O Bahia dá aula de bom convívio no Monte Olimpo
Tivesse liga de futebol no Monte Olimpo, não há dúvidas da presença de Zeus, Posídon, Hermes, Apolo e até Hades traria Perséfone das profundezas do sombrio submundo para assistir, todos devidamente mascarados e com escudo facial, a Bahia x Flamengo.
Trata-se, muito além de jogo, uma manifestação cultural das mais preciosas dos brasileiros, por serem dois dos mais queridos, admirados, idolatrados e, também, precisamos reconhecer, protegidos dos nossos grandes clubes.
O Flamengo passou a envolver-se frequentemente em polêmicas de arbitragem, em especial após o advento da geringonça tecnológica do VAR, golpe malandro de manobrar resultados aplicando uma ideia de suposta neutralidade via computadores.
O VAR tem tirado a nobreza dos grandes juízes ladrões, cuja rapinagem conferia um plus de humanidade ao jogo, considerando a sagacidade como algo próprio da natureza desta espécie em franco processo de extinção via pandemia.
Neste confronto de dois gigantes, ali coladinhos na tabela, emerge, no entanto, o outro polo da grandeza humana, a capacidade de desenvolver virtudes e inclinação natural pela empatia – sentimento de colocar-se no lugar do outro.
Para um povo acostumado a apanhar no lombo desde a colonização madrasta de Lisboa (sem livros, sem escolas, sem gráfica, sem imprensa), as manifestações espontâneas e sinceras de treinador, presidente e jogador soam como se fosse algo de outro mundo.
Primeiro, o combatido afro-brasileiro Roger, cujo esforço em alertar para o absurdo de contribuir o futebol com a expansão da pandemia, encontrou ouvidos moucos da sociedade civil, afinal, “morra quem morrer”, valem os três pontos.
Em seguida, coincidentemente, o treinador, verdadeiro professor deste lugarejo Brasilis, passou a levar bordoadas seguidas por quem teria a missão, pela pena ou pela voz, de zelar pela cidadania e denunciar os mal-feitos do Poder.
Mostrou Roger compromisso com valor honestidade, ao delatar a forma física de Marco Antônio, tomando como premissa a necessidade de educar com rigor, sob pena de não funcionar a correção no comportamento do atleta.
Retruca, então, o jogador, da melhor forma possível, mostrando ter aprendido a lição, ao marcar o golaço de empate diante do Palestra, no jogo mais recente. Abraçam-se e cumprimentam-se os dois, em evidente demonstração de compreensão mútua dos erros.
Em seguida, para completar a festa das virtudes, dirige-se o presidente à grande massa tricolor e adjacentes, em dez itens distribuídos em plataforma digital, abrindo totalmente o jogo, como jamais se teve notícia desde o reveillón de 1931.
Em nova lição de ágora, praça onde os gregos exercitavam a democracia participativa, o Bahia nos alegra, estimulando o sonho de trocar o Palácio do Planalto pela Cidade Tricolor, considerando Bellintani, o melhor presidente para o país hoje.
A torcida não estará presente, mas estas ocorrências relacionando o Bahia aos melhores valores o colocam acima, bem acima do status de clube, avançando para as dimensões da política e da ética do bom convívio.
Marco Antônio, Roger e o presidente nos ofereceram belíssima aula de como podemos combinar perspectivas em triangulação premonitária de uma vitória sobre o time flamidiático hoje.
Paulo Leandro é jornalista e professor doutor em Cultura e Sociedade.