Impasse entre relator e autores do PL das Fake News faz Senado adiar votação
SÃO PAULO – O presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM-AP), informou que, por acordo, foi retirado da pauta do plenário o PL 2.630/2020 (fake news), que busca instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
O texto, de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e dos deputados federais Felipe Rigoni (PSB-ES) e Tabata Amaral (PDT-SP), está sob a relatoria do senador Ângelo Coronel (PSD-BA), que também preside a CPMI das Fake News.
Havia um acordo entre os líderes da casa para votar a matéria nesta terça-feira (2), mesmo que um dia antes da deliberação ainda não se conhecesse o teor do relatório.
Horas antes da possível votação, circulava uma versão do substitutivo com a introdução de dispositivos que não contavam com o endosso dos autores da proposta. Dentre eles, estavam a possibilidade de conteúdos serem retirados com mero ingresso de processo judicial (sem necessidade de decisão de juiz responsável) ou até o acesso a dados de usuários por policiais e procuradores sem qualquer crivo judicial.
O clima de mal estar foi tamanho que os próprios responsáveis pelo projeto ameaçavam se opor ao relator caso aquela versão de substitutivo fosse protocolada – o que não aconteceu.
Ontem, para tentar evitar resistências ao texto, o trio havia decidido retirar da proposta qualquer discussão sobre conteúdo divulgado nas redes, focando, sobretudo, na transparência e proteção do usuário a moderações de conteúdo e na identificação de contas falsas e redes automatizadas de disseminação de informações.
Diante da ausência de um relatório sobre o projeto até o início desta tarde e das sinalizações dadas pela versão que circulava informalmente, o senador Alessandro Vieira optou por solicitar a retirada de pauta, empurrando em pelo menos uma semana as discussões sobre o assunto.
Críticos ao PL das Fake News e mesmo movimentos engajados no debate sobre as atividades nas redes diziam que os 20 dias que marcaram o período entre a apresentação do projeto e sua votação em plenário não eram suficientes para um tema tão sensível e complexo.
Para eles, a pressa, favorecida pelos trâmites encurtados em função da realidade de sessões virtuais no contexto de pandemia do novo coronavírus, poderia gerar um texto inócuo ou ameaçar a liberdade de expressão e a privacidade dos usuários.
O debate sobre o PL das Fake News ganhou tração nos últimos dias, em meio aos avanços das investigações sobre disseminação de notícias falsas, no âmbito do inquérito das Fake News, que corre sob sigilo no Supremo Tribunal Federal (STF).
Blogueiros, empresários e políticos aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foram alvo de operação da Polícia Federal na semana passada, que investigava uma possível “associação criminosa” envolvida na propagação de fake news e conteúdo de ódio contra membros do STF e outras instituições, segundo o relator, o ministro Alexandre de Moraes.
O PL também sofria resistência de parte da esquerda e de empresas. A desidratação no texto foi a saída encontrada pelos autores em reduzir o nível de oposição e permitir avanços.
Se antes havia uma atenção especial à definição de fake news e ao combate à desinformação, o eixo foi alterado para a defesa da transparência nos procedimentos adotados pelas plataformas e na identificação de contas falsas e redes de distribuição de conteúdo e de seus financiadores, enquadrando-os nas leis de organização criminosa e de lavagem de dinheiro.
Tal orientação, anunciada ontem em coletiva de imprensa, contudo, não foi incorporada na minuta do relator que circulou informalmente hoje pela manhã. O texto transmitido pelos aplicativos entre os parlamentares e grupos envolvidos no debate dava grande exposição à questão da responsabilização dos usuários pelo conteúdo publicado.
A versão da proposta estipulava que contas nas redes sociais tivessem verificação da identidade de seu responsável, exigindo cópias de documentos de identificação com foto, RG, CPF e até comprovante de endereço.
O texto também criaria incentivos para as redes sociais na retirada de conteúdo após mera abertura de processo judicial, uma vez que impunha sanções às empresas caso posteriormente fosse decidido pela autoridade competente a ilegalidade do conteúdo.
