O que se sabe sobre o processo contra o Google nos Estados Unidos
Empresa é acusada de abuso de poder e concorrência desleal por causa de sistema de buscas. Especialistas falam sobre possíveis desdobramentos. Veja 5 pontos sobre do processo contra o Google nos EUA
O Google é alvo de um processo aberto pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que acusa a empresa de usar seu poder de mercado para impedir a concorrência.
A ação, iniciada na última terça-feira (20), está relacionada com o domínio do sistemas buscas na internet da companhia.
Segundo o processo, o Google abusa do seu poder ao pagar outras empresas – como fabricantes de celulares e operadoras – para manter seu sistema como o padrão. E, assim, também detém o monopólio no mercado de anúncios nessas páginas. A companhia diz que a ação é falha e nega irregularidades.
É o maior processo do tipo em 20 anos nos EUA, e pode levar anos para chegar ao fim. Veja o que se sabe até agora sobre a ação.
Do que o Google é acusado?
A ação se baseia nas leis antitruste, que existem para manter uma concorrência de mercado de um modo saudável, sem que empresas façam uso de poder econômico para gerar monopólios artificiais.
Na prática, essas regras evitam distorções nos preços e garantem estímulo à inovação das empresas, explicam especialistas ouvidos pelo G1.
Para os procuradores americanos, o Google abusa do seu poder ao pagar outras companhias – como fabricantes de telefones celulares, operadoras e navegadores web – para manter seu sistema de buscas como o padrão.
O Departamento de Justiça considera que se trata de uma rede ilegal de acordos comerciais exclusivos e interligados que excluem concorrentes.
A Apple, fabricante do iPhone, é citada no processo como uma das empresas que fazem parte desses acordos.
No processo, os procuradores afirmam que a companhia é tão dominante que “Google” não é somente um substantivo para identificar a companhia e seu motor de buscas, mas também um verbo que significa fazer buscas na internet.
As práticas do Google também teriam permitido à empresa manter um monopólio no mercado de publicidade nas buscas, com o “poder de cobrar mais do que poderia e reduzir a qualidade do serviço”, de acordo com o Departamento de Justiça.
O mercado de publicidade digital é a principal fonte de receitas da companhia.
Monopólio é ilegal?
A liderança da empresa no mercado, por si só, não é ilegal, explica Luciana Martorano, secretária geral da comissão de defesa da concorrência da OAB-SP, ao G1.
“O monopólio é uma situação econômica, não é um ilícito, já que ele pode ser atingido pela eficiência de uma empresa. O que é ilegal é o abuso do poder de mercado”, disse a advogada.
Maria Cibele Crepaldi, especialista em direito das relações econômicas, reforça esse caráter de abuso.
“No caso do Google, a acusação é que estão pagando para que o produto deles seja sempre o escolhido; o produto deles monopolizaria o mercado porque eles estão pagando”, afirma.
Para as autoridades americanas, essas práticas impedem o surgimento “do novo Google”.
“Se não aplicarmos as leis antimonopólio, que permitem a competição, podemos perder a próxima onda de inovação. E se isso acontecer, os americanos podem nunca chegar a ver o próximo Google”, disse Jeffrey Rosen, número 2 do Departamento de Justiça, ao Jornal Nacional.
O Google é o buscador mais usado pelas pessoas nos celulares nos EUA: 95% das pesquisas passam pelo sistema da companhia, segundo a empresa de análise StatCounter. Nos computadores, esse percentual é de 81%.
O Departamento de Justiça aponta que 60% das buscas em geral passam por “acordos exclusionários”, e que quase a metade das pesquisas restantes são realizadas por produtos da própria empresa, como o navegador Chrome.
Além dele, o Google também desenvolve sistemas operacionais para celulares, o Android, usado na maioria dos aparelhos vendidos no mundo.
O que diz o Google
A gigante da tecnologia se defendeu dizendo que o processo é profundamente falho e não vai ajudar os consumidores porque, “ao contrário, ofereceria artificialmente alternativas de baixa qualidade, elevaria o preço dos telefones e dificultaria o acesso aos serviços de busca que as pessoas querem usar”.
“As pessoas usam o Google porque querem – não porque são forçadas ou porque não conseguem encontrar alternativas”, disse a empresa.
Outro argumento de defesa da gigante da tecnologia foi que “como inúmeras outras empresas”, o Google pagaria para promover os seus serviços.
“Outros mecanismos de pesquisa, incluindo o Bing, da Microsoft, competem conosco por esses acordos. E nossos contratos foram avaliados por repetidas avaliações antitruste”, disse o Google.
Para Maria Cibele Crepaldi, isso não é uma garantia de que a companhia não tenha realizado práticas ilegais. “O fato de outras empresas fazerem o mesmo não quer dizer nada”, afirma.
“Talvez a forma como as outras empresas façam podem não implicar na forma de concorrência. Tudo tem que ser verificado. Da mesma forma como o Departamento de Justiça vai ter que mostrar (que acusações se sustentam)”, acrescentou.
Quem encabeça a ação contra o Google?
A ação foi movida pelo Departamento de Justiça dos EUA, um órgão equivalente a um ministério, e que está ligado à Presidência daquele país. Os procuradores, por exemplo, possuem partido.
