Estudantes tímidos relatam desempenho melhor e participação mais confiante nas aulas a distância


‘On-line eu posso pensar no que vou responder e, se aparecer algum imprevisto, posso colocar o microfone no mudo’, diz aluna do Ceará. “Sem as pessoas olhando, fica mais fácil falar.” É assim que Arthur Araújo, estudante de 15 anos de Sobral (CE), descreve por que se soltou mais nas aulas virtuais que substituíram as presenciais durante a pandemia de Covid.
Estudantes mais introspectivos – principalmente os que têm acesso a internet de qualidade e a um ambiente adequado de estudos – relatam um desempenho melhor e uma maior sensação de conforto no ambiente escolar virtual. A terapeuta infantil Ana Carolina Marques diz que, em termos técnicos, elimina-se o “estressor” da escola e abre-se espaço para a autonomia dos alunos.
Outros pontos que favoreceriam um desempenho melhor no ensino a distância:
alguns alunos afirmam se concentrar melhor sem barulho ou conversas
pais que estão trabalhando de casa podem ter um acompanhamento maior das atividades dos filhos
ensino on-line tem uma linguagem mais próxima da realidade de telas vivenciada pelos jovens
“Para esta geração, a tecnologia já entra como uma linguagem, e a maioria das escolas está aquém disso”, diz Ana Carolina Marques.
Ana Beatriz Silva Souza, 15 anos, aluna da Escola Estadual Adalgisa Bonfim, do Ceará
Arquivo Pessoal
Ana Beatriz Souza, de 15 anos, trocou de escola no Ceará no início deste ano. Não teve tempo de estreitar laços com os colegas e professores quando a pandemia forçou a suspensão das atividades.
Mas o medo de falar algo que soe constrangedor diminuiu com os chats virtuais. “Sou bem tímida, quando vejo muita gente ao redor fico com vergonha de falar alguma coisa errada. Nas aulas on-line posso pensar no que vou responder e, se aparecer algum imprevisto, posso colocar o microfone no mudo e abrir depois.”
Khauanny Sousa dos Santos, 14 anos, do Rio, conta que a familiaridade com o computador aumentou o seu contato com os colegas. A pedagoga Elaine Cristina da Cruz Leal, da Escola Firjan Sesi Jacarepagá, diz que “durante a pandemia, Khauanny é procurada para falar em nome do grupo”.
“Em uma turma com 35 alunos, talvez ela não desse tanto valor à fala mediante o grupo. E, por meio da plataforma, ela percebeu o quanto a voz dela é importante e o quanto ela tem essa escuta”, complementa.
Khauanny Sousa dos Santos, 14 anos, aluna da Escola Firjan Sesi em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro
Arquivo Pessoal
Quando entrou na escola, há 4 anos, Khauanny teve dificuldade de acompanhar o ritmo. “Ela sempre se expressou bem e organizou ideias, mas faltava proatividade e interesse por poder fazer mais. A pandemia trouxe isso para ela, de uma certa forma acelerou processo que já aconteceria”, afirma a pedagoga.
Blitz dos pais
Outro aspecto que contribuiu para o rendimento dos estudantes foi a “blitz” para monitorar a aprendizagem.
Com os pais em casa, alguns alunos se viram com horários para fazer as tarefas – e são vigiados nas “escapadinhas” durante o estudo. Com acesso ao que é publicado nas plataformas de ensino remoto, os familiares conseguem cobrar a execução das atividades.
Maria Rejane Sousa, de Teresina (PI), avalia que a melhora do desempenho escolar do filho Ruan, de 9 anos, “depende dele e de um adulto em casa para ficar olhando”. Quando ela não pode monitorar o menino, a tia da criança ajuda.
Maria Rejane Sousa e o filho Ruan de Sousa, de 9 anos, aluno do 4º ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Roberto Cerqueira Dantas.
Arquivo Pessoal
Para Khauanny, do Rio, a rotina em casa na pandemia manteve os mesmos horários de antes. O pai a monitora para acordar cedo, ligar o computador e, enquanto a máquina está ativando, orienta para que ela tome banho, escove os dentes e esteja desperta quando as aulas começam.
“Logo no início, intensificamos [o acompanhamento]”, conta Vinicius Santos, o pai. “Foi uma ‘blitz’ para que ela não dispersasse da aula. Se deixar, ela vai se distrair, ver televisão. Perde-se a atenção muito rápido”, analisa.
‘Lado bom e lado ruim’
Para a doutora em educação Telma Vinha, professora do departamento de psicologia educacional da Unicamp, o monitoramento dos pais tem o lado bom de trazer uma rotina para estas crianças, mas pode se tornar ruim se os adultos passarem a fazer as tarefas dos estudantes por falta de tempo ou paciência.
A sugestão é fazer uma “autorregulação” com os estudantes, estabelecendo limites e negociando prazos. “A ajuda dos pais é colocar o problema, ajudar na busca por soluções e combinar o prazo”.
Um exemplo é que, se o aluno não acorda no horário definido, é preciso fazê-lo compreender que a responsabilidade é dele, e não dos pais. O estudante precisa encontrar as estratégias para alcançar este objetivo, como ligar dois despertadores, por exemplo, ou colocá-lo longe da cama.
“O valor pedagógico da liberdade está na responsabilidade. Quando maior a liberdade, maior a responsabilidade”, afirma Telma Vinhas.
O que fica para o futuro
Se o uso da tecnologia na educação permite para uma parcela dos estudantes se sair melhor nas aulas a distância, o que pode ser aproveitado como aprendizado?
Para os estudantes, professores, educadores e familiares ouvidos nesta reportagem, o ensino presencial ainda tem a preferência sobre o remoto, mas as ferramentas virtuais ajudam em certas dinâmicas de aprendizagem.
Mario Frota, professor em Sobral (CE), afirma que nas aulas virtuais ele usa o Google Earth, por exemplo, para mostrar ruínas históricas que ainda existem em certas partes do mundo.
“Se estou falando de Mesopotâmia, posso mostrar as ruínas do Zigurate de Ur. No presencial, muitas vezes se segue o plano de aula, mas não se usa slides ou internet, por exemplo”, afirma.
Playlist: Volta às aulas na pandemia