Éramos Seis: Gloria Pires comenta final feliz e real de Lola

Uma história contada por anos e anos, mas cujo final sempre permanceu o mesmo: Lola, a protagonista, terminava seus dias em um pensionato de freiras, abandonada pelos filhos e ainda de luto pela morte do marido. Foi assim por quase oito décadas, desde que a escritora Maria José Dupré (1898-1984) lançou o livro Éramos Seis, em 1943. Na noite de hoje, no entanto, a adaptação televisiva da Globo dá um rumo distinto à história e à sua personagem principal, interpretada com maestria por Gloria Pires. 

Depois de tantos dramas pessoais, Lola vai se casar com o quitandeiro Afonso (Cássio Gabus Mendes). O romance caiu no gosto popular e surpreendeu até mesmo os atores, que vislumbravam a possibilidade de um relacionamento entre os personagens, mas só mais próximo ao final da trama; a pedido dos fãs, no entanto, o primeiro beijo aconteceu em meados de janeiro. 

“Nossa base foi o texto da novela de 1994, seguimos por este caminho com todo critério e responsabilidade, mas também tivemos liberdade pra mudar. A ideia desde a sinopse foi dar um sopro de esperança, um final mais feliz para dona Lola, esclarece a autora Angela Chaves, que espera que agora as pessoas dediquem um tempo à leitura da obra original.

Para Gloria Pires, apesar das mudanças, a adaptação conserva a crítica inteligente de uma época, forte na obra original. ” A Maria José Dupré faz um alerta, uma duríssima critica da sociedade daquele tempo que relegava a mulher a esse lugar. A pessoa que quisesse andar na linha, como Clotilde e Emília, tinha que se enquadrar num modelo. E o próprio final da Lola no livro é isso. Essa mulher adorável, que a tudo e a todos soube compreender e conviver, ela no final das contas termina só”, comenta a atriz.

(Foto: Paulo Belote/ TV Globo)

Depois de sete meses interpretando a matriarca da família Abílio de Lemos, Gloria diz ter entendido muitas coisas sobre sua própria vida. “É o tipo de personagem que te aproxima de um balanço do seu próprio caminhar. Pelo menos comigo foi assim”, resume. A sensação é compartilhada pelas atrizes Nicette Bruno e Irene Ravache, que interpretaram Lola nas vesões de 1977 e 1994, respectivamente.

Nesta última semana, as três se uniram em uma cena já histórica para a teledramaturgia brasileira. Disposta a deixar a filha viver com o marido, Lola decide ir para asilo coordenado por Madre Joana (Nicette Bruno). Enquanto faz tricô no jardim do local, encontra a viúva Tereza (Irene Ravache), que também vive lá. O encontro foi interpretada como uma espécie de redenção para a personagem que teve um fim tão solitário no passado.

A gravação aconteceu em meio à chegada do Coronavírus no Brasil, o que forçou a equipe a tomar algumas precauções. “A gente acelerou o processo, enxugou algumas coisas, como figuração, que não usamos, para não ter muitas pessoas envolvidas no set. Mas realizamos todo conteúdo programado no texto, na dramaturgia”, conta o diretor Carlos Araújo.

“Imaginem a emoção instalada no set, justamente no último dia de gravação, numa pressão enorme por conta do Covid-19. Uma vontade enorme de abraçar e beijar. Eu me senti uma privilegiada por todos esses contornos que tornaram esse encontro ainda mais especial” – Gloria Pires sobre gravações de últimas cenas de Éramos Seis

(Foto: Paulo Belote/ TV Globo)

Ao longo destes meses, o público sempre enfatizou o quanto a novela emocionava e  o quanto o elenco correspondia à dramaticidade exigida pelo enredo. Mesmo em meio a tantas dificuldades, como a morte de entes queridos e a luta para manter a casa e as contas, além da necessidade de cuidar sozinha da sobrevivência e da educação dos filhos, Lola nunca esmoreceu. Foi forte, determinada, batalhadora e seguiu em frente, cuidando dos que mais amava e sempre estiveram ao seu redor.  “O feedback que eu recebo é de como essa novela, e em especial a Lola, aproxima a gente da boa convivência. No sentido de compreender o outro. Trazer mais aceitação para o dia a dia”, conta Gloria Pires.

Confira entrevista com a atriz:

A casa da família Abílio de Lemos é uma personagem forte na trama. Como foi para você gravar durante esses sete meses prioritariamente nesse espaço?
Esse cenário desde o início me cativou. A precisão, os mínimos detalhes, me fizeram lembrar muito as fotos da minha família e me transportou para um lugar muito especial, minha infância, as casas das tias, aquela imagem que esta sempre na memória. Para mim, foi uma viagem todos os dias. Eu tinha o maior prazer em andar pelo cenário, ficava reparando em cada detalhe. Foi muito especial.

