“Esperança” por privatização faz ações de Copasa e Banco do Brasil dispararem, mas qual a chance de isso acontecer?
SÃO PAULO – Contrariando as sinalizações de que estaria morno durante a pandemia de coronavírus, o assunto privatização voltou à tona e mexeu no mercado nas últimas sessões na bolsa. Contudo, há muitos obstáculos a serem superados para que essas desestatizações realmente ocorram.
Um exemplo disso é a Copasa (CSMG3), estatal de saneamento do estado de Minas Gerais, que viu as suas ações subirem até 13,80% na sessão desta quarta-feira (27) após ser dada uma indicação no sentido de privatização da companhia.
Por meio de um fato relevante, a Copasa informou ter recebido ofício da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico autorizando a realização de consulta do BNDES ao mercado visando à contratação de serviços técnicos necessários à estruturação e implementação do processo de desestatização da Copasa, segundo comunicado.
A estatal comunicou também que será contratado um serviço de auditoria independente para acompanhar o trâmite da privatização.
Não é segredo que a desestatização de empresas como Copasa e Cemig (CMIG4) estão na lista de objetivos do governador Romeu Zema (Novo) já em sua plataforma de campanha durante a eleição de 2018. Além disso, o governo estadual editou o Decreto 47.766/19 em novembro de 2019, implementando a Política Estadual de Desestatização e criando o Conselho Mineiro de Desestatização (CMD).
Contudo, ainda há muito ceticismo sobre se a privatização vai ser realmente bem sucedida, tanto por conta de dificuldades para apoio político dentro do estado quanto por questões nacionais mais abrangentes.
Conforme aponta a XP Investimentos, em primeiro lugar, qualquer discussão de privatização de empresas de saneamento antes da aprovação do Novo marco Regulatório de Serviços de Saneamento Básico (PL 4162/2019) é apenas especulação, uma vez que tal nova legislação é necessária para viabilizar tais processos por evitar a extinção de contratos de programa (sem concorrência) em processos de desestatização.
Em segundo lugar, é necessária alteração da Constituição Estadual de Minas Gerais para viabilizar processos de privatização de estatais em Minas Gerais. Conforme destacam tanto a XP quanto o Itaú BBA, a privatização pode esbarrar nesse processo.
Para o Itaú BBA, a privatização é improvável, dada a falta de apoio político: o governo de Minas teria que ter 60% dos votos dos 77 deputados estaduais para eliminar a exigência constitucional de realizar um referendo para aprovar a privatização. “Acreditamos que não há apoio político suficiente”, avaliam os analistas do banco.
A XP Investimentos também cita um outro fator: contrato mais importante da Copasa, Belo Horizonte contém cláusula expressa afirmando que sua eficácia depende da manutenção do controle estatal da companhia.
Desta forma, qualquer alteração necessitará de um novo termo aditivo que deverá ser aprovado em âmbito municipal.
“Por todos esses motivos, não acreditamos na viabilidade de um processo de privatização da companhia, e mantemos recomendação neutra nas ações”, afirma a equipe de analise da XP. O UBS também cita a proximidade das eleições municipais, que deve adiar a votação de medidas vistas como controversas.
Apesar de ver a privatização como improvável, a XP, em nota antes da abertura dos mercados, acreditava que as ações da Copasa deveriam reagir positivamente à notícia (o que se efetivou), mas apontou que tal reação seria injustificada frente aos fatos.
Além disso, apontou que as ações da Cemig também deveriam reagir positivamente ao anúncio, uma vez que o Governo de Minas Gerais também já expressou a intenção de privatizar a empresa no passado. As ações CMIG4 também subiram forte, cerca de 4%, na sessão. Nesse caso, o único obstáculo seria obter autorização da Assembleia Legislativa por mudança da Constituição Estadual.
Contudo, durante live nesta quarta-feira, Zema afirmou que tem encontrado dificuldades políticas para levar adiante o plano de privatizar a elétrica estadual e que o foco de sua gestão no momento é a venda da Codemig, que tem direitos de exploração de nióbio.
“A privatização sempre fez parte de nossa pauta. Infelizmente, até o momento, não houve clima político, o mineiro tem ainda um apego muito grande, principalmente à Cemig”, disse o governador mineiro na transmissão.
Tais dificuldades também foram absorvidas pelo mercado uma vez que, após a forte alta de até 13,8% das ações da Copasa logo no início da sessão, os ativos diminuíram os ganhos, ainda que seguindo em forte alta, de cerca de 8%, impulsionando também as ações da Sabesp (SBSP3). O Itaú BBA destacou em relatório preferência pela companhia paulista de saneamento, uma vez que as chances de privatização são bem maiores.
Contudo, caso o “improvável” ocorra e a Copasa chegue a ser privatizada, o Itaú BBA acredita que a ação da empresa de saneamento possa valer entre R$ 89 e R$ 117, ou seja, um potencial de valorização entre 52% e 109% em relação ao fechamento de terça-feira (26).
Nesse cenário, os analistas do banco veem um múltiplo EV/RAB (EV = enterprise value, ou valor de mercado + dívida líquida”; RAB = base de ativos regulatórios) entre 1,2 vez e 1,5 vez, ante o múltiplo atual de 0,85 vez.
