Posso exigir equipamento de segurança? Professora esclarece dúvidas de trabalhadores durante pandemia

Como ficam os seus direitos durante a pandemia do novo coronavírus? Se você ainda trabalhar fora de casa, por exemplo, é obrigação do empregador fornecer informações e todos os equipamentos de proteção necessária, por exemplo. Especialista em Direito do Trabalho, a baiana Renata Queiroz Dutra, hoje professora da Universidade de Brasília (UNB), esclarece dúvidas sobre o trabalho durante a pandemia e dá dicas, inclusive, de como trabalhar em home-office sem ultrapassar os limites legais. 

“É importante diferenciar duas coisas: embora no home office não haja controle de jornada (cartão de ponto, marcação do início e do fim do horário de trabalho), isso não significa que não haja limite de jornada para que quem está em home office, porque esse é um direito constitucional“. 

Confira na íntegra:

1) O trabalhador pode exigir fornecimento de Equipamento de Proteção Individual? A lei cobre isso?

Com certeza. É obrigação do empregador fornecer, gratuitamente, todos os equipamentos necessários para que a prestação de serviços ocorra de forma segura (arts. 157 e 166 da CLT). Diante da pandemia, passam a ser medidas de proteção obrigatórias aquelas que previnam o contágio dos empregados, tais como máscaras, luvas e álcool em gel, ou outras que se façam necessárias em razão do grau de risco da atividade desenvolvida. 

2)  E se a empresa se negar a oferecer, há alguma possibilidade de denunciar de forma anônima?

Sim, o trabalhador pode realizar denúncias anônimas tanto junto às Superintendências Regionais do Trabalho quanto junto ao Ministério Público do Trabalho. É válido também que o trabalhador comunique a situação ao seu sindicato profissional, para que adote as providências coletivas que entender cabíveis.

3)   Em caso de o trabalhador contrair coronavírus no trabalho, quais são as responsabilidades da empresa?

Se contágio ocorre em razão do exercício da atividade profissional, que, no caso, entendo que se qualifica como atividade de risco (em face do contato direto com o público no contexto da pandemia), trata-se de ocorrência do gênero acidente de trabalho, que gera para o empregador a obrigação de indenização o trabalhador pelos danos morais e materiais que daí sobrevenham (custeio de despesas médicas, lucros cessantes, etc).

Além de ficar garantido ao trabalhador o afastamento pelo INSS, com benefício acidentário. Vale ressaltar que a Medida Provisória nº 927/2020 editada domingo pelo governo federal estabelece a presunção de que o contágio pelo covid-19 não consiste em doença ocupacional, salvo se o trabalhador provar o contrário. A medida ainda precisa ser apreciada pela Congresso Nacional, para sabermos se irá prevalecer. E, de toda forma, é questionável a sua constitucionalidade.

4)    E se houver agravamento do quadro clínico, quais as obrigações da empresa? 

A Lei nº 13.979/2020 estabelece que se houve suspeita ou efetivo contágio dos trabalhadores, a conduta empresarial é encaminhar o trabalhador, respectivamente, para quarentena ou isolamento, com recebimento dos salários (art. 3º, § 3º). No caso do adoecimento ou morte do trabalhador, se aplica o já respondido no item anterior: tendo o contágio origem ocupacional, configura-se acidente de trabalho e o empregador responde pela reparação dos danos. Em caso de morte, essa reparação é devida aos herdeiros. 

5)   Caso um colega de trabalho se afaste do trabalho porque está com coronavírus, eu também posso faltar – mesmo sendo prestador de um serviço essencial? 

Sim, entendo que o trabalhador tem direito de reivindicar a quarentena assegurada por lei se houve contato direto com o contaminado. Conforme arts. 2º, II, e 3º, II, § 3º, da Lei nº 13.979/2020, basta a suspeita de contágio para que o trabalhador tenha direito à quarentena remunerada.

Embora a lei não traga previsão expressa sobre o que se qualifique como “suspeita”, entendo que a presença de uma pessoa contagiada no local de trabalho coloca sob suspeita todos que com ela tiveram contato direto e sem as medidas de proteção compatíveis.

