Peruana é obrigada a cumprir quarentena em Trancoso e fotografa o vilarejo
A fotógrafa peruana Alejandra Orosco, 31 anos, saiu de seu país no dia 10 de fevereiro, para vir ao Brasil como turista e também realizar alguns cliques para uma revista internacional que a havia contratado. A viagem foi feita de barco até Santarém. Depois, seguiu para Manaus, Salvador e Itacaré. Finalmente, chegou a Trancoso, distrito de Porto Seguro.
De lá, ainda iria a São Paulo e Rio de Janeiro. Mas veio a pandemia e os planos de Alejandra de fazer turismo pelo Brasil foram descartados. Pior: ela foi impedida de voltar para casa, por determinação do governo peruano. Seu país é o décimo em número de casos no mundo, com mais de 170 mil doentes e 4,6 mil mortos.
Quando soube que o governo peruano iria decretar a proibição, Alejandra tinha apenas 24 horas para retornar ao país. Como o tempo era insuficiente para preparar a viagem, ela acabou permanecendo em Trancoso e acredita que só poderá sair de lá no dia 30 de junho para voltar ao Peru, quando, a princípio, termina a quarentena no seu país.
Mas, mesmo estando longe dos familiares e um tanto angustiada por não saber quando poderá voltar para casa, ela ainda teve motivação para fazer uma fotos, não mais para a revista que a havia contratado, pois se trata de uma publicação de turismo e não faria sentido fotografar um lugar turístico sem… turistas.
Trancoso
Surgiu então o convite de um amigo brasileiro, o jornalista Cassiano Viana, para que ela fizesse umas fotos para o projeto Olhares Sobre a Covid-19, lançado pelo Itaú Cultural, que reúne fotógrafos de diversos países para enviar imagens da cidade onde estavam durante a pandemia. Entre o final de março e o início de abril, Alejandra deu uma volta pelo vilarejo e realizou os registros de uma paisagem completamente diferente da habitual, devido ao isolamento. As imagens do projeto estão no endereço itaucultural.org.br/secoes/fotografia.
“É um lugar turístico, mas não há turistas, então boa parte das fotos que faço mostra lugares vazios, as pessoas bem longe umas das outras, as portas das casas fechadas, uma sensação de abandono…”, diz a fotógrafa, formada em comunicação.
Em vez de usar seu equipamento profissional, ela optou por um celular: “No início, não me sentia à vontade para fazer com a câmera num momento tão delicado que as pessoas estão passando e era no início da quarentena. Então, optei por não fazer retratos, prefiro mostrar as pessoas de longe”.
A fotógrafa ressalta que a experiência, embora enriquecedora, foi bastante dura e, em alguns momentos, triste.
“Foi complicado fazer as fotos porque eu falava com Cassiano num dia em que estava bem e acertava de fazer as fotos, mas, no outro, amanhecia mal, com saudades de casa. Então, as fotos ficam bem diferentes umas das outras”, reconhece Alejandra.
Ela está hospedada num resort e, graças à residência artística que foi realizar ali, está livre de pagar a hospedagem. Por enquanto, vive da poupança que realizou, já que pode sacar dinheiro de sua conta no banco peruano. Mas não recebe ajuda alguma do governo. O namorado, que veio com ela, dá aulas de inglês online e conseguiu manter o trabalho e a remuneração. “Não tenho perspectiva de voltar logo, mas sei que minha família está bem e isso me deixa tranquila. Às vezes, ouço umas notícias do Peru, e também do Brasil, que me deixam preocupada. Mas estou muito grata por estar sendo bem cuidada aqui e por ver que as pessoas cuidam umas das outras”, conforma-se
Série já tem fotografias de seis países
A série Olhares Sobre a Covid-19, Marco Zero, teve início em 24 de abril e segue até 10 de julho. Por enquanto, já estão no ar seis trabalhos e os novos trabalhos estreiam sempre às sextas-feiras, no mesmo endereço. itaucultural.org.br/secoes/fotografia. Todas as imagens foram registradas durante a pandemia. Por enquanto, há registros China, França, Alemanha, Itália, Espanha e Brasil. Nesta sexta, entra o de Portugal.
“Não é sobre técnica ou sobre o ato de fotografar em si. É muito mais uma correspondência com pessoas de diferentes realidades e que têm o olhar, a observação e o registro através de imagens como meio de expressão e forma de materializar os sentimentos nesses tempos de isolamento”, diz Cassiano Viana, jornalista que contactou os fotógrafos colaboradores da série.
Um dos ensaios mais surpreendentes é do italiano Graziano Panfili, que vive em Roma e fez fotos de seu país usando câmeras do Google webcams que estivessem online, durante a quarentena na Itália, país que adotou um dos mais rigorosos isolamentos no mundo e teve, até agora, 33.530 mortos e 233 mil casos.
Veja as fotos