‘Nosso pior inimigo temos sido nós mesmos’, diz Campos Neto a Bolsonaro e a líderes do governo
Na reunião convocada pelo presidente Jair Bolsonaro para alinhar a posição do governo sobre o Renda Cidadã, coube ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, convencer os líderes do governo no Congresso – e o próprio Bolsonaro – de que financiar o novo programa social com recursos voltados ao pagamento de precatórios traria consequências deletérias para a economia.
Chamado pelo presidente da República para dar uma visão técnica, Campos Neto fez alusão ao ruído político que tem levado à deterioração de indicadores como juros futuros e à desvalorização do real.
Participantes da reunião relataram que Campos Neto afirmou: “Nosso pior inimigo temos sido nós mesmos”.
Campos Neto chegou a ser questionado pelo presidente sobre o que motivou a péssima reação do mercado financeiro na segunda-feira (28) diante do anúncio das fontes de recursos do novo programa social.
“O mercado é um termômetro de que algo está errado”, disse ele.
“Não adianta quebrar o termômetro. Ou mesmo entrar no freezer para baixar a temperatura, porque o risco é de morrer congelado”, respondeu, discorrendo sobre a necessidade de o governo demonstrar credibilidade.
Segundo um dos presentes, o presidente do Banco Central foi questionado por um senador se não havia uma “indústria dos precatórios”, e sobre qual a razão de a dívida do governo ter saltado para R$ 55 bilhões em 2021.
Demonstrando conhecer os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o presidente do Banco Central afirmou ser preciso estudar as causas do aumento e que boa parte dos valores devidos veio de prazos perdidos pelo governo. Mesmo assim, o valor se trata de dívidas vindas de discussões que o governo já perdeu na Justiça.
A decisão do Brasil de não pagar integralmente os R$ 55 bilhões de precatórios devidos em 2021, como planejava o texto do senador Marcio Bittar (MDB-AC), jogaria dúvida sobre o refinanciamento dos R$ 7 trilhões que o Brasil tem em dívida atualmente (quase 100% do PIB), afirmou Campos Neto, de acordo com outra fonte.
Um participante da reunião, que tinha pouco contato com Campos Neto, afirmou ter gostado da franqueza com que o presidente do Banco Central tratou os temas, sem entrar em embates ou questionar escolhas políticas. Chamou também a atenção o respeito do presidente Bolsonaro às opiniões de Campos Neto.
Ao final das duas horas de reunião, os líderes decidiram buscar novas fontes de recursos. E o Renda Cidadã voltou à estaca zero.