Medicina Veterinária: profissão ou filantropia?

Ultimamente, algumas dúvidas têm sido levantadas sobre protocolos utilizados e os valores cobrados pelos Médicos Veterinários, principalmente em relação aos pets. Na maioria dos casos, percebemos que as dúvidas derivam da falta de conhecimento ou de uma expectativa frustrada.

Primeiro, é preciso entender que, para ser Médico Veterinário, não basta ter afeto pelos animais, é preciso ir além. Ano após ano, uma verdadeira revolução vem acontecendo na área e transformando os tratamentos dos animais domésticos. Paralelo a isso, os pets têm sido vistos cada vez mais como membros da família, como irmãos, sobrinhos ou primos, por exemplo. Logo, seus tutores não estão economizando no cuidado dos animais, e fazem de tudo para proporcionar uma boa qualidade de vida para eles.

O perfil mais conhecido do Médico Veterinário é aquele que trabalha em consultórios particulares, cuidando de animais domésticos. Porém, é preciso saber que a nossa área de atuação é bem mais ampla. Podemos trabalhar com pesquisas, estudando e ajudando a desenvolver biotecnologias para o setor animal; na prevenção e controle de zoonoses, nas Vigilâncias Epidemiológica, Sanitária e Ambiental; na preservação de espécies em extinção; no acompanhamento da produção e da comercialização de produtos para animais, como vacinas, medicamentos, rações, vitaminas e alimentos; com consultas clínicas e cirurgias em animais silvestres; na fiscalização de lugares que produzem ou vendem produtos de origem animal; na prevenção de doenças em rebanhos e atuando para melhorar a qualidade de vida dos animais e dos seus produtos; além de uma série de tarefas que são exercidas pelos Médicos Veterinários.

Juntando tudo, temos uma Medicina Veterinária cada vez mais especializada, utilizando o que há de mais novo na tecnologia e com técnicas antes utilizadas apenas em humanos. Tudo isso aliado a um público cada vez mais exigente e com uma cobrança e expectativa de resultados como nunca visto antes.

Mas qual o custo disso?

São anos e anos dedicados aos estudos em um dos mais caros cursos para as instituições que o oferecem. A necessidade de especialização já é uma realidade. Não serão apenas nos cinco anos de faculdade e nos seguintes de residência, pós-graduação ou mestrado e doutorado que será preciso estudar. Devemos estar sempre atentos aos novos estudos científicos, às novas tecnologias, medicamentos e tratamentos descobertos. É preciso investir em atualização constante para acompanhar o que há de melhor e mais novo nos cuidados com os animais domésticos e silvestres. Atualmente, a especialização ainda é um diferencial para esses profissionais, mas em breve será uma exigência das melhores clínicas e dos tutores de pets.

Os recursos e aparelhos existentes para detectar doenças em animais domésticos são, em geral, os mesmos utilizados pela medicina humana. Porém, eles ainda necessitam de configurações e adaptações para deixá-los mais adequados. Ultrassom, Tomógrafo, Eletrocardiógrafo, Raio-x, Termovisores e Ressonância Magnética  são apenas alguns recursos que já são amplamente utilizados pela Veterinária. Alguns desses aparelhos custam muitos milhões. A impressão 3D, por exemplo, passou de um processo especializado extremamente caro para uma ferramenta acessível, e sua aplicação em medicina veterinária tem aumentado nos últimos anos, principalmente na área da ortopedia. Acontece que, na Medicina Humana, essas tecnologias têm os seus custos diluídos por milhares de exames e alguns aparelhos chegam a funcionar 24 horas por dia.

E nas Clínicas Veterinárias? Como diluir os custos desses serviços, cada mais requisitados e necessários para a solução de exames e que necessitam de muito dinheiro em investimentos? Os tratamentos complementares como fisioterapia, acupuntura, hidroterapia e até psicológicos? Como remunerar essas sessões? É justo pagar R$ 150,00, R$ 200 ou até R$ 500 por uma consulta Médica e querer pagar R$ 30,00 por uma consulta Veterinária ou por  sessões de fisioterapia, eletroterapia, lazerterapia, cinesioterapia, hidroterapia, acupuntura ou qualquer determinado tratamento? No caso de uma Ressonância, ela tem que ser mais barata porque é para um animal?

Lembrando que os animais não chegam ao consultório e contam quando as dores começaram, como é o nível do desconforto, em que local e qual é o tipo da dor, fazendo com que os exames complementares (são muitos e estão disponíveis) sejam ainda mais necessários para que se possa concluir uma anamnese mais assertiva, sabendo que, ainda assim, muito quadros não conseguem ser fechados. Sem falar que, habitualmente, muitos tutores acabam levando os animais para a consulta quando os casos estão extremos, e muitos problemas já não têm solução.

É preciso levar também em consideração que devido à facilidade do acesso à informação, os clientes estão cada vez mais exigentes em relação aos tratamentos, aos produtos e ao atendimento prestado. Muitos estão mais dispostos a gastar e fazer pelos seus animais domésticos o que fariam por pessoas da família. E nessa busca pelos melhores tratamentos, muitos veterinários estão investindo em soluções com base em alta tecnologia.

Esses avanços tecnológicos, como já falamos, trazem os diagnósticos mais precisos e, consequentemente, tratamentos mais certeiros. Porém, acabam encarecendo muito os serviços e nem todos têm disposição para pagar. Mas todos querem os serviços!

Alternativas como planos de saúde para animais domésticos têm surgido, porém ainda de forma tímida. Essa modalidade só tende a crescer nos próximos anos, já que não existe na veterinária o SUS, que, no caso da medicina humana, é a única alternativa para milhões de brasileiros.

E qual seriam as alternativas para o barateamento dos custos com os animais?
A redução dos impostos incidentes sobre os produtos e serviços Veterinários seria uma possibilidade. Impostos municipais, estaduais e federais pesam na composição dos preços. Medicamentos de mesmo princípio ativo têm carga tributária diferente se forem destinados a humanos ou a animais. Produtos pet são taxados como artigos de luxo. Talvez essa fosse uma das soluções.

Outra alternativa seria a universalização dos Serviços Veterinários, como ocorre com o SUS. Mas a conta acabaria caindo sobre a totalidade da população que paga imposto. Seria razoável?

Alguém tem que pagar essa conta! E não é justo que os profissionais de uma categoria, através de filantropia, arquem com os exames e tratamentos necessários aos animais. Não estamos aqui falando dos custos excedentes decorrentes dos desvios de conduta, pois estes, como em qualquer profissão, precisam ser combatidos. Mas, como Veterinário, não posso deixar de defender a nossa classe de informações passionais, infundadas e sem embasamento técnico.

A Medicina Veterinária sempre contribuiu muito e continuará contribuindo com a evolução da humanidade, mas, percebemos que a valorização da nossa profissão não tem acompanhado na mesma velocidade. Tenho certeza que, aos poucos, chegaremos lá!

*Tiago Correia é médico veterinário e deputado estadual