La Habana Vieja e o Novo Pelourinho

Li, duplamente entristecido, o artigo com este mesmo título assinado pelo ilustre arquiteto Paulo Ormindo de Azevedo (A Tarde, 09/08). Tristeza pela morte de Eusébio Leal, por quem fui recebido em Habana Vieja no ano 2000, em visita oficial que fiz àquele país, como ministro da Previdência e Assistência Social. Embora não fosse essa a minha missão institucional, foi para lá que me levaram, direto do aeroporto, porque sabiam da minha participação na recuperação do Pelourinho.

Tristeza também pela crítica descabida ao “Novo” Pelourinho. Longe de mim desmerecer os méritos de Paulo Ormindo. Quando, em 1984, tive a missão de recuperar o prédio da antiga Alfândega, já então Mercado Modelo, vítima de incêndio, foi a ele que convidamos para fazer o projeto. Mas não posso concordar quando repete chavões.

Como observou Milton Santos, a balança do desenvolvimento urbano pendia em desfavor do centro antigo “porque o Estado ainda não havia se disposto a uma intervenção de massa, a única capaz de renovar o centro velho, a única possível de ter êxito, o que afinal foi feito pelo atual governador da Bahia” (Pelo Pelô, Edufba, 1994).

Com ACM o Estado deu a grande arrancada para a recuperação do nosso Centro Histórico. As quatro primeiras etapas recuperaram 334 imóveis em 16 quarteirões, mais 9 casarões destinados a relocação, ao custo de USD$ 24 milhões. Seguiram-se a quinta e a sexta; mas este trabalho estancou na sétima etapa.

Parou por quê? Por que parou? Por que a continuidade não deu certo? Exatamente porque mudaram a lógica da recuperação até então seguida, para atender, por meio de um TAC, a um conjunto de desejos que não se compadecem da realidade. 

Vinte anos depois, com ACM Neto, a prefeitura assumiu o seu papel e a liderança do processo, espraiando as ações pela Cidade Baixa – cuidando não apenas do Comércio, mas também de Itapagipe – e fazendo importantes incursões pela Cidade Alta.

O fato de que haja ainda hoje mais de 1.000 casarões em risco – rastreados por um resiliente trabalho da CODESAL que, aliás, aprecio de perto – grande parte deles desocupados, a mim me basta para descartar a falácia da expulsão da população local,  fruto de uma narrativa política criada pela oposição sistemática a ACM, para desmerecer esta sua grande obra, de que tive a honra de ser um dos artífices. Argumento insustentável, até mesmo porque adotou-se o uso misto – comércio no térreo; habitação nos pisos superiores – estimulando a função residencial.

A verdade é que as pessoas continuam a abandonar os bairros centrais em busca de melhores condições de moradia no restante da cidade. Este é o processo a reverter, para o qual ainda não despertou a iniciativa privada, mesmo com a disponibilidade de incentivos fiscais e urbanísticos municipais. Não me alinho entre os que acham que o Poder Público tenha que fazer tudo.

Em Habana Vieja a opção de Euzébio Leal terá sido muito mais fruto da falta de opções. Vi as suas dificuldades para enfrentar aquele desafio diante de um contexto de bloqueio econômico que dificultava o acesso a fontes externas de recursos. Que bom que Paulo Ormindo tenha ensinado à UNESCO a forma de driblá-lo, em defesa desse importante patrimônio de nossa América, ainda que aqui a recuperação do Pelourinho tenha sido feita apenas com recursos próprios do Estado. Mas a verdade é que Cuba não os tinha. 

Já é tempo de acabar na Bahia esta visão maniqueísta de que tudo que é feito não presta, porque não foi o meu projeto o executado. Aliás, de todos os críticos do “Novo” Pelourinho, quem tem alguma realização efetiva para apresentar?

O desafio é grande, o Pelourinho é da Bahia – e daqui para o Brasil e o Mundo. Ainda há muito o que fazer. Sua recuperação, restauro, conservação, valorização e preservação precisa da participação de todos, independente de partidos e ideologias. Basta que seja baiano de verdade!

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional e ex-secretário do Planejamento, Ciência e Tecnologia da Bahia.