O coronavírus e seus efeitos na política da América Latina
por Tomas Arias*
Embora o avanço do novo coronavírus na América Latina e a resposta dos Estados sejam heterogêneas, é possível observar uma linha comum em relação à estratégia adotada pelos diversos governos. Em especial, observa-se forte ênfase no presidencialismo.
Os presidentes monopolizaram a administração da agenda, que no momento atual de incerteza forneceu segurança e liderança (com algumas exceções). Líderes estão investindo grande parte de seu capital político, priorizando a nova agenda de saúde em meio à ameaça do coronavírus.
O que caracteriza o caso latino-americano tem a ver com o fato de que esse compromisso com a centralização do discurso na figura presidencial é feito às custas das estruturas estatais que, a partir de uma operação ineficiente em alguns casos, colocam a figura presidencial em risco. Será importante observar os desdobramentos políticos caso alguns dos países tenham suas instituições estatais sobrecarregadas, como aconteceu na Itália.
É importante observar que, embora exista uma clara tendência de o presidencialismo aumentar, isso não significa que todos os países seguirão a mesma fórmula. Em alguns casos, observa-se capacidade de liderança social e líderes priorizado a tomada de decisões estratégicas, mas há outros em que são observadas respostas mais preocupadas em sustentar a economia, o que os leva a minimizar o coronavírus. Dito isto, vale a pena fazer uma análise da estratégia de comunicação de cada caso no contexto da pandemia:
· Alberto Fernández, na Argentina: aposta em um discurso centralizado e com o objetivo de unir os argentinos contra o coronavírus. “Garanto que vou assumir a liderança para garantir aquilo que propusemos”. Procura consensos com governadores, prefeitos e parlamentares de todos os setores da política.
· Sebastián Piñera, no Chile: assumiu a iniciativa e a liderança na luta contra a pandemia, mas com um tom que aponta para a reavaliação da infraestrutura e instituições chilenas, dizendo que “o Chile está muito mais preparado que a Itália para enfrentar o coronavírus”.
· Iván Duque, na Colômbia: apostou em ações rápidas e em um discurso simples, falando desta ameaça como “o momento de tirar toda a nossa força, nossa solidariedade e afirmar a resiliência que sempre nos caracterizou e, acima de tudo, ter essa grande fé em quem somos como nação”.
· Martín Vizcarra, no Peru: apostou em coletivas de imprensa diárias em que busca transmitir confiança, segurança e liderança, mas também na proximidade e unidade nos peruanos, que pode ser vista em frases como “Falar sobre saúde significa todos os peruanos estarem comprometidos e unidos para combater o coronavírus, é uma tarefa que corresponde ao governo fornecer as medidas e indicações, mas o trabalho de combater é de todos”.
· Andrés Manuel López Obrador, no México: embora exista uma centralização em sua figura, inicialmente apostou em minimizar o risco do coronavírus, o que pode ser visto em frases como esta: “Há quem diga que por causa do coronavírus você não deveria abraçar. Mas você tem que abraçar, nada acontece; assim. Sem confronto, sem processos”. Embora a passagem dos dias tenha forçado essa posição a mudar, ele continua apresentando uma posição mais branda que os demais. Suas novas mensagens são frases como: “O melhor é ficar [em casa]. Nós vamos aguentar, vamos manter esse isolamento que vai nos ajudar muito”.
Impactos na aprovação
Como panorama global na imagem dos presidentes da região, vale observar a pesquisa Mitofsky, realizada entre os dias 22 e 25 de março em vários países da América Latina, que nos permite fazer uma avaliação de como o coronavírus afeta a aprovação presidencial.
Nesse sentido, percebe-se que em alguns casos, como o argentino e o peruano, que a chegada do coronavírus significou uma melhoria na imagem presidencial. Deve-se mencionar que essa melhoria na imagem está, pelo menos em primeira instância, relacionada ao que, em teoria, é conhecido como o fenômeno Rally Around The Flag, associado à existência de uma causa comum que une a população sob uma liderança (neste caso, a causa comum é o coronavírus e a liderança é a presidencial).
No entanto, esse fenômeno não é tudo, porque também há casos de deterioração da imagem presidencial em tempos de coronavírus, como ocorre no caso mexicano, onde a atuação de López Obrador é aprovada por cerca de 48% da população, o que seria seu pior desempenho desde que ele está no comando da presidência.
Isso mostra que a maneira pela qual os diferentes governos abordam a pandemia têm impacto direto na imagem de sua gestão. Nesse sentido, pode-se ver como, segundo o estudo de Mitofsky, a confiança que as pessoas têm no governo em cada país é reproduzida quase idêntica à aprovação da figura presidencial no contexto do coronavírus.
O paradoxo de maior e melhor Estado
Assim como nenhum governo da América Latina está isento da pandemia, tampouco estão a política e os debates que recuperam força na região.
Além da consideração que dado o atual contexto a margem para disputas políticas diárias é minimizada, como visto parcialmente no caso argentino entre kirchneristas e anti-kirchneristas, vale destacar que se amplia a necessidade paradoxal na região de ter maior e melhor Estado.
Falar em maior Estado significa consolidar suas funções em setores onde até agora não chegou, ou o fez de maneira ineficiente, e isso tem a ver com setores historicamente negligenciados na região, como infraestrutura de saúde, e com grupos populacionais vulneráveis.
Mas, ao mesmo tempo, falar de um estado melhor levanta uma questão à própria política, em torno da transparência com a qual se trabalha e principalmente em relação aos custos que a política gera para a sociedade.
Pós-pandemia
Enquanto a pandemia permanecer um risco, o principal elemento de avaliação da gestão boa ou ruim será o eixo da saúde, ou seja, quão bem ou mal o governo responde para proteger seus habitantes dos avanços do novo coronavírus.
Nesse contexto, parece que o grande indicador tem a ver com o número de infecções confirmadas e número de mortes no país, que, nos casos em que esses indicadores estão fora de controle, como no Equador, provavelmente é difícil conter a deterioração da imagem presidencial e do governo.
Agora, também é verdade que o coronavírus não vai durar para sempre. E nesse eixo surge a questão do que acontecerá na imagem da política latino-americana, quando o eixo que mede uma gestão para melhor ou para pior é o econômico. A região enfrentará fortes conseqüências econômicas, que terão fatores endógenos e exógenos.
Basta observar que, em casos como o colombiano e o chileno, o vínculo entre sociedade e política surge em uma situação crítica, atravessada por protestos sociais e questionamentos aos sistemas político e econômico nacionais.
Nesse contexto, o que aconteceria se esses presidentes, tão comprometidos com a liderança presidencial, repentinamente desapontassem as expectativas geradas na sociedade em relação a essa promessa de superar a crise juntos?
É nesse momento que a fragilidade das instituições nos países latino-americanos, caracterizada por ineficiência e corrupção, provavelmente se tornará mais uma vez evidente (basta observar a controvérsia ocorrida na Argentina em relação à reclamação de compras milionárias com preços excessivos).
Embora, em princípio, a aposta no presidencialismo vista na América Latina seja correta no manejo da crise, a verdade é que, diante de um cenário de descontrole sanitário, em primeiro lugar, ou econômico, em segundo, a estratégia apresenta grandes riscos para os líderes da região.
Esse panorama se torna ainda mais relevante se considerarmos que 2021 será um ano eleitoral em países como México e Argentina, que terão eleições parlamentares, e em casos como Peru e Chile, onde haverá eleições presidenciais. A forma como cada país sairá da crise provocada pelo coronavírus, sem dúvida, moldará o futuro.
* Tomas Arias é analista político para América Latina pela XP Investimentos.
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