do 9º ano disse que a PM agiu com “dois pesos e duas medidas” durante ato na capital paulista e afirmou que a situação “remete a um fascismo, que a gente não quer mais isso no mundo”. No dia seguinte, ele foi afastado (veja mais abaixo).
Professor que criticou violência policial durante aula no Colégio Militar de Brasília
Reprodução
Segundo o Exército, o educador “foi temporariamente afastado das atividades docentes, para poder exercer o direito ao contraditório e à ampla defesa no processo administrativo [a] que responde”.
Até a última atualização desta reportagem, o Colégio Militar de Brasília não havia se manifestado sobre o caso. O G1 não conseguiu falar com o professor afastado.
Declarações
Durante a videoaula, o professor criticou uma manifestante de direta que estava com um taco de beisebol e disse que ela era “patriota de araque”. Após criticar a atuação da PM no ato, em 31 de maio, ele pediu aos alunos para “refletirem que mundo de escuridão a gente tá se metendo”. O professor também fez uma defesa da igualdade e condenou o racismo.
“Esse mundo é de todos. Brancos, negros, índios, o que vocês quiserem, tá?”, disse professor durante aula no Colégio Militar de Brasília .
Mulher é acompanhada por PM durante protesto na Avenida Paulista. Ela ameaçou manifestantes contra presidente Jair Bolsonaro
Reprodução/TV Globo
Leia a íntegra do trecho do vídeo com a fala do professor:
“[Os policiais são] pagos para fazer a coisa certa e não para fazer uma coisa dessas. No domingo, vocês devem ter acompanhado dois protestos: uma senhora branca, falsamente com uma bandeira do Brasil nas costas ou alguma coisa assim, patriota de araque que ela é, e com um tremendo de um taco de beisebol. Para fazer o quê?
O policial [disse]: ‘Não, minha senhora, saia daqui e tal’.Enquanto os outros manifestantes foram tratados a bombas e gás lacrimogêneo. Então, dois pesos e duas medidas, tá?
Para vocês refletirem que mundo de escuridão a gente tá se metendo. Então parece que estamos em um retrocesso, tá? E é esse o problema. Esse é o problema porque isso tudo se remete a um fascismo, que a gente não quer mais isso no mundo.
Esse mundo é de todos. Brancos, negros, índios, o que vocês quiserem, tá? [Aponta para o braço] Aqui, pessoal, parece que tem uma corzinha branca. Mas aqui tem um monte de etnias aqui misturadas, tá bom? Ainda mais se pensar que eu sou brasileiro, certo? Meu pai era gaúcho, minha mãe era carioca. Minha esposa é nordestina, né? Então eu sou um brasileiro…”
Afastamento
Diretor do Colégio Militar de Brasília anuncia afastamento de professor
No dia seguinte, o diretor do colégio fez uma transmissão para pais de estudantes. Na live, o coronel Carlos Vinícius Teixeira de Vasconcelos anunciou o afastamento do professor da sala de aula e a abertura de processo administrativo.
Leia a íntegra da declaração do diretor do Colégio Militar sobre o caso:
“Eu gostaria de abrir rapidamente aqui um parêntese para comentar, até com o intuito de evitar boatos e especulações. Ontem aconteceu uma live aqui no Colégio Militar de Brasília, onde um professor nosso resolveu fazer uma série de comentários nessa live. Então, realmente, esse professor é nosso aqui do Colégio Militar de Brasília.
Ocorreu numa live no dia de ontem e o professor já foi afastado das aulas, da sala de aula, dessas lives. Já foi, já determinei a abertura de um processo administrativo para esclarecer essa ação e apurar responsabilidades.
Então, é só o que eu tenho a dizer com relação a esse caso, que é um caso episódico, pontual, que assim será tratado. O nosso foco tem que ser sempre o ensino, o processo de ensino e aprendizado.”
Repercussão
Após a repercussão do caso, o Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF) se manifestou. À reportagem, o diretor da entidade, Samuel Fernandes, defendeu a autonomia dos educadores em sala de aula.
“É papel do professor discutir as relações sociais entre os indivíduos e a igualdade de tratamento nas relações sociais. Não vivemos em uma ditadura. Mais respeito com o professor.”
A bancada do Psol na Câmara dos Deputados também pediu ao Colégio Militar esclarecimentos sobre o afastamento do professor. No documento, os parlamentares afirmam entender que “ao fazer tal pronunciamento, o professor está exercendo seu direito à livre expressão, assegurado pela Constituição Federal, e por tratados internacionais de que o Brasil é signatário, e reafirmando o princípio de não discriminação que a Carta consagra”.
O texto diz ainda que o Estado “não pode censurar um Professor que está exercendo a sua atividade de acordo com os princípios Constitucionais que devem reger todas as esferas da administração pública, sobretudo em um momento de propagação de ódio e intolerância. O Professor, pela sua fala relatada nos tópicos antecedentes, deveria ter sido homenageado, e não punido”.
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