E, embora o processo tenha sido aberto sob a tutela do procurador republicano William Barr, durante o mandato de Donald Trump, a ação também tem apoio dos democratas.
Arkansas, Carolina do Sul, Flórida, Geórgia, Indiana, Kentucky, Louisiana, Mississippi, Missouri, Montana e Texas, os 11 estados que aderiram à ação até agora, têm procuradores-gerais republicanos.
Os procuradores democratas de Nova York, Colorado e Iowa disseram que devem concluir suas próprias investigações sobre o Google nas próximas semanas.
Departamento de Justiça dos Estados Unidos abre processo contra o Google
O Google já sofreu processos parecidos?
A gigante da tecnologia já sofreu ações parecidas na União Europeia. Em 2018, o bloco multou a empresa em 4,3 bilhões de euros por abusar da posição de liderança do Android, seu sistema para celulares e tablets, com o objetivo de garantir a hegemonia de seu serviço de busca on-line.
Não foi a única vez que a Europa puniu o Google, que também sofreu multas em 2017 e 2019 por práticas que afetavam o mercado da concorrência.
A companhia também está sob o escrutínio de parlamentares americanos. Em julho de 2020, o presidente-executivo da Alphabet (empresa dona do Google), Sundar Pichai, foi interrogado pelo Congresso dos EUA ao lado de Mark Zuckerberg (Facebook), Jeff Bezos (Amazon) e Tim Cook (Apple).
No início do mês, uma comissão da Câmara dos Deputados dos EUA concluiu uma investigação sobre possíveis práticas anticompetitivas de Apple, Amazon, Facebook e Google.
Saiba mais: Comissão do Congresso dos EUA aponta práticas anticompetitivas de Apple, Amazon, Facebook e Google
De acordo com os parlamentares, as empresas “se tornaram os tipos de monopólios vistos pela última vez na era dos barões do petróleo e magnatas das ferrovias”. A ação atual não está relacionada com as conclusões dessa comissão.
O que pode acontecer com o Google?
Processos como esse podem levar anos até serem concluídos, e há um longo caminho até que as consequências fiquem claras.
“Tudo depende da proporção que a investigação vai tomar, por se tratar de uma empresa relevante, e de uma ação que vai ter uma repercussão imensa, acredito que vá ser um processo demorado, no mínimo de um ano”, disse a especialista Luciana Martorano.
Para o advogado e economista Renato Opice Blum, especialista em direito digital e proteção de dados, as possíveis punições para o Google podem ser variadas. “Desde a aplicação de multa até a separação de empresas, restrição de atuação em ramos das empresas e daí por diante”, disse.
É possível que o Departamento de Justiça determine a divisão do Google, mas essa hipótese ainda não foi mencionada com clareza por procuradores.
Questionado em uma coletiva de imprensa sobre essa possibilidade, Ryan Shores, do Departamento de Justiça, disse somente que “nada está fora de cogitação”.
Ele destaca que existe uma tradição nos EUA sobre esses processos contra grandes empresas.
Uma alternativa de acordo também é possível, como aconteceu com a Microsoft em 2001. Atualmente, o Google tem mais de US$ 120 bilhões em caixa, e sua avaliação de mercado está em mais de US$ 1 trilhão.
“O desmembramento poderia ser aplicado, mas acho que a autoridade teria sérias dificuldades para fazer essa condenação parar de pé na Justiça dos EUA”, afirmou Luciana Martorano.
Pode haver repercussão no Brasil?
De acordo com os especialistas, os princípios das leis antitruste americanas são parecidas com as do Brasil.
“As diferenças principais ocorrem na parte procedimental e na estruturação dos órgãos de proteção à concorrência”, explica Opice Blum.
Por esse motivo, ações que foram abertas nos EUA e na Europa motivaram ações do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), mas acabaram arquivadas.
É o caso daquela em que o Google teria colocado a função “shopping” em posição privilegiada dentro dos resultados de seu buscador na internet, encerrada pela autoridade brasileira em 2019.
A advogada Luciana Martorano ressalta, no entanto, que há uma comunicação entre o Cade com outras autoridades antitruste do mundo, principalmente quando empresas multinacionais estão envolvidas.
Para a especialista Maria Cibele Crepaldi, é possível que o processo do Departamento de Justiça tenha repercussão no Brasil.
“A partir do momento que você tem os mesmos atores (Google e Apple) no Brasil, e se for identificado pelas autoridades, o Cade poderia ingressar com uma ação aqui”, disse.
Maior ação em 20 anos nos EUA
Essa é a maior ação antitruste em 20 anos nos EUA. Ela é comparável ao processo contra a Microsoft, movido em 1998 – o caso é citado como um precedente pelos procuradores.
Na época, o processo estava relacionado com a prática da empresa de forçar fabricantes de computadores tornarem o navegador Internet Explorer o padrão em suas máquinas.
Em 2001, o Departamento de Justiça dos EUA decretou a divisão da Microsoft em duas empresas, mas a companhia recorreu, fechando um acordo que determinou o compartilhamento de interfaces de programação do Windows com outras empresas.
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