Nesse período de quarentena, a maior parte dos nós tem estado em casa por mais tempo – na rotina, às vezes só usamos ela pra dormir. Qual sua relação com sua casa, ainda mais nesse momento de isolamento e de fim de um trabalho que lhe exigiu tanto?
Eu adoro ficar em casa, sou uma pessoa reclusa. Adoro curtir meu espaço. Para mim, ele tem que estar harmonioso, leve, com um cheiro especial, com uma música especial. Eu amo ficar em casa e cuido muito da minha casa. Ela é para mim uma extensão de mim mesma.

 A Lola te transformou de que modo? O que ela mais te ensinou, seja enquanto mãe, mulher ou atriz?
Eu achei bonito rever, estava maratonando com um amigo de fora, que não tinha assistido. Então maratonei a novela desde o inicio com ele. E foi muito interessante observar a evolução da Lola. Serve bem aquela fala “a gente não nasce mulher, a gente se torna mulher”. E a gente pode acompanhar na trajetória da Lola, através de todo sofrimento, de todos os empecilhos, tudo que ela teve que administrar na vida dela, todas as dificuldades que ela enfrentou, levaram essa mulher para um lugar de empoderamento, como se diz hoje. Ela conseguiu, passado aquele primeiro momento da perda do marido – porque até ele morrer ela tinha uma vida muito no ideal, o que você sonha para sua vida. E depois, com todas as dificuldades que vieram com a morte dele, ela teve que aprender a lidar com um lado da vida que não conhecia. Conseguiu sobreviver com a ajuda dos filhos, mas também com o empenho dela, com o trabalho e suor dela. Então ela traz várias mensagens lindas. Poder acompanhar a trajetória da Lola foi muito interessante. Eu nunca tinha feto isso, nunca tinha tido essa experiência. Quando a novela acaba, você acaba indo logo se dedicar a outro projeto. Mas eu tive essa oportunidade. E adorei. Entendi muitas coisas sobre minha própria vida. É o tipo de personagem que te aproxima de um balanço do seu próprio caminhar. Pelo menos comigo foi assim. E o feedback que eu recebo do publico, tanto colegas e amigos que assistem, quanto do publico que não me conhece, é como essa novela, e em especial a Lola, aproxima a gente da boa convivência. No sentido de compreender o outro. Trazer mais aceitação para o dia a dia.

Como você recebeu os elogios a cenas como a da que Lola conversa com a imagem da Ave Maria na morte do seu filho? Disseram que você merecia o Oscar…!
Tem uma resposta tao positiva das pessoas que estão assistindo a novela. É uma coisa muito gratificante, sem dúvida nenhuma.

Ao contrário do que ocorreu nas quatro versões anteriores, Lola não termina seus dias abandonada em um asilo. Como vê essa reescrita da trajetória da personagem?
A Maria José Dupré fez uma critica muito inteligente da sua época. E mesmo da época que antecedeu a escrita. Provavelmente ela se inspirou em várias mulheres da sua própria família, do seu convívio. Ela faz um alerta, uma duríssima critica da sociedade daquele tempo que relegava a mulher a esse lugar. A pessoa que quisesse andar na linha, como Clotilde e Emília, tinha que se enquadrar num modelo. E o próprio final da Lola no livro é isso. Essa mulher adorável, que a tudo e a todos soube compreender e conviver, ela no final das contas termina só. A Angela foi muito inteligente na solução que ela trouxe porque ela homenageia essa obra, mantendo aquela ideia da Lola estar nesse asilo, mas rele esse momento e traz para ela essa parceria com o Afonso.

O casamento de Lola com Afonso não deixa de ser um final feliz, mas é um final feliz real, com a ausência do filho que não aceita a relação, com poucas pessoas na cerimônia…Você tem preferência por histórias assim, com dramas e realismo intensos?
Eu acho que a dramaturgia, as artes em geral, têm esse potencial de nos aproximar de realidades. Às vezes nossa mesma realidade, às vezes realidades que a gente nem supõe. Mas a empatia com os personagens te coloca nesse lugar de rever antigos conceitos seus. Eu gosto de todo tipo de historia se ela for bem contada. Eu tenho dificuldade com coisas apelativas. Não acho que temos temas apelativos, mas maneiras de fazer apelativas. Eu acho que todos os temas tem que ser discutidos, sou contra qualquer tipo de censura, mas gosto de personagens que têm esse cuidado, de não ir pelo lado mais fácil. Que fazem refletir, achar sua própria resposta, sua própria lógica. Eu gosto é disso. E traz também um amor que nao está relacionado só ao desejo, mas à amizade, admiração, parceria. Eu fiquei encantada com a novela toda e o final eu achei genial. O único filho que nao vai ao casamento porque não aceita a relação é o Julinho. Porque Isabel está lá no inicio da gravidez e o Alfredo está pelo mundo. Só o Julinho não vai. Ele representa o momento na vida em que você faz uma opção visando apenas o progresso material, esquecendo da ética. Eu acho muito interessante esse personagem também.