Indígena viaja 2,3 mil km entre AL e SP para estudar história na Unicamp aos 40 anos: ‘Minha gente pelas minhas próprias palavras’
Bráulio José de Souza foi de Pariconha, no sertão alagoano, até Campinas e diz que propósito é ajudar povo da região de origem. Ele ingressou na universidade estadual em 2022; veja relato.
“O pouco que se sabe dos povos indígenas sempre foi escrito por outros. Quero contar a história da minha gente pelas minhas próprias palavras”. A determinação fez o estudante indígena Bráulio José de Souza, de 41 anos, viajar 2,3 mil km entre Pariconha, no Sertão de Alagoas, até Campinas (SP) para trocar o trabalho árduo na roça pelo curso de história com objetivo de ajudar a própria comunidade.
Ele é um dos 131 estudantes com mais de 40 anos que ingressaram na universidade estadual entre 2019 e 2023 para realizar graduações, segundo a comissão organizadora dos vestibulares (Comvest). Deste total, 90 permanecem em estudos na Unicamp, o equivalente a 68,7%.
O ingresso dele na Unicamp ocorreu por meio do Vestibular Indígena, no ano passado, quando o irmão também foi aprovado no exame. Ele é da etnia Katokinn, a mesma de Elâine Souza, eleita Miss Brasil 2021, e considerou que a diferença de idade para a maioria dos colegas de turma não é um obstáculo porque gostou da diversidade e acolhimento que encontrou na Unicamp.
“A mudança foi um choque de realidade porque saímos de nossa comunidade e estamos em um mundo completamente diferente. Sempre fui trabalhador da roça. Mesmo sem frequentar cursinho, estudava com meu irmão devorando todos os livros disponíveis”, explicou Bráulio.
A viagem entre os estados do Alagoas e São Paulo levou três dias de transporte rodoviário, contou. Atualmente, o sustento é garantido por meio da Bolsa Auxílio-Social fornecida pela Unicamp em troca de atividades realizadas por ele na Biblioteca da Obras Raras do campus no distrito de Barão Geraldo.
Próximos passos
Atualmente, ele reside na moradia fornecida pela universidade estadual e faz planos para ampliar a trajetória acadêmica e, com isso, impulsionar a chegada de parentes ao ensino superior.
“Pretendo tentar um mestrado, vou conseguir ser mais útil e ajudar meu povo estando aqui. Ser referência para dar visibilidade à minha comunidade e acolher os parentes indígenas no ingresso à universidade”, falou.
Em 2022, o Vestibular Indígena realizado pela Unicamp, em parceria com a Universidade Federal de São Carlos, ofereceu 260 oportunidades. Juntas, as universidades receberam 2,8 mil inscrições.