Além disso, delegados e promotores poderiam ter livre acesso a dados cadastrais de usuários das redes, sem necessidade de determinação judicial. Outro ponto polêmico foi o uso de um ranking de reputação dos usuários, com base no histórico de publicações.
A minuta que circulou mais cedo também retomava debate retirado pelos autores da proposição, sobre a rotulação de conteúdo falso ou impreciso.
“A própria rotulação do conteúdo como desinformativo, conforme prevê o projeto, inibe seu compartilhamento de modo irrefletido, limitando sua propagação. E, mesmo quando compartilhada, essa informação terá sua credibilidade severamente limitada, mitigando os danos que poderia causar”, argumenta o relator.
Nova versão
Após as reações negativas à versão que circulou informalmente, o senador Ângelo Coronel disse que não há um relatório oficializado e que ainda estava recebendo sugestões.
Coronel antecipou que seu relatório vai manter a parceria entre os fact-checkers e as plataformas, mas a ação desses profissionais ficará restrita à ocorrência de denúncias pelos usuários.
O senador também afirmou que vai retirar do texto a definição de “desinformação”, usada para classificar conteúdo sujeito a remoção, e sugeriu que vai acatar sugestão de Alessandro Vieira para proibir expressamente a censura de conteúdo por parte das próprias plataformas.
“Não é verdadeira qualquer afirmação de que construímos algo que represente censura nas redes. O que buscamos é acabar com ações covardes de gente que se esconde atrás de perfis falsos para espalhar ofensas”, disse durante a sessão deliberativa desta terça-feira.
O senador também disse estar preocupado com a atividade de contas e perfis anônimos, sem identificação do proprietário. Para ele, o ideal seria que toda conta pudesse estar vinculada a um CPF legítimo, e que houvesse ferramentas para identificar aqueles usuários que usam CPFs falsos ou roubados.
“A nossa Constituição não está sendo cumprida. É vedado o anonimato. Não podemos permitir hoje que a pessoa entre numa plataforma, abra sua conta, crie um nome falso, crie uma caricatura e saia daí em diante depreciando, denegrindo, ferindo a honra das pessoas”, afirmou.
No relatório, as contas anônimas não serão proibidas, mas as plataformas deverão garantir que elas não tenham acesso a todas as funcionalidades disponíveis para os usuários que se identificam abertamente.
Um dos autores do PL, Alessandro Vieira defendeu a continuidade dos debates para o Senado não “desperdiçar a oportunidade” de aprovar uma legislação contra a disseminação de fake news. Ele negou que o projeto seja um instrumento de censura, atribuindo esse entendimento a “intérpretes que não leram o que estava escrito”.
“Nós temos absoluta convicção de que o texto não apresenta absolutamente nenhum tipo de risco para a liberdade de expressão do brasileiro. A liberdade de expressão está garantida na Constituição, sem o direito de manifestar sua opinião de forma oculta, dissimulada que impeça a sua responsabilização”, disse.
Alessandro Vieira destacou o que considera serem os pontos fundamentais do projeto: responsabilização das empresas que operam plataformas sociais, transparência sobre a atividade de contas automatizadas (“robôs”, ou “bots”) e restrição à disseminação automatizada de conteúdo. Para ele, esses são os alvos cruciais no combate às fake news.
“O crime praticado na internet tem impactos imensos. Primeiro, porque a rede é feita para lembrar. Então, mentiras, calúnias, espalhadas meses ou anos atrás, retornam a cada instante: basta que alguém tenha o interesse de reativar esse conteúdo e volte a impulsionar criminosamente. É isto que nós queremos combater: desinformação e mentiras”, argumentou.
Davi Alcolumbre celebrou o adiamento da votação do projeto como a chance para “separar o joio do trigo” e elaborar um texto “conciliatório”. Ele também ressaltou a importância da ação legislativa para identificar e coibir as práticas danosas.
“Que não fiquem vagas no mundo digital, no mundo da internet, agressões que, muitas vezes, destroem a vida das pessoas, pela mentira contada que acaba se tornando verdade”, disse o presidente da Casa.
(com Agência Senado)
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