Fundeb: entidades ligadas à educação criticam proposta do governo enviada às vésperas da votação

Até então, os deputados analisariam nesta segunda a proposta construída após intenso trabalho de articulação com parlamentares e educadores, já que, nos últimos meses, o governo preferiu ficar de fora dos debates. No sábado, parlamentares receberam proposta alternativa do governo; entidades criticam. Proposta do governo recebe críticas nas vésperas da discussão do Fundeb
Prevista para esta segunda-feira (20), a votação da proposta de renovação do Fundeb, fundo que financia a educação básica, foi adiada para terça-feira (21) após reunião de líderes partidários da Câmara dos Deputados. O governo pediu mais tempo para formatar uma proposta.
Até então, os deputados analisariam o texto construído após intenso trabalho de articulação com parlamentares e educadores feito pela relatora, a deputada professora Dorinha Seabra Rezende. Nos últimos meses, o governo preferiu ficar de fora dos debates.
Agora, na iminência da votação, o Executivo deu início a uma articulação para alterar o texto e enviou a líderes parlamentares, no sábado (18), uma proposta alternativa ao fundo.
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Descrita como “cenário 1”, a proposta prevê, entre outros pontos, que o Fundeb passe a vigorar somente em 2022, sem esclarecer como a educação básica será financiada em 2021, ano em que a rede pública precisará de ajustes para driblar os efeitos da suspensão de aulas devido à pandemia e da migração de alunos da rede privada para estadual e municipal.
O texto prevê, também, a reserva de uma parcela do fundo para transferência direta de renda a famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza com crianças em idade escola. A proposta na Câmara não separa dinheiro para esse tipo de assistência.
O Fundeb atual expira em 31 de dezembro deste ano. Caso não seja aprovado outro texto, estados e municípios ficarão sem financiamento. Entidades estudantis criticam a proposta do governo.
Os principais pontos criticados são:
Vigência
A proposta do governo federal prevê que o novo Fundeb passe a vigorar somente a partir de janeiro de 2022.
Para o Conselho Estadual dos Secretários de Educação (Consed), isso criaria um “apagão” para o financiamento e um colapso para a educação básica no Brasil no ano de 2021.
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Transferência de renda
A proposta do governo federal inclui a transferência de recursos do Fundeb a famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza.
Para a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), a proposta é um subterfúgio para contornar o Teto dos Gastos e um desvio de finalidade, além de ferir os preceitos constitucionais.
Complementação da União
O atual texto da relatora prevê ampliar de 10% para 20% a complementação do Governo Federal ao longo de seis anos.
A proposta do governo federal propõe que, desses 10 pontos percentuais de acréscimo, 5 pontos sejam destinados a programas de transferência de renda.
Para o Consed, a proposta “representa um claro desvirtuamento do propósito do Fundeb, além de uma perda de 50% dos recursos novos a serem complementados pela União”.
Remuneração de profissionais da educação
O atual texto da relatora estabelece que no mínimo 70% do Fundeb sejam gastos com a remuneração dos profissionais de educação, quando atualmente o percentual é de no mínimo 60% para professores.
Na proposta do governo federal, há a previsão de um limite de 70% com gastos com a remuneração dos profissionais da educação com recursos do Fundeb, e não um percentual mínimo.
Na análise do Consed, a proposta inviabilizaria o pagamento de servidores da educação em várias redes estaduais e municipais, que já destinam percentual maior do que 70% para esse fim.
Auxílio para a rede privada
De acordo com a análise do Consed, a proposta do governo federal permite que recursos públicos da União, estados e municípios sejam utilizados como um auxílio para pagamentos nas redes privadas, o que tiraria do ensino público parte do financiamento.
Para a Undime, o desvio de recursos públicos do Fundeb para as instituições privadas por meio do pagamento de voucher “precariza a oferta da educação pública e desresponsabiliza o Estado”.
“Além disso, o atual formato do Fundeb já contempla a oferta da educação infantil por escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei e conveniadas com o poder público”, avalia a instituição.
Repercussão
O Instituto Educatores, que reúne os ex-secretários estaduais de Educação, afirma que é muito claro que a proposta do governo quer tumultuar, postergar a votação e, até mesmo, evitar sua aprovação. “Caso aprovada, a nova proposta ocasionaria um desmonte da Educação Pública, já em janeiro de 2021”.
“Acreditamos que não há tempo para novas discussões, assim como não é aceitável transferir a validade do fundo para 2022, provocando um vácuo de recursos em 2021 e prejudicando mais de 40 milhões de estudantes”, diz o Instituto Educatores, em nota.
O presidente da Undime, Luiz Miguel Martins Garcia, afirma que é preciso “preservar e ampliar os recursos para a educação pública, rejeitando propostas que atendam a outros interesses”.
“Para evitar um colapso nas redes públicas de educação básica, é urgente garantir a votação e aprovação do atual texto do Fundeb, de maneira a preservar e ampliar os recursos para a educação pública, rejeitando propostas que atendam a outros interesses”, escreve, em nota.
“Todo processo democrático garante a apresentação do contraditório e de novas questões. Entretanto, essas possíveis proposições de mudança apresentam aspectos inconstitucionais; desconstroem a estrutura do Novo Fundeb; são incompatíveis à atual conjuntura educacional; e demonstram total desrespeito ao trabalho realizado pelos Deputados Federais e Senadores, até então”, afirma.
Para a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), é preciso “rejeitar integralmente a proposta de ajuste do governo federal”.
Em nota conjunta, as entidades estudantis Associação Nacional dos Pós-graduandos (ANPG), União Nacional dos Estudantes (Une) e União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) criticam o governo federal e questionam a prioridade da educação na gestão Bolsonaro.
“O governo Bolsonaro mostra mais uma vez que educação não é prioridade, porque em nenhum momento da discussão do texto decidiu entrar na discussão e só agora dias antes do Fundeb ser votado, o governo decide entrar no debate. Essa iniciativa coloca a educação em colapso, podendo fazer com que 38,7 milhões de estudantes tenham dificuldade de retornar às salas de aula após o período de pandemia, fará com que milhares de escolas fechem, criando um apagão no financiamento de toda a educação, tendo em vista que 16 das 20 metas do Plano Nacional de Educação estão paralisadas”, avaliam.
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Entenda o que é o Fundeb
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) foi instituído em 2006 e regulamentado em 2007. O texto atual tem prazo de validade: vence em 31 de dezembro deste ano. A expectativa é que, antes que expire, um novo texto seja aprovado na Câmara e no Senado para garantir os repasses para o financiamento à educação.
O Fundeb foi criado para garantir os investimentos na educação básica – o que inclui creches, pré-escolas, educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos (EJA).
“O Fundeb é crucial. A cada R$ 10 investidos na educação básica no Brasil, R$ 6 estão dentro do Fundeb”, afirma João Marcelo Borges, diretor de Estratégia Política do Todos Pela Educação.
Em 2019, o Fundeb reuniu R$ 166,61 bilhões – R$ 151,4 bilhões de arrecadação estadual e municipal, e R$ 15,14 bilhões da União. Nove estados precisaram receber a complementação do governo federal para atingir o mínimo do valor por aluno: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí.
A maior parte do fundo sai de impostos arrecadados pelos estados, Distrito Federal e municípios. O governo federal complementa com 10%. No ano passado, o Fundeb distribuiu mais de R$ 156 bilhões.
Em discussão no Congresso há cinco anos, a renovação é considerada essencial para garantir o reforço de caixa de estados e municípios para investimentos da educação infantil ao ensino médio e um dos principais desafios do ministro recém-empossado da Educação, Milton Ribeiro.
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