Para educadores, avaliação da OCDE mostra que taxa de reprovação alta e internet lenta são gargalo das escolas brasileiras
Dados do Pisa colocam o Brasil com o 4º maior índice de reprovação entre 79 países e territórios pesquisados. A alta taxa de reprovação, que dificulta manter o interesse dos estudantes no ensino, e internet de baixa qualidade nas escolas do país são apontadas por especialistas como alguns dos principais desafios para a educação brasileira. Eles comentaram os resultados do estudo mundial “Políticas Eficazes, Escolas de Sucesso”, divulgado na última terça (29).
É o 5º relatório do tipo divulgado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês) de 2018.
Relatório da OCDE aponta desafios do Brasil para volta às aulas na pandemia
Os números foram levantados antes da pandemia, mas trazem um retrato de desafios que deverão aumentar no cenário pós-Covid.
Eles indicam que, no Brasil, 34% dos estudantes de 15 anos repetiram de série ao menos uma vez durante toda a sua vida escolar – o 4º maior percentual entre 79 países e territórios analisados.
A média total fica em 11,9%. Os alunos brasileiros ficaram estagnados em leitura e caíram na avaliação em matemática e ciências.
O relatório da OCDE diz que países com menores índices de repetência têm resultados melhores nos graus de educação da sua população.
Especialistas alertam que a reprovação pode levar ao abandono e à evasão escolar, o que poderá ser agravado com a suspensão das aulas nos últimos meses.
Além disso, 74% dos diretores do Brasil afirmam que a velocidade da internet nas escolas não é adequada e só metade dos professores do país tinha as habilidades necessárias para integrar o uso da tecnologia à aprendizagem.
Antes da pandemia, apenas 16,3% dos alunos do Brasil tiveram aulas sobre como usar a internet com segurança. Os dados apontam um possível despreparo para as aulas on-line.
Brasil é 2° pior colocado em número de computadores por aluno, em ranking mundial
“Os dados mostram um cenário problemático, em que as desigualdades do país se refletem na aprendizagem [dos alunos]”, afirma Catarina de Almeida Santos, professora da Universidade de Brasília (UnB) e dirigente da Campanha Nacional pela Educação, no DF.
“O acesso à educação desde cedo vai refletir nos números lá na frente. As condições de vida da população refletem na repetência ou no sucesso escolar”, analisa.
Santos lembra que o desempenho dos alunos na prova do Pisa é maior em escolas privadas e, no Brasil, a diferença chegou a 102 pontos, se comparado a estudantes de escolas públicas.
Na educação infantil, 9,9% dos alunos brasileiros não tiveram acesso à pré-escola. O relatório aponta que alunos que frequentaram esta primeira etapa de ensino têm desempenho melhor.
OCDE: 43% dos estudantes brasileiros têm nota abaixo do esperado no Pisa
Além disso, há diferenças socioeconômicas. No Brasil, 68% das escolas em situação econômica mais favorecida têm equipamentos digitais. Nas escolas de regiões com menor renda, o percentual é de 10%, segundo o relatório da OCDE.
“A pandemia foi disruptiva, ela provocou uma ruptura muito forte na educação do Brasil e do mundo”, afirma Maria Helena Guimarães de Castro, membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), uma das signatárias do “Pisa Governing Board” do Brasil.
“Mas a escola é um espaço de socialização – nada substitui a presença do professor e a convivência escolar. A tecnologia poderia ajudar na aprendizagem dos alunos, evitando a repetência, por meio de plataformas. Os alunos que nasceram a partir dos anos 2000 já são digitais”, afirma.
Inadequações e desigualdades
“Esta crise expôs muitas inadequações e desigualdades nos sistemas educacionais em todo o mundo”, disse Andreas Schleicher, diretor de Educação e Competências da OCDE.
“Os jovens desfavorecidos foram particularmente afetados e cada país deve fazer mais para garantir que todas as escolas tenham os recursos de que precisam e assim todos os alunos tenham oportunidades iguais de aprender e ter sucesso.”
“As escolas brasileiras estão muito desconectadas do século 21”, afirma Gabriel Correa, gerente de políticas educacionais do Todos pela Educação, em entrevista à GloboNews.
“A gente sabe que a falta de conectividade não é um problema só da educação, mas os dados refletem e concretizam que a tecnologia na educação está muito distante das escolas. Já chegou a hora de parar de discutir ‘se’ a educação precisa de tecnologia, mas o ‘como’. A própria pandemia acelerou este processo”, analisa.
Reprovação
A reprovação é apontada por especialistas como uma prática que não reflete em melhor aprendizagem. O ideal seria diagnosticar o problema e ajudar o aluno antes do fim do ano para que ele consiga acompanhar a turma, afirma Maria Helena Guimarães, do CNE.
“O conceito de escola boa é a escola onde o aluno aprende. A escola precisa aprender a lidar com a diferença, a desigualdade, com as diferentes necessidades dos alunos. A reprovação é uma questão que pode ser resolvida mediante trabalho pedagógico. Se reprovar fosse bom, todos os sistemas de ensino reprovariam”, analisa.
Além disso, repetir de ano pode levar ao desinteresse pelas aulas, podendo causar abandono e evasão, uma das preocupações com a interrupção das aulas na pandemia.
No ensino médio, os jovens estão deixando as aulas para trabalhar e ajudar nas contas em casa devido à crise econômica provocada pela pandemia. No ensino superior, o impacto é dos alunos que não conseguem pagar a mensalidade ou nem ingressam na faculdade por falta de perspectiva.
Os dados indicam que, em geral, alunos de baixa renda têm três vezes mais chance de repetir de série ao menos uma vez na vida, se comparado a estudantes de maior renda, mas com o mesmo desempenho no Pisa.
No Brasil, 51,8% dos que repetiram de ano ao menos 1 vez estavam na parcela mais pobre da população. A maioria dos repetentes (58,6%) eram de áreas rurais ou vilas.
Como é feito o Pisa?
O Pisa é uma avaliação mundial feita em dezenas de países, com provas de leitura, matemática e ciência, além de educação financeira e um questionário com estudantes, professores, diretores e escolas e pais;
O resultado é divulgado a cada três anos – a edição mais recente foi aplicada em 2018 com uma amostra de 600 mil estudantes com 15 anos de 80 países diferentes. Juntos, eles representam cerca de 32 milhões de pessoas nessa idade;
Cada edição apresenta mais de um volume de informações. Os dados deste texto se referem ao 5º volume do Pisa mais recente, de 2018.
Apesar de fazer referência a 79 países e economias como integrantes desse ranking, alguns sistemas de ensino não são países independentes. Por exemplo: Macau, Hong Kong e quatro províncias agrupadas da China continental (Pequim, Xangai, Jiangsu e Zhejiang) recebem três notas diferentes. Além disso, a média dos países da OCDE também aparece no ranking.
O mínimo de escolas exigido pela OCDE é 150;
A prova é aplicada em um único dia, é feita em computadores e tem duas horas de duração. As questões são objetivas e discursivas;
A cada edição, uma das três disciplinas principais é o foco da avaliação – na edição de 2018, o foco é na leitura;
O Brasil participou de todas as edições do Pisa desde sua criação, em 2000, mas continua muito abaixo da pontuação de países desenvolvidos e da média de países da OCDE, considerada uma referência na qualidade de educação.
Playlist: Volta às aulas na pandemia
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