Mulheres relatam experiências com sibutramina após desabafo de mãe

Moradoras de Araraquara emagreceram, mas sofreram com efeitos colaterais.
Professor de medicina da UFSCar explica como substância age no organismo.

carta de uma mãe que acredita ter perdido a filha por conta dos efeitos da sibutramina ganhou destaque nos últimos dias e levantou um debate nas redes sociais quanto à substância, que é usada para controlar o apetite. Em Araraquara (SP), o post gerou comentários de familiares de pessoas que consomem ou consumiram o medicamento, às vezes acima da quantidade prescrita, e sofreram com efeitos colaterais.

Segundo Bernardino Geraldo Alves Souto, professor do curso de medicina da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o uso da sibutramina é indicado junto com outras medidas de combate à obesidade, como dieta, exercícios e psicoterapia, por exemplo, e nunca como medida isolada.

Ele também reforçou que o consumo sem orientação médica fez com que a Anvisa aumentasse as regras para o medicamento. Para ele, nessas situações de automedicação, o risco supera o benefício, “obrigando maior controle e fiscalização e, por outro lado, ameaçando prejudicar pessoas que poderiam se beneficiar da sibutramina usada sob correta prescrição médica caso ela fosse proibida com base na experiência daqueles que fizeram uso incorreto”.

Post
“Tenho certeza no meu coração que se ela não estivesse sob efeito da sibutramina nada disso estaria sendo vivido hoje”, escreveu Beatriz Martins no post que se espalhou pelas redes sociais.

No relato, ela afirmou que a filha, Carolina Martins Moura, de 17 anos, teve sérias mudanças de humor e alucinações antes de se jogar do prédio em que morava com a avó, em Uberaba. “Meu coração está dolorido, dilacerado de saudade e amor”, desabafou a mãe, que contou que a jovem tinha pressão alta e não possuía prescrição médica para fazer uso do remédio.

Em Araraquara, o relato gerou comentários de familiares de pessoas que consumiram o remédio. “Minha irmã tomava isso”, escreveu Adriana da Silva. “Ela tinha alucinações terríveis”, comentou em um dos compartilhamentos.saiba mais

A irmã de Adriana, Andrea Silva Gomes, de 42 anos, relatou ao G1 que começou a tomar sibutramina há cerca de seis anos. Na época, viu o manequim cair de 40 para 36, mas afirmou que, juntamente com a perda de peso, vieram problemas.

“Você vê os resultados, quer tomar mais para emagrecer e fica louca. Eu devia tomar de manhã e à tarde, mas tomava mais do que isso. Você fica dependente”, disse a cozinheira, que tomou sibutramina por anos – a Anvisa não recomenda mais do que dois meses – e hoje não se preocupa com o manequim 44.

“Fumava três maços, queria brigar com todo mundo no serviço, em casa”, relatou. “Entrei em depressão depois de parar de tomar. É horrível, não desejo para ninguém. Você fica magrinha, gostosa, bonitona e vai perdendo sua família”.

Lucimeire Neves, de 39 anos, também teve problemas. “Sentia tontura, calafrio, batedeira, boca seca e resolvi parar uns 20 dias depois de começar a tomar. Depois disso, comecei a ter sintomas de síndrome do pânico e não voltei mais à médica. Tinha medo de tudo, de tomar banho, de sair de casa”, relatou a autônoma, que procurou a ajuda de uma psicóloga.

Sibutramina
Souto contou que, a princípio, a sibutramina foi testada como antidepressivo, mas teve um efeito foi insignificante no tratamento desse problema. “Por outro lado, ela tem efeitos no cérebro que fazem a pessoa sentir menos fome. A pessoa fica mais saciada com o que come e diminui a quantidade de comida que ingere. Assim, a sibutratima reduz o apetite”, disse.

Os efeitos no cérebro, explicou Souto, estão relacionados a alterações na comunicação entre os neurônios. “Os neurônios são como fios interconectados, entre os quais há um pequeno espaço. Quando um neurônio precisa se comunicar com o outro para cumprir uma determinada função, um neurônio lança algumas substâncias químicas nesse espaço, as quais são captadas pelo neurônio da frente e assim, sucessivamente, a mensagem vai sendo transmitida de um neurônio ao outro para o cumprimento da função determinada, como se essas substâncias químicas fossem um bilhete com uma ordem a ser cumprida”, disse.

“A sibutramina interfere nesse mecanismo de captação de algumas substâncias químicas (noradrenalina, serotonina e dopamina) pelo neurônio da frente, modificando a comunicação entre os neurônios e alterando a função que o cérebro determinou para cumprir”, completou.

“É como se a sibutramina pegasse a mensagem do cérebro e fizesse com que os neurônios entendessem o recado errado, dado de um para o outro, fazendo com que seja cumprida uma função diferente da determinada pelo cérebro; como se o cérebro mandasse uma mensagem para comer mais, chamada fome, e a sibutramina violasse o bilhete e escrevesse um recado mandando fazer o contrário: ‘pare de comer porque você já está cheio'”, explicou.
 

De acordo com o especialista, por conta desse efeito, a sibutramina tem sido indicada para tratar a obesidade em pessoas que, mesmo com dieta e exercícios físicos, não conseguem reduzir o índice de massa corporal para níveis seguros para a saúde e têm outra doença capaz de complicar os efeitos maléficos da obesidade.

Contraindicações e efeitos colaterais
O médico explicou que a substância é contraindicada para quem tem pressão alta, toma outros medicamentos que agem no cérebro, possui doenças do coração, glaucoma, é dependente de outras substâncias químicas, para mulheres grávidas, crianças menores de 12 anos, pessoas que têm convulsões (epilepsia), para aqueles cujos rins ou fígado não funcionam adequadamente ou pessoas com problemas mentais.

Ele também enumerou os efeitos colaterais mais comuns. São eles: alterações no ritmo e aumento da quantidade de vezes que o coração bate por minuto (arritimias cardíacas e taquicardia), sensação de batedeira no peito (palpitações), tonteiras, desmaios rápidos, pequenos infartos, derrame cerebral (AVC), enjoo, vômitos, prisão de ventre, nervosismo, insônia, dor de cabeça, irritabilidade, convulsões, dormências, alterações no humor, rinite, sinusite, entupimento do nariz e inflamações na garganta.

Por conta desses efeitos, a sibutramina foi proibida em alguns países e, no Brasil, é permitida com restrições, como tempo máximo de dois meses de tratamento e assinatura de um termo de responsabilidade.

“Alguns estudos científicos ainda levantam dúvidas quanto à relação entre a dimensão e significado do benefício e a dimensão e signficado do risco oferecido pela sibutramina no tratamento da obesidade. Alguns países consideram que essas dúvidas justificam a proibição do medicamento e outros não têm essa mesma posição”, disse Souto.