Empresas de Salvador desobedecem decreto sobre isolamento social

Fiscais percorreram lojas do Centro da cidade

Até o último final de semana, 85 estabelecimentos foram interditados em Salvador por descumprir os decretos que proíbem o funcionamento dos salões de bares e restaurantes, lojas, instituições de ensino e academias. O setor de bares e restaurantes foi o mais vistoriado e o segundo que mais ignorou as regras. As medidas são para barrar o avanço da contaminação pelo novo coronavírus. Até às 17h desta segunda-feira, 30, havia 176 casos confirmados da doença na Bahia, com 2 mortes.

O Subúrbio Ferroviário é uma das regiões que mais tem dado dor de cabeça para os fiscais. Bares e restaurantes estão abrindo os salões e colocando as mesas para os clientes, contrariando a ordem da prefeitura para que não haja aglomeração nesses espaços. Eles estão autorizados apenas a vender alimentos e bebidas para serem consumidos pelas pessoas em suas residências e a oferecer o serviço de delivery (entregas em casa).

Segundo o coordenador de fiscalização da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur), Everaldo Freitas, bairros populares como Mata Escura, Cajazeiras, Pau da Lima e Nordeste de Amaralina também estão entre aqueles que dão mais trabalho. Ele acredita que os moradores ainda não se conscientizaram do tamanho do problema.

“Os bairros mais populares são os que a gente vem observando a maior parte dos casos. A população ainda não percebeu a importância de evitar as aglomerações e de seguir as normas da Secretaria da Saúde e da Organização Mundial da Saúde. Nessas vistorias estamos encontrando também lugares que estavam funcionando sem as licenças da prefeitura e da Anvisa, como um lugar que vendia comida a quilo na Barra”, contou.

Notificação

Quem descumpre o decreto na primeira vistoria é notificado e interditado. Nos casos de reincidência, as penalidades aumentam. A medida mais dura é a cassação do Termo de Viabilidade de Localização (TVL) e do Alvará de Funcionamento. Por enquanto, não estão sendo aplicadas multas.

“Se o estabelecimento for interditado, o proprietário vai entrar com um processo de desinterdição que será apreciado pelo secretário. Se for uma cassação, ele vai ter que fazer o pedido de um novo alvará de funcionamento e vai ser reanalisado se aquela atividade pode ser desenvolvida naquele lugar. E como a Lei do Uso do Solo mudou, pode acontecer dele não ter mais aquela licença”, explicou Freitas.

Alex Sandro Conceição é um dos fiscais da Sedur responsáveis pelas vistorias. Ele contou que 40% dos comerciantes notificados tentam justificar ou até mesmo atrapalhar a ação.

“A maioria diz que não tem como evitar as aglomerações e alguns tentam impedir a interdição do espaço, por isso, estamos contando com o apoio da Guarda Municipal e até mesmo da Polícia Militar, em alguns casos”, afirmou.

Depois que o estabelecimento é interditado o proprietário precisa procurar a Sedur para solicitar a desinterdição, mas a abertura do espaço não será autorizada enquanto durar o decreto. No caso dos bares e restaurantes, a medida entrou em vigor na quarta-feira (25) e tem prazo de 15 dias, mas pode ser prorrogada.

Até o último domingo, 1.885 bares e restaurantes e 17 casas de eventos tinham sido vistoriadas. Das 85 interdições, 20 pertencem a esse segmento. Alex Sandro contou que a maioria das notificações aconteceu à noite. “No final de semana é quando temos mais ocorrências. Estamos recebendo muitas denúncias da população e isso também tem ajudado na fiscalização. A cidade toda tem registro de casos”, disse.

Quem quiser denunciar os bares, restaurantes ou loja que não seguem o decreto pode ligar no telefone 160.

Vistorias por setor:

3.539  – Vistorias, no total

1.885 – Bares e Restaurantes

508 – Academias

483 – Instituições de ensino (faculdades, cursos preparatórios, escolas, creches)

264 – Templos religiosos

112 – Clínicas de Estética e Salões  de Beleza

80 – Shopping Centers e Centros comerciais

79 – Lojas do comércio de rua, com área superior a 200 me- tros quadrados

28 – Supermercados

19 – Obras

19 – Call Centers

17 – Casas de Eventos

3 – Cinemas

1 – Parque infantil

Respeito às regras

Apesar dos desobedientes, há quem respeite as regras. Na manhã desta segunda-feira, 30, uma das equipes de fiscalização percorreu as avenidas Sete de Setembro e Joana Angélica, e a Rua Carlos Gomes, mas poucas lojas abriram. Havia apenas duas delas funcionando na Av. Sete em um quarteirão inteiro, e outra solitária, alguns metros à frente.

Todas cumpriram a determinação de não permitir aglomeração, mas não poderiam fazer o contrário nem se quisessem. O movimento de clientes era pífio. Filas apenas nas agências bancárias e movimento nas farmácias, únicos estabelecimentos autorizados a funcionar sem maiores restrições, mas orientandos a manter a distância entre os clientes.

No caso das lojas comuns, as maiores de 200 metros quadrados não podem abrir as portas e as que se enquadram nesse limite não podem permitir aglomeração. Até o domingo, 79 das grandes foram vistoriadas e 27 interditadas por descumprir o decreto. Algumas instituições de ensino, como creches, escolas, cursinhos e faculdades também têm desrespeitado a ordem. Foram 18 interdições até esse final de semana. No total, 32 estabelecimentos perderam o alvará de funcionamento.

Veja o que acontece com quem burlou decreto:

*Quanto tempo dura a interdição? – Uma vez interditado é preciso entrar com um processo de desinterdição na Sedur para o secretário avaliar a situação. O tempo varia, mas a interdição não será retirada enquanto durar o decreto. 

*Quem perdeu o alvará tem que fazer o que? – É preciso dar início a um novo processo de licença na Sedur. Devido a mudanças na lei que estabelece as regras do Uso e do Solo em Salvador esse alvará de funcionamento pode não ser mais concedido. 

*Qual a diferença entre interdição e perda de alvará – A interdição é um processo mais simples porque o proprietário já tem a licença, e depende apenas da avaliação da Sedur. A perda do alvará é para casos mais graves e vai exigir novamente um pedido de licença na prefeitura, o que demora mais e pode não ser autorizado.

Veja gráfico sobre as interdições:

Na Avenida Mário Leal Ferreira (Bonocô) apenas oficinas mecânicas e mercados funcionaram nesta segunda-feira. Os dois tipos de empreendimentos estão autorizados. Concessionárias e revendedoras de carro fecharam as portas. A prefeitura argumenta que o isolamento social é uma recomendação dos órgãos e profissionais de saúde, mas a decisão divide opiniões.

O comerciante Anderson Nascimento, 41 anos, tem um bar no Subúrbio e contou que abriu o estabelecimento nos três primeiros dias em que o decreto entrou em vigor. “A decisão da prefeitura começou a valer na quarta-feira, mas eu abri mesmo assim porque tenho uma família para sustentar e funcionários para pagar. Quando foi no sábado os fiscais vieram e fecharam dois bares aqui perto. Acho que alguém deve ter denunciado. Achei melhor não abrir mais o meu, mas estou preocupado com as contas”, afirmou.

Para ele, o fechamento dos bares e restaurantes foi uma medida exagerada. Já a costureira Maria Celeste dos Santos, 56 anos, acredita que o Município fez bem em proibir o funcionamento desses espaços.

“São locais em que se concentra muita gente, todo mundo perto um do outro, e o vírus é transmitido ao espirar ou tossir, então, acho muito perigoso deixar esses locais abertos. É complicado não conseguir