Pandemia pode tirar das redes estaduais de ensino quase R$ 28 bilhões em recursos de arrecadação, aponta levantamento
Cenário considera queda de 25% nos impostos e transferências de recursos vinculados a tributos de manutenção e desenvolvimento de ensino (MDE), de acordo com estudo do Todos pela Educação e Instituto Unibanco. Educação brasileira poderá ter R$ 27,7 bilhões a menos, devido à baixa arrecadação de impostos, segundo projeção.
Reprodução/TV TEM
A pandemia do novo coronavírus poderá trazer um impacto de R$ 27,7 bilhões a menos na educação brasileira, caso haja redução de 25% na arrecadação de impostos e transferências de recursos vinculados à manutenção e desenvolvimento de ensino, de acordo com estudo do Todos pela Educação e Instituto Unibanco.
A redução de recursos ocorre em um momento em que as redes já haviam previsto um orçamento menor para a área – devido ao cenário de contingenciamento na educação em 2019 –, e em um ano de aumento de gastos com despesas não previstas, como as atividades remotas em plataformas virtuais, TV aberta ou transmissões ao vivo.
Segundo a análise, as redes estaduais de ensino entrarão em “colapso” caso a situação seja concretizada.
Os dados mostram o pior cenário possível na análise dos especialistas. Em projeções mais otimistas, caso a arrecadação sofra redução de 8% a 15%, a queda na transferência de recursos será em torno de R$ 8,9 bilhões a R$ 16,7 bilhões. Em 2018, as vinculações para a educação vindas destes recursos somaram R$ 196 bilhões.
“A magnitude desse impacto, se concretizado, representa um colapso financeiro das redes estaduais de educação do país, diante do fato de que boa parte das despesas educacionais são com folha salarial, de natureza obrigatória, e que as equipes educacionais já estão arcando com despesas adicionais para enfrentamento da crise”, diz o relatório.
Por lei, estados, Distrito Federal e municípios devem destinar pelo menos 25% dos recursos vindos de impostos e transferências na manutenção e desenvolvimento de ensino. A União, por sua vez, deve aplicar ao menos 18% da receita de impostos (leia mais abaixo).
Com a diminuição das atividades econômicas impostas pela pandemia, a queda de arrecadação trará, consequentemente, menos recursos a serem distribuídos – esta fonte de receita representa 72% do total do investimento público em educação, do ensino básico ao superior.
“A soma dos dois movimentos gera uma necessidade de recursos nas redes estaduais de educação que pode atingir o montante de R$ 30 bilhões. Esse subfinanciamento comprimirá despesas educacionais de custeio e investimento, tão fundamentais para garantir uma saída sustentável da crise, com possibilidade de afetar também a execução de despesas obrigatórias, como o pagamento de salários”, afirma o documento.
Quedas de arrecadação e cenários
Na estimativa dos analistas, os cenários possíveis são:
Cenário A: Queda de 8% nos impostos e transferências – redução de R$ 8,9 bilhões no montante vinculado a despesas educacionais nas redes estaduais. Total mínimo de R$ 101,9 bilhões. Isso representa R$ 579 a menos por aluno/ano.
Cenário B: Queda de 15% nos impostos e transferências – redução de R$ 16,6 bilhões no montante vinculado à educação. Total mínimo de R$ 94,2 bilhões. Isso representa R$ 1.086 a menos por aluno/ano.
Cenário C: Queda de 25% nos impostos e transferências –redução de R$ 27,7 bilhões a menos que o atual. Isso representa R$ 1.809 a menos por aluno/ano.
As estimativas de redução no investimento por aluno ao ano considera o total de 15,3 milhões de estudantes em redes estaduais de educação básica.
Orçamento menor
O estudo aponta que as redes estaduais de ensino já entraram em 2019 com menos recursos do que no ano anterior. Segundo o relatório, a as redes de educação fizeram dotação orçamentária com gastos menores em custeio (-6% em média) e investimento (-11%, em média).