O UBS, por sua vez, vê a privatização como possível, mas bastante desafiadora e que não deve acontecer no curto prazo. Caso ela ocorra, a ação CSMG3 poderia valer R$ 87, um potencial de valorização de 55% frente ao último fechamento, com a empresa “provavelmente se tornando muito mais eficiente, com despesas controláveis que levaria à redução da diferença entre o lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações [Ebitda] da empresa e o nível regulatório”. O banco suíço segue com recomendação de compra para os ativos, com preço-alvo de R$ 60 (upside de 7%).
O Itaú BBA ainda faz uma ressalva sobre as mudanças na regulamentação do saneamento: “embora acreditemos que a regulamentação melhorará com a aprovação da lei, não esperamos que ela seja tão sólida quanto no caso da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) com as elétricas. A Agência Nacional de Águas (ANA) estabelecerá as diretrizes regulatórias em nível federal, mas os estados e municípios reguladores continuarão regulando as empresas”.
De qualquer forma, o Credit Suisse aponta que o anúncio da Copasa é obviamente positivo e abre espaço para que a empresa pode esteja com um estudo pronto ou bem encaminhado no momento que o marco legal do Saneamento seja aprovado (o que o Itaú BBA acredita que ocorra nas próximas semanas).
“Muitos investidores acreditavam que este assunto estava ‘engavetado’ e o sinal nos parece bastante positivo, não só para a Copasa, mas para potencialmente outros ativos. De toda forma, acreditamos que pode demorar algum tempo e depende de vários fatores”, apontam os analistas do Credit.
Privatização do Banco do Brasil: o assunto voltou, mas…
Vale destacar que, na última segunda-feira, a ação do Banco do Brasil (BBAS3) disparou 10,49% por conta de algumas frases proferidas por Paulo Guedes, ministro da Economia, durante a famosa reunião de Jair Bolsonaro com ministros em 22 de abril, cujo conteúdo veio à tona na última sexta-feira (22) por conta de uma decisão de Celso de Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em um dado momento da reunião, o ministro afirma que, diferente da Caixa e BNDES, não é possível “fazer nada” no Banco do Brasil e que por isso a instituição deveria ser privatizada. “O Banco do Brasil a gente não consegue fazer nada e tem um liberal lá. Então tem que vender”, disse. Sua ideia é que isso aconteça até 2022. Confira mais trechos da reunião clicando aqui.
Contudo, de acordo com um analista que não quis se identificar, o movimento das ações do BB foi exagerado, uma vez que não houve nenhuma novidade sobre o desejo de Paulo Guedes e do próprio presidente do banco, Rubem Novaes, em privatizar a companhia, mas que isso não deve ser viabilizado no médio prazo. Porém, ressalta que, caso haja a possibilidade de privatizar instituições financeiras, o BB seria o banco mais elegível a isso, já que é listado em bolsa e possui bons fundamentos. Com isso, na sessão seguinte, os ativos caíram 2,25%, em um leve movimento de realização após a disparada de segunda.
Segundo análise do Bradesco BBI, privatizar o BB faria sentido e seria positivo para o caso do investimento. Seria, no entanto, mais razoável realizá-lo em condições de mercado mais apropriadas para agregar mais valor ao Estado. “Observamos, no entanto, que politicamente essa é uma decisão muito delicada e complexa. A longo prazo, à medida que a dívida pública aumenta, a privatização do banco pode realmente se tornar uma alternativa para minimizar as questões fiscais”, avaliam os analistas.
Na mesma linha, a Levante Ideias de Investimento ressalta que, apesar da euforia com a fala de Guedes, o processo de desestatização é demorado e pode não se concretizar no curto prazo. Essa visão é corroborada até por Rubem Novaes, presidente do BB. Em entrevista ao Valor, Novaes entender a postura do presidente, Jair Bolsonaro uma vez que ele “identifica baixas condições políticas para levar o projeto adiante agora”.
Novaes acredita, porém, que seria viável vender algumas das subsidiárias do Banco. Segundo o presidente, não haveria restrição de Bolsonaro e a privatização, por ser de empresas coligadas, não deveria passar pelo Congresso. No entanto, todos os planos de privatização estão temporariamente suspensos em função da Covid-19 – caso da BB DTVM.
Outro a descartar a privatização do BB é Salim Mattar, Secretário Especial de Desestatização. Ele publicou nota em seu Twitter na noite de ontem, reforçando que a Caixa, a Petrobras (PETR3;PETR4) e o Banco do Brasil não serão privatizados, mas quis enfatizar a reação do mercado sobre apenas a possibilidade de venda do banco.
“Qualquer intenção de privatização de estatais é incentivada e tem repercussões muito positivas no mercado. Para serem vendidas, as estatais devem antes ser incluídas no Plano Nacional de Desestatização e depois passar por um processo político trabalhoso. Em alguns casos, recomendamos cautela na compra de papéis somente com base em rumores sobre privatizações, na medida em que elas são um tema espinhoso e podem demorar mais que o esperado pelo mercado”, reforça a equipe de análise.
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