‘Invasão’ dos bichos: resgate de animais em Salvador mais que duplica na pandemia
Em Salvador, com o isolamento social e o afastamento das pessoas de diversos ambientes por causa da pandemia de covid-19, espécies que até então não ocupavam esses espaços começaram a dar as caras em áreas urbanas. Durante a pandemia, 442 animais silvestres foram resgatados em território soteropolitano pelo Grupo Especial de Proteção Ambiental (Gepa) da Guarda Civil Municipal (GCM), o que representa um aumento de mais de 100% em relação ao mesmo período de 2019, quando foram resgatados 210.
De acordo com especialistas e com a coordenação das equipes de resgate, o fenômeno ocorre, principalmente, por dois motivos: a diminuição da presença das pessoas em diversos ambientes e o crescimento imobiliário.
Para André Ferreira, supervisor interino do Gepa, a falta de ocupação dos humanos em alguns locais abriu espaço para que os animais se sentissem à vontade para frequentar regiões incomuns.
“O aumento na aparição de serpentes foi de pouco mais de 90%. Nesse caso, o isolamento social colaborou com essa aproximação da zona urbana, pois a cobra é um animal ectotérmico, precisa de luz do sol para se aquecer, então, elas procuram essas trilhas que deixaram de ser ocupadas pelas pessoas devido ao isolamento social”, afirma.
Quem corrobora com a ideia é Francisco Kelmo, biólogo e diretor do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba). “Com a pandemia, ocorreu uma diminuição drástica do número de pessoas e, consequentemente de carros nas ruas e também um fechamento dos estabelecimentos. A maioria dos animais se sente mais segura para transitar no período noturno, quando tudo é mais calmo. Por isso, quando você não tem carros, pessoas transitando e luzes acesas, os animais começam a transitar por distâncias maiores já que não há o que os afastava anteriormente”, argumenta.
Já, quanto ao crescimento imobiliário e a construção de novas pistas na cidade, Ferreira explica que: “o avanço imobiliário, muitas vezes, acontece de maneira desordenada. Como estão acontecendo diversas obras na cidade, que são feitas próximas de áreas com vegetação, é comum que o número de animais encontrados seja maior”.
O biólogo Mikhail Barreto, mestre em Meio Ambiente, Águas e Saneamento, confirma que há uma relação direta entre o aparecimento dos bichos e o avanço ostensivo da urbanização. “Locais que ainda tenham uma vegetação nativa e não são tão urbanizados como essas regiões em que grandes condomínios são levantados, no meio de grandes áreas verdes, são mais suscetíveis para a aparição desses animais. É muito comum que eles apareceram já que aquela área era comum para a vida silvestre”, conta.
Espécies
Em Salvador, os mais resgatados em vias urbanas e áreas residenciais são as serpentes (30%), saguis (30%), iguanas (25%) e gambás/sariguês (15%). Também são resgatados corujas, gaviões, tamanduás, ouriços, bichos-preguiça, tartarugas e jacarés.
As serpentes são encontradas em toda a cidade, mas as peçonhentas são mais comuns na região da Praia do Flamengo e Stella Maris. É comum o resgate de jararaca nestes bairros e o de cobra-coral na região de Narandiba. Saguis, gambás e iguanas também são encontrados em todo o município. O jacaré é normalmente achado na região da Paralela e Pituaçu (por conta dos resquícios de lagoa e do crescimento imobiliário) e também na Suburbana. Já as raposas são mais frequentes no bairro de Mussurunga.
No caso das serpentes, o número é alarmante. Em 2019, foram 110 resgates de cobras e jibóias. Neste ano, de janeiro a julho, já chegou a 201. Um morador do Condomínio Amazônia, localizado na Paralela, onde uma jiboia foi encontrada na quinta-feira (13) passada, falou sobre a surpresa da situação.
“Nós moramos aqui com uma vasta área de mata atlântica ao redor. É comum ver micos nas áreas comuns e uma diversidade grande de pássaros, por exemplo. No dia específico da jibóia, foi surpreendente. Consegui notar a presença dela a partir de um susto que o gato tomou com ela enrolada em um poste”, afirma o morador que não quis se identificar. Ele relatou que já apareceram cobras e jibóias no condomínio antes.
De acordo com Mikhail, a incidência de animais em condomínios como o Amazônia não é por acaso. “De certa forma, são os humanos que estão invadindo uma área comum de vivência destes animais. Eles já estavam lá muito antes. E, principalmente, quando os condomínios são novos, a readaptação dos animais demora um pouco e eles ainda costumam aparecer nessas áreas. Só depois de um tempo que vão notar que ali já não é mais seguro para eles”, revela.
Cobras estão entre os animais mais capturados (Foto: Alberto Maraux/SSP) |
Gepa alerta para risco ao tentar capturar um animal
O Grupo Especial de Proteção Ambiental (Gepa) explica que qualquer animal silvestre e não adaptado ao contato com humanos representa risco para quem se aproximar. Por isso, é importante que a população tenha conhecimento sobre os protocolos necessários ao se deparar com um deles em regiões urbanas.
Ao encontrar animais silvestres fora de seu habitat, recomenda-se entrar em contato imediato com o Gepa por meio do telefone (71) 3202-5312. A população não deve tentar pegar o bicho ou estabelecer algum tipo de contato. Por se tratar de animais selvagens, que não têm contato direto com o homem, acidentes podem acontecer.
Segundo André Ferreira, o grupo tem parcerias com órgãos para quais os animais são encaminhados após o resgate. “O encaminhamento é realizado de maneira fluída por conta das parcerias que temos com instituições altamente capacitadas para cuidar dos animais e, posteriormente, encaminhá-los de volta para natureza”, conta o supervisor.
O Gepa, que atende 24 horas por dia, tem parcerias com o Zoológico de Salva dor, o Centro de Tratamento de Animais Silvestre (Cetas), o Núcleo Regional de Ofiologia e Animais Peçonhentos (Noap), o Instituto Mamíferos Aquáticos (Imaquat) e o Projeto Tamar. Cada espécie é entregue para órgãos específicos e especializados em suas características.
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro