‘Padrão mínimo de qualidade’ para escola pública no Brasil é centro de debate na votação do Fundeb no Senado
Biblioteca, banheiro e saneamento na escola podem ser parâmetros para o CAQ (custo aluno qualidade), diz senador que é o relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Sessão da Câmara que aprovou novo Fundeb, em julho
Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados
O Senado tem na pauta desta quinta (20) a votação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que cria o novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). No centro das discussões, está o CAQ (custo aluno qualidade). As siglas significam, na prática, um conjunto de definições cruciais para o futuro do financiamento da educação brasileira. Para entender o que está em jogo, o G1 explica as principais questões do tema:
O Fundeb serve pra quê?
O fundo foi criado para garantir que os recursos cheguem à educação. Funciona como uma espécie de “pote de dinheiro” destinado exclusivamente às escolas públicas de educação básica (creches, pré-escola, educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, educação especial e educação de jovens e adultos). Os recursos vêm de impostos e tributos que, por lei, devem ser aplicados ao desenvolvimento do ensino.
A ideia é evitar a desigualdade e distribuir o dinheiro para garantir um valor mínimo investido por aluno, igual a todos os estados. Assim, estados mais pobres podem receber complementação da União e garantir que seus estudantes terão o mesmo ponto de partida, as mesmas condições básicas de aprendizagem se comparado a outros estados.
A estimativa é que, de cada R$ 10 investidos na educação básica no Brasil, R$ 6 vêm destes recursos. No ano passado, o Fundeb reuniu R$ 166 bilhões em verbas – R$ 151,4 bilhões de arrecadação estadual e municipal, e R$ 15,14 bilhões da União.
Por que o Senado está votando o Fundeb?
O Fundeb foi criado em 2007 na condição de temporário e “vence” no fim de 2020. A ideia agora é torná-lo permanente, incluindo na Constituição – por isso o texto tramita como uma PEC (proposta de emenda à Constituição).
O documento foi aprovado na Câmara dos Deputado em 21 de julho. Nesta etapa, um dos principais embates foi o aumento da participação da União, que era de 10%. Após muitas discussões, os deputados conseguiram aprovar um percentual maior, que chegará a 23% em 2026 (leia mais abaixo). O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a aprovação da PEC “fazia história” e comentou que o aumento da participação da União no fundo era “investimentos nas crianças e no futuro de tantos”.
Por se tratar de uma mudança na Constituição, foram necessários dois turnos de votação na Câmara. No Senado também terá de passar por duas votações.
A participação da União aumentou?
Os recursos do Fundeb vêm de uma cesta composta por fundos e impostos, estaduais e municipais. A partir da definição desse montante, a União entra hoje em dia com 10%. Pelo novo texto, esse percentual do governo federal nos recursos usados para a educação sobe para 12% no ano que vem e vai gradativamente até 23%, em 2026. Veja no gráfico:
Arte/G1
A participação federal é usada para ajudar estados e municípios cuja arrecadação resultou em um valor por aluno abaixo do mínimo nacional. No ano passado, nove estados precisaram receber essa complementação: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí.
Com as novas regras o investimento por aluno passa dos atuais R$ 3,7 mil para R$ 5,7 mil em 2026. Cidades pobres em estados ricos também receberão mais recursos. Antes, a transferência não ocorria justamente porque estavam em estados com alta arrecadação.
Como o MEC participou das discussões sobre o novo Fundeb?
O ministério, na gestão de Abraham Weintraub, defendia que o percentual a cargo do governo federal fosse até 15%, subindo um ponto percentual por ano. Integrantes do Ministério da Economia expressaram oposição a qualquer índice acima disso.
Weintraub afirmou que a proposta da Câmara “tecnicamente apresenta alguns erros, não tem nosso apoio. (…) Temos pouco menos de um ano e meio para buscar uma solução para o problema. Tem vários aspectos técnicos que apareceram, sem a gente estar ciente. Nos surpreendeu. Nós somos contra”.