Havendo suspeita, o empregador pode envidar esforços para testar os empregados e afastar essa suspeita, mas sabemos que, pela rede pública de saúde, os testes não são oferecidos para os casos que não apresentem sintomas graves.

6)    Em que casos o trabalhador pode se recusar a trabalhar? 

Se ele está doente ou corre o risco de se contagiar (isso pode acontecer tanto pela presença de pessoas doentes ou suspeitas no ambiente de trabalho, quanto pela falta de equipamentos de proteção individual adequados à prevenção, quando o trabalhador tem contato direto com o público), o trabalhador pode, com amparo legal, se recusar à prestação de serviços. A legislação prevê como hipótese de extinção do contrato por culpa do empregador (ou seja, com responsabilidade pelo pagamento das indenizações e demais verbas rescisórias) a exposição do empregado a “perigo manifesto de mal considerável” (art. 483, “c”, da CLT). 

7)   Se eu trabalhar num comércio e meu patrão decidir reabrir a loja em meio à pandemia, eu tenho respaldo legal para não ir ao trabalho? 

No Brasil, além da instabilidade gerada pela pandemia, vivemos um momento também de instabilidade política, em que há uma distância entre os pronunciamentos oficiais da Presidência da República e aquilo que se concretiza oficialmente, o que gera insegurança. Apesar do pronunciamento oficial da terça-feira, do ponto de vista normativo, não houve alterações relevantes nesse aspecto (funcionamento do comércio) até hoje.

Por exemplo, hoje [dia 25]  foi editado o Decreto nº 10.292/2020, que define os serviços públicos e atividades essenciais no período da pandemia, e nele não se mencionou o comércio. O STF entende que é dos municípios a competência para regular o funcionamento do comércio local, desde que não infrinjam leis estaduais ou federais válidas e não houve modificação na orientação da Prefeitura e do Governo do Estado.

Dessa forma, entendo que não há respaldo legal para que os empregadores do setor comercial reabram seus estabelecimentos e convoquem os empregados para trabalhar, sendo lícita a recusa dos trabalhadores, caso assim procedam seus patrões.

8)  Muita gente em home-office diz que acaba trabalhando além da conta e não consegue lidar com os pedidos dos chefes. Quais as dicas para que se mantenha uma relação de trabalho usual? 

É importante diferenciar duas coisas: embora no home office não haja controle de jornada (cartão de ponto, marcação do início e do fim do horário de trabalho), isso não significa que não haja limite de jornada para que quem está em home office, porque esse é um direito constitucional de todos os trabalhadores. A MP 927/2020 estabeleceu (no meu entendimento, equivocadamente) que “o tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição”, ou seja, não configura tempo de trabalho a ser remunerado pelo empregador e computado na jornada.

Por isso, embora a realidade do teletrabalho implique alterações na rotina (sobretudo para mulheres) e ofereça alguma flexibilidade na gestão dos tempos de trabalho e não trabalho, a orientação é que, na medida do possível, o trabalhador siga uma disciplina na fixação do horário de início e término do trabalho, ao fim do qual ele possa estabelecer um momento de descanso e desconexão, se permitindo inclusive não responder mensagens eletrônicas que porventura receba do trabalho nesse momento de repouso.

A liberdade de trabalhar traz o risco de acabar trabalhando o dia todo e se desgastando mais. Por isso, se organizar para delimitar o tempo de trabalho e descanso é uma orientação fundamental para a preservação da saúde mental no teletrabalho.

Os especialistas em saúde ocupacional também recomendam que as pessoas cuidem dos hábitos de higiene e se vistam antes de começar a trabalhar (nada de passar o dia de pijama!), para que a realidade do teletrabalho não prejudique a rotina de autocuidado; que façam pausas regulares para refeições e descanso (nada de almoçar na frente do computador!); e que evitem bebidas alcóolicas e drogas na rotina ordinária, para que não se perca o controle sobre seu uso, já que, na realidade do teletrabalho, o alcoolismo e outras dependências químicas se afiguram como riscos ocupacionais relevantes.