Jiraiya, Braba, Choque de Xereca… Nome inusitado é trunfo para candidatos na Bahia

O professor Samuel Barros recorre à onipresença divina antes de lançar uma análise precisa sobre as criativas táticas eleitorais dos soteropolitanos. “Só Deus sabe o que querem os homens e mulheres, mas tem algumas boas hipóteses”, diz.

Doutor em comunicação e política, com estágio doutoral no conceituado MIT (Massachusetts Institute of Technology), ele toma fôlego – “te respondo em uns minutos” – apenas observando os nomes de: “Jiraiya Jaspion Jiban”, “Roda Groove”, “Baixinho Cobrador”, “Bener Mil Koisas” e “Adalício Sem Miséria na Saúde”.

Estes são apenas alguns candidatos com nomes inusitados que concorrem a uma das 43 vagas na Câmara Municipal de Salvador, em eleição marcada para o dia 15 de novembro. Ao todo, 1.544 aspirantes almejam um lugarzinho no plenário Cosme de Farias e muitos, para serem notados, não economizam em escolhas que passeiam por personagens do mundo pop, referências musicais ou até menções explicitamente pornográficas.

Este último quesito, por sinal, é uma fossa aberta em profundezas desconhecidas. Só pra ficar no exemplo mais libidinoso, em Santa Inês, a 300 quilômetros de Salvador, tem um candidato com o indecoroso nome de Choque de Xereca.

Choque de Xereca foi o nome escolhido por Wirney Souza Lima para concorrer a uma vaga na Câmara de Santa Inês (Foto: Reprodução)

Sabendo, no entanto, que a disputa no interior é sempre muito mais cabeluda, vamos nos concentrar apenas no racha político que acontece por aqui, em nossa capital.

Direto do Tororó, sem escala pelo Japão, Jiraiya Jaspion Jiban, 42 anos, tenta chegar de galera na legislatura do ano que vem. O que muita gente não sabe é que este não é apenas um codinome eleitoral. Jiraiya deu um ninja e, há três anos, conseguiu homenagear seus heróis favoritos nos documentos oficiais de registro.

“Eu nasci em Terra Nova e desde sempre fui muito fã dos personagens da TV Manchete. Assistia Jiraiya, Jaspion e Jiban nos anos 1990. Quando soube da ação da Defensoria Pública que permitia a mudança de nome, não pensei duas vezes. Agora no meu RG tá lá registrado Cláudio Cézar Jiraiya Jaspion Jiban dos Santos. Esse é meu nome real”, diz, orgulhoso.

Com uma plataforma voltada para os instrutores de trânsito e o direito dos homossexuais, Jiraiya disputa pela primeira vez uma eleição em 2020, logo no contexto da pandemia. Apesar da tripla proteção japonesa, lamenta o destino.

“Esse negócio de não poder aglomerar tem atrapalhado bastante. Mas aí a gente faz do nosso jeito. Fala com um, com outro. Tento mobilizar muito o pessoal aqui do Tororó, ouvir deles o que realmente precisam… É complicado”, aponta.

Cláudio Cézar mudou o nome para Jiraiya Jaspion Jiban, seus personagens favoritos (Fotos: Divulgação)

E se a preocupação com o bem-estar é o tema, Adalício propaga que, com ele, é “sem miséria na saúde” como lema. Aos 38 anos, concorre também pela primeira vez a uma vaga no legislativo.

Técnico em enfermagem do Hospital do Subúrbio, Adalício diz que é conhecido justamente por este bordão, criado despretensiosamente há alguns anos. “Eu trabalho na Unidade de Terapia Intensiva, a famosa UTI. Nunca economizei esforços para salvar ninguém e sempre dizia que comigo era sem miséria na saúde. Falava tanto isso que passei a ser chamado assim”.