O governo se absteve das discussões durante a tramitação na Câmara, mas três dias antes da votação, apresentou uma proposta que previa Fundeb só em 2022 — deixando um vácuo de um ano sem que houvesse previsão de financiamento da educação. A proposta não avançou.
O G1 entrou em contato com o MEC na terça (18) e na quarta (19) pedindo um posicionamento sobre o tema, mas não recebeu retorno até a publicação desta reportagem.
O que é “valor por aluno”?
O “valor por aluno” é o mínimo investido em cada estudante em todo o Brasil. Atualmente, é de R$ 3,7 mil ao ano e passará a R$ 5,7 mil com as alterações aprovadas na Câmara.
Além disso, a redação do novo Fundeb traz mais um conceito, que é o “custo aluno qualidade” conhecido como CAQ, previsto no Plano Nacional de Educação (PNE), de 2014. O CAQ cria parâmetros de financiamento baseado em qualificação dos professores, remuneração, aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino, compra de material escolar, alimentação e transporte.
Pela lei quais seriam os critérios para definir o CAQ?
O texto que tramita no Senado não define critérios sobre o CAQ e prevê a regulamentação em uma lei complementar. O relator da PEC no Senado, Flávio Arns (Rede-PR), explica que “muitos estudos indicam o que é uma educação de qualidade. Quando se pergunta o que uma escola tem que ter, todos concordam: precisa ter biblioteca, banheiro, saneamento”. Segundo Arns, “quem vai definir o que estará no CAQ é o Congresso Nacional, na discussão da lei complementar”.
Quais são as visões sobre o CAQ?
Críticos dizem que ele pode virar uma “lista de insumos” necessários à escola (número de alunos por sala, quadra poliesportiva etc) sem levar em conta as diversidades do Brasil.
Binho Marques, educador e ex-secretário de Articulação com os Sistemas de Ensino do MEC, mais recursos não significam mais qualidade: “Uma biblioteca não significa que a criança vai ler. Você pagar bem o professor não significa que ele vai ensinar bem”, analisa. Para ele, “o Brasil é tão populoso e diverso que o ‘padrão de qualidade’ não pode ser uma ‘qualidade padrão'”.
Os defensores argumentam que o conceito é importante para garantir o mínimo de dignidade, como evitar que escolas fiquem sem banheiros, por exemplo. Outro argumento é que ele evitaria desvios, como pagar servidores da educação e alocá-los em outras áreas da administração municipal ou trocar os pneus de toda a frota da prefeitura – mas com o dinheiro que formalmente é só para o transporte escolar.
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Na visão de Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, “o CAQ tem sido muito atacado porque acaba com as barganhas políticas na educação e aumenta a gestão e controle” sobre os recursos para a educação.
Como anda a infraestrutura das escolas?
Quatro a cada dez escolas do Brasil (39%) não dispõem de estrutura básica para a lavagem de mãos, 26% não têm acesso a abastecimento público de água e quase metade (49%) não têm acesso à rede pública de esgoto. Mais de 10 milhões de brasileiros acima de 15 anos ainda são analfabetos e 52% das pessoas com mais de 25 anos não concluiu o ensino médio.
O que acontece caso o Fundeb deixe de ser votado?
Caso o Senado não aprove o texto como está, ele volta para debate na Câmara. Com a aproximação das eleições municipais, e o afastamento de parlamentares, há risco de que o ano termine sem que haja uma lei substituta ao financiamento da educação.
“Tornar obrigatório o investimento em educação básica em meio à crise fiscal é um ponto de partida para a mudança de percepção da sociedade, para ter um norte de evolução. A gente começa a mostrar que não vamos sair desta crise se não for pela educação, defende Élida Graziane, procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo.
Presidente do Senado pretende concluir ainda em agosto a votação do novo Fundeb