Por respeito a Ruy Barbosa e à Bahia

Direto ao ponto, começo com um desafio: se é verdade que a UniRuy não obstrui a Justiça, por que obstruiria a imprensa? Feito o desafio, uma sugestão de pauta às redações: uma bela reportagem sobre o precioso Museu Casa de Ruy Barbosa, ali instalado desde 1949, quando da comemoração do centenário do seu nascimento.
Constatar o exemplo de cuidado com um imóvel edificado séculos atrás num sítio tombado pelo Iphan, testar a segurança de um museu onde estão obras raras; aprender uma lição sobre conservação de objetos, retratos em óleo sobre tela, livros, móveis e utensílios do ilustre jornalista, jurista e político baiano; constatar em livro de presença, o fluxo de visitantes; apurar quantos eventos foram ali promovidos; saber das pesquisas e trabalhos acadêmicos produzidos a partir do que ali se encontra guardado; ouvir funcionários bem preparados e conhecedores do acervo da Casa e da vida e obra de Ruy…
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Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO |
Se a UniRuy não obstrui a Justiça, porque obstruiria a Associação Bahiana de Imprensa, que recebeu o imóvel doado por Ernesto Simões Filho, em 1935, e doações de acervo pela sociedade baiana, para composição do Museu Casa de Ruy Barbosa, em 1949?
Se a UniRuy não obstrui a Justiça, porque razão haveria de obstruir a visita de um técnico do Iphan cumprindo seu dever de fiscalizar a conservação de imóveis históricos em áreas tombadas?
Mais do que perguntas retóricas, as provocações visam, com o perdão da redundância, provocar mesmo o brio de colegas jornalistas e até mesmo um sentimento algo bairrista numa terra tradicionalmente aberta a quem vem de fora, desde antes de 1808. E serve também aos operadores do Direito, aos estudantes da área, aos decanos, como o respeitável Dr. Calmon Teixeira e mesmo aos membros do Tribunal de Justiça, que guardam, emprestadas, algumas peças do acervo doado à ABI e que pertencem, em primeira e última análise, à Bahia.
O que pensa de nós, baianos, essa empresa estrangeira em flagrante desdém contra nossa história e memória? Nunca fomos xenófobos, mas sempre fomos altivos e insubmissos. Qual a razão de tanto desvalor por parte de uma instituição de ensino superior, batizada pelo seu fundador, o educador baiano Antônio de Pádua Carneiro, com o nome de Ruy? Acaso fiou-se no estereótipo falso e preconceituoso da Bahia indolente? Aqui chegou e não se deu ao trabalho de conhecer a história dos Malês? Dos tupiniquins, imborés, mongoiós e tapuias? Não soube dos Alfaiates e não conheceu o 2 de Julho? Desconhece o 16 de Maio de 2001? Não ouviu falar da Revolta do Buzu?
A UniRuy confundiu as coisas e desconsiderou a forma cordata, colaborativa e tolerante como sempre foi tratada pela ABI que lhe renovou um crédito de confiança ao ver os primeiros sinais de desleixo, em 2015. Sequer fechou a porta da Casa, depois de roubada, em 2018. Um museu não se protege com trancas. Ao contrário! A forma mais adequada de proteger a Casa de Ruy era preenche-la de vida, de visitantes, de atividades culturais e acadêmicas, para além de visitação sempre desejada por qualquer instituição que mereça ser chamada de “museu”.
A resposta à lhaneza marcante do caráter nosso ex-presidente Walter Pinheiro foi um ofício seco, comunicando o desinteresse em continuar como responsável pela gestão da Casa de Ruy Barbosa. Talvez com a pretensão de desincumbir-se das responsabilidades pela situação atual, gritantemente diversa da encontrada em 2011, quando o grupo norte-americano comprou a faculdade criada por Pádua e decidiu manter o convênio, até então muito bem sucedido. Confundiram civilidade com passividade.
Esperamos comemorar o Dia Nacional da Cultura, 5 de novembro, aniversário de Ruy, na casa onde ele nasceu – em nossa Casa. E sim, reafirmamos nossa absoluta e irrestrita boa vontade e disposição para entendimento a nos conduzir a bom termo que restaure imóvel e acervo.
Mas, como manda a boa tradição baiana, sabemos bem como tratar quem abusa da nossa reconhecida hospitalidade para desonrar a nossa casa, deixando suja a sala encontrada limpa e arrumada. Diante da recusa ao diálogo, recorremos à Justiça, confiando no Direito que destacou o jornalista Ruy Barbosa entre os maiores juristas da história. Mas não será desencorajado quem por acaso pensar num ebó. Que ninguém se engane: estamos na Bahia. A despeito de todas as nossas mazelas, aqui a gente se ama e se respeita.
*Ernesto Marques é jornalista e presidente da Associação Bahiana de Imprensa (ABI)