Adalício transformou um bordão de trabalho em nome eleitoral (Foto: Reprodução)

Azarado, mesmo defendendo o empenho total no combate às enfermidades, acabou, ele próprio, contraindo covid-19 durante o trabalho. “Aconteceu isso comigo, mas já tô curado. Passei 15 dias afastado e agora já estou de volta para fazer minha campanha”, pontua.

Turma do pagode
O criativo mundo do pagode brinda as urnas com dois cristais raros da gaiatice indecorosa da cidade. Aos 54 anos, por um erro do partido, Rosinaldo Reis se metamorfoseou em ‘Roda Groove’ e agora tenta catapultar sua chegada à casa do povo.

Dono de uma banda de pagode quase homônima à sua candidatura, diz ter muito “sucesso e respaldo” entre moradores do Uruguai, na Cidade Baixa.

“Minha banda se chama Groov Bamba. Aí me lancei candidato como o nome Ro da Groov. Ro é o meu apelido de Rosinaldo. E da Groov por ser minha banda. Mas, na hora de me cadastrar, botaram tudo junto e virei Roda Groove… Agora não tem mais como mudar. Paciência!”, diz, ligeiramente chateado.

Admitindo pouca habilidade musical, o candidato, na verdade, toca mesmo os contratos do grupo. “Eu sou o dono. Não toco instrumento. Mas sou tão famoso quanto os meninos que tocam”, pontua ele, que estima alcançar algo próximo a quatro mil votos nesta eleição. “Até agora, todo mundo que pegou meu santinho disse que vai votar em mim. Só Deus sabe do futuro, mas essa roda vai rodar legal”, diz, lançando mão do ‘esperto’ trocadilho.

Mais cautelosa, Quessiane Santos, 22 anos, prefere não fazer prognósticos.

“Eu recebo muito direct no Instagram de homem dizendo que nem quer ver minhas propostas, mas que vai votar em mim mesmo assim. Eu sei que é tudo frete, descaração. Mas, se funcionar, é bom, né?”, ri.

Registrada como “A Braba” no Tribunal Regional Eleitoral, ela explica a razão do nome. “Eu dançava na banda de pagode A Invasão. E o vocalista sempre dizia ‘vai Braba! Vai Braba!’. Aí esse apelido pegou. Mas, na verdade mesmo, eu sou mais tímida que braba”, esclarece.

Atualmente, a Braba canta em dueto com outra ex-dançarina, a Japa (na banda de criativo nome ‘Braba e Japa’). A atual música de trabalho da dupla é “Surra de Raba”.

A Braba, dançarina de pagode, é candidata pela primeira vez (Foto: Reprodução/Instagram)

“Minha principal plataforma eleitoral é a defesa das mulheres. Tomo como exemplo minha mãe, que tem formação em segurança do trabalho, mas não consegue trabalhar apenas pelo fato de ser mulher. É por isso que quero mudar o mundo”, diz.

Explicação
Agora que o professor Samuel Barros já tomou o fôlego necessário, recuperado do susto, vamos às hipóteses que explicam o porquê de tantos apelidos nas eleições de Salvador (e do interior).

“Primeiro, a pessoa pode adotar o nome que desperte boas memórias por parte do eleitor. Essa hipótese está ali com o propósito de ativar uma rede de memórias positivas ou que sejam convenientes para o candidato. Segundo, pode ser uma estratégia para facilitar a memorização em um cenário de muitos concorrentes. Terceiro, é que estes podem ser o nome social dos candidatos”, explica o professor da UFRB.

“Em uma campanha política, portanto, não faria sentido usar outros nomes que não estes, por mais que possa soar estranho para parte do eleitorado. Em disputas para o legislativo, o estranhamento não seria um problema, desde que uma quantidade suficiente entenda que o portador é habilitado para ser representante na Câmara dos Vereadores”, conclui Barros.

Por trás de tanta informalidade não há apenas esculhambação. Tem também estratégia eleitoral, das boas. Na terra do humor pervertido, o baiano amortece a criatividade no pleito e foge do cabo eleitoral. 

Por aqui, definitivamente, não há santinhos.