“Isso significará a compressão de gastos essenciais para garantir uma saída sustentável da crise, o que pode levar a uma desorganização os sistemas educacionais”, estimam os especialistas.
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Gastos com educação remota
Estudante acessa site criado para estudo online na rede municipal de Nova Odessa, durante a pandemia de coronavírus
Divulgação/ Prefeitura de Nova Odessa
As ações para educação na pandemia já geraram despesa de ao menos R$ 2 bilhões a mais para as redes estaduais de ensino, aponta o levantamento. De acordo com o relatório:
86% das redes têm realizado entrega de material impresso às famílias e transmissão de conteúdo pedagógico via TV local;
63% organizam aulas on-line ao vivo;
45% estão patrocinando pacote de dados de internet para estudantes e professores
Um levantamento feito pelo G1 apontou que, apesar dos esforços das redes e do corpo docente, as atividades remotas representam um desafio a mais para professores e estudantes, que precisam se adaptar ao novo método e ainda ter infraestrutura para isso, como local apropriado para o estudo, acesso à internet e computadores. “Está sendo uma educação de faz de conta”, afirmou ao G1 Graciela Fell, que tem uma filha matriculada na rede pública estadual.
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Volta às aulas com mais despesas
Além disso, com a volta às aulas, as redes terão acréscimo em despesas de materiais de higiene e limpeza, como álcool em gel e desinfetantes.
“O cenário torna-se ainda mais desfavorável quando se considera que o retorno às aulas presenciais implicará outras despesas adicionais, como compra de equipamentos de segurança sanitária, reforma ou construção de banheiros adequados, adicional de folha salarial para garantir aulas de reforço e a possível abertura das escolas aos finais de semana”, diz o relatório.
Países que já estão retomando as atividades escolares investiram na instalação de mais pias para a lavagem das mãos, na medição de temperatura e afastamento das mesas – o que implica em mais espaço físico, mais professores, e mais gastos.
Alguns países adotam inclusive paredes acrílicas para evitar que gotículas da fala sejam trocadas entre os estudantes em si e com professores, como é o caso da Coreia do Sul. Em Portugal, 17 mil litros de desinfetantes e outros equipamentos de proteção e higiene foram distribuídos para centros educacionais. No Brasil, as redes de ensino ainda não sabem como será a retomada das aulas e quais medidas serão adotadas – ou quando.
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Crianças lavam as mãos na escola Gudenåskolen, na Dinamarca
Lone Mathiesen/ Divulgação/ Embaixada da Dinamarca no Brasil
Impostos e transferências vinculados à educação
O relatório lista os principais impostos e transferências vinculados à educação. São eles:
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de competência estadual, com fração de um quarto da arrecadação distribuída aos municípios,
Fundo de Participação dos Municípios (FPM),
Fundo de Participação dos Estados (FPE)
Imposto sobre Serviços (ISS) – de competência municipal
Salário-Educação
Estratégias para enfrentar a pandemia
O relatório aponta alternativas estratégicas para as redes de ensino enfrentarem a pandemia.
Secretarias de educação
Racionalizar gastos e otimizar recursos existentes, além de economizar onde for possível.
Congresso Nacional e do Governo Federal
A sugestão do relatório é que seja preservada a vinculação mínima de 25% da receita líquida de impostos e transferências de estados e municípios, considerando este mesmo percentual de vinculação para todas as medidas de auxílio e/ou compensações financeiras derivadas da queda de arrecadação tributária.
Além disso, sugere “preservar e eventualmente ampliar” o orçamento dos programas federais que trazem recursos suplementares à educação, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (PNATE), Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e Programa Nacional do Livro Didático (PNLD); e também as despesas do Ministério da Educação para assistir financeiramente estados e municípios em ações especificas.”
O relatório também cita o socorro emergencial da União para estados e municípios, antes do final do exercício de 2020, para custear a educação básica; e a aprovação com urgência do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que vence em 31 de dezembro deste ano.
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