País tem mais de 230 empresas de crédito direcionado a MPEs e MEIs
O Brasil tem atualmente 238 Empresas Simples de Crédito (ESCs) abertas, três meses após a sanção da lei que regulamentou esse tipo de negócio. Em maio, quando foi autorizada a sua operação no país, eram 29 abertas – aumento de 720% no período.
Funciona da seguinte forma: pessoas físicas podem abrir empresas que concedem empréstimos exclusivamente para microempreendedores individuais (MEIs), microempresas e empresas de pequeno porte (MPEs).
O objetivo é oferecer alternativa de crédito mais barata para esse segmento. Com a efetivação das ESCs, a tendência é que seja ampliada a competição com os bancos, assim como a oferta de financiamento onde as grandes instituições bancárias não atuam. Atualmente, a taxa média de juros é de 40% ao ano para esse segmento, segundo o Sebrae.
Elaine Ferri foi a primeira a abrir uma ESC no país, após conseguir o registro na Junta Comercial no dia 6 de maio. No dia 17 daquele mês, ela já concedia seu primeiro empréstimo, no valor de R$ 10 mil, com taxa de juros ao mês de 3,5% em 10 parcelas mensais. A taxa é definida considerando o perfil do tomador do empréstimo, o prazo médio de pagamento e os riscos de inadimplência.
“Visualizei uma oportunidade de criação de um negócio para um mercado carente de oferta de crédito que é o microempreendedor brasileiro. Como possuía recursos financeiros próprios, resolvi aceitar o desafio de empreender e ao mesmo tempo ajudar no desenvolvimento da economia do Brasil”, afirma.
Elaine já fez nove operações de crédito, em torno de R$ 10 mil por empréstimo, com taxa média de juros de 5% ao mês e prazo de pagamento de 6 a 12 meses. Essas operações foram tanto para MEIs como para micro e pequenas empresas. O otimismo com seu negócio fez com que a administradora de empresas aumentasse o aporte de capital na empresa.
“Iniciamos com um capital de R$ 50 mil e já aportamos mais recursos diante da significativa demanda que tivemos num curto prazo”. Hoje o capital da empresa já chega a R$ 120 mil.
A empresária diz que todos os pagamentos das parcelas dos empréstimos estão em dia, mas reconhece que o risco de calote é inerente à atividade. Por isso, sua empresa exige que o tomador do empréstimo apresente um fiador, chamado de devedor solidário pessoa física, para garantir o pagamento do empréstimo.
Segundo levantamento do Sebrae, as Empresas Simples de Crédito já realizaram 84 operações, totalizando R$ 1,5 milhão (média de R$ 17,8 mil por operação).
A estimativa da entidade é que o novo modelo de acesso a crédito injetará R$ 20 bilhões por ano em novos recursos para os pequenos negócios. Esse resultado deve ser alcançado quando as primeiras 1 mil ESCs entrarem em atividade, até o fim de 2021. Isso representa 10% de aumento do mercado de crédito para MPEs, que receberam, em 2018, o montante de R$ 208 bilhões em crédito, segundo o Banco Central.
Segundo pesquisa realizada pelo Sebrae com mais de 100 Empresas Simples de Crédito, 30% realizaram alguma operação de crédito, sendo 58% na faixa entre R$ 11 mil e R$ 30 mil. E, para 25% das empresas, a taxa de juros ficou entre 3,1% e 4% ao mês. Em relação ao prazo, 58% das operações foram estabelecidas entre 6 meses e 12 meses.
O capital das ESCs soma cerca de R$ 50 milhões, sendo que o maior capital individual é de R$ 5 milhões. Levantamento do Sebrae mostra ainda que o aporte mais frequente é de R$ 100 mil.
Questionado se haveria risco de haver uma “agiotagem institucionalizada”, o Sebrae informou que a “ESC acaba com o mercado informal e ilegal, pois traz taxas de juros mais acessíveis, democratiza o acesso ao crédito e redução da burocracia, tudo dentro da legalidade”.
Como funciona na prática
A ESC e a empresa tomadora do empréstimo fazem um contrato, e a movimentação do dinheiro deve ser feita apenas por débito ou crédito em contas de depósito, em nome da ESC e da pessoa jurídica contratante. Portanto, não são permitidos uso de dinheiro em espécie ou cheques. A ESC poderá usar a alienação fiduciária (transferência de bens pelo devedor ao credor) como garantia em caso de não pagamento do empréstimo.
Essa linha de crédito pode ser usada tanto por quem quer abrir o próprio negócio como por quem já está com a empresa aberta. As próprias ESCs decidem os juros que serão cobrados. E não há um “teto” de cobrança, já que a taxa pode ser negociada entre as partes. As operações precisam ser registradas numa entidade registradora autorizada pelo Banco Central ou pela Comissão de Valores Mobiliários. Veja ao final da reportagem todas as regras envolvendo esse tipo de empréstimo.
Dificuldade de crédito
Entre 2016 e 2018, houve uma queda de 11% no saldo da carteira de crédito para as MPEs, enquanto a participação das grandes aumentou de 57% para 65%. No caso de recursos direcionados (cujos juros ou fonte do crédito são definidos pelo governo, como BNDES e crédito rural), que são mais baratos, as médias e grandes ficam com 93% deles, sobrando 7% para as micro e pequenas empresas, segundo o Sebrae.
Estudo da entidade mostra ainda que, no 1º trimestre de 2017, as MPE respondiam por 14% da carteira de crédito ativa dos bancos. Entre o 4ª trimestre de 2014 e 1º trimestre de 2017, o volume total de crédito concedido às MPEs caiu 36%, contra queda de 23% entre as médias empresas e de 15% nas grandes.
As formas de financiamento mais utilizadas continuam sendo os instrumentos de crédito comercial: pagamento de fornecedores a prazo e uso do cheque pré-datado. As principais reclamações dos empreendedores, segundo a pesquisa, são os juros altos e a burocracia.
Os pequenos negócios no Brasil representam 99% (14 milhões) do total de empresas privadas no país e são responsáveis por 55% do total de postos com carteira assinada, além de 27,5% do PIB, segundo o Sebrae.
No entanto, a inadimplência entre as micro e pequenas empresas bateu recorde histórico este ano – em maio, 5,5 milhões estavam com dívidas atrasadas, resultado da dificuldade em ampliar a geração de caixa, segundo dados da Serasa Experian. As micro e pequenas empresas representam 95% do total das empresas inadimplentes no país.
Levantamento do Sebrae com 3.020 micros e pequenas empresas mostrou que 20% já tiveram o pedido de empréstimo negado pelos bancos. Destes, 21% apontaram que a recusa ocorreu porque os bancos não dispunham de linhas específicas para suas necessidades.
Outro dado do Sebrae mostra que 30% das MPEs não têm qualquer relação com bancos como pessoa jurídica. Esse percentual sobre para 55% entre MEIs.
Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e seus bancos associados informam que são favoráveis ao aumento da competição nos mercados financeiro e de crédito, em referência às ESCs.
“A Federação acredita que a competição é um dos indutores mais importantes para o aumento da produtividade e da inovação, que são os principais fatores para o progresso das nações e das empresas. Novos participantes, que atendam a segmentos específicos, contribuem para a consolidação de um mercado de crédito mais inclusivo e competitivo”, informou.
A federação avalia como positiva a introdução de normas e regras justas que respeitem as particularidades desses novos modelos de negócio, desde que não criem vantagens competitivas desiguais e não ofereçam riscos para os consumidores.
Regras das Empresas Simples de Crédito
- A ESC pode oferecer financiamento, empréstimos e descontos de títulos de crédito exclusivamente para microempreendedores individuais (MEI), microempresas e empresas de pequeno porte – não é permitido emprestar para pessoas físicas ou médias e grandes empresas;
- A ESC não é banco e não poderá utilizar qualquer nome que faça alusão a instituições financeiras; o nome empresarial deverá conter a expressão Empresa Simples de Crédito e poderá atuar apenas com capital próprio;
- A ESC poderá ter três tipos de modelo empresarial: empresa individual de responsabilidade limitada, empresário individual ou sociedade limitada. Se for empresa individual, somente uma pessoa fará parte do empreendimento. Se for sociedade limitada, poderá ter outros sócios. A empresa individual de responsabilidade limitada também é um formato empresarial que pode ter apenas um integrante, mas ele não tem seu patrimônio afetado por dívidas da empresa;
- A ESC deve ser registrada na Junta Comercial e está sujeita a normas de prevenção e combate à lavagem de dinheiro, sem haver, no entanto, órgão regulador que fiscalize a atuação dessas empresas;
- O volume de operações da ESC está limitado ao seu capital social, ou seja, ela só pode emprestar com recursos próprios;
- A fonte de receita é, exclusivamente, originada dos juros recebidos das operações realizadas;
- A ESC não poderá contrair empréstimos para poder emprestar mais;
- Cada pessoa física pode participar de apenas uma ESC e não são permitidas filiais;
- A receita bruta anual da ESC não pode ser superior a R$ 4,8 milhões;
- A Empresa Simples de Crédito é proibida de cobrar por quaisquer outros encargos, mesmo sob a forma de tarifas;
- O regime de tributação será pelo Lucro Real ou Presumido, não podendo, portanto, enquadrar-se no Simples Nacional;
- A atuação da empresa é restrita ao município-sede e nos limítrofes;
- A movimentação do crédito deve ser feita apenas por débito ou crédito em contas de depósito, em nome da ESC e da pessoa jurídica contratante;
- O pagamento pelo devedor pode ser realizado preferencialmente por meio de contas de depósito, porém não há restrição para uso de boleto bancário emitido pela ESC;
- A ESC somente pode ser constituída por pessoas físicas – portanto, não se trata de fintech e nem pode ter uma fintech como sócia;
- A forma de atuação da ESC pode ser presencial ou via aplicativos;
- O capital inicial e posteriores aumentos de capital deverão ser realizados em moeda corrente. Por outro lado, as ESCs podem adotar a alienação fiduciária, que abre a possibilidade, por exemplo, de se apropriar de bens financiados pelo devedor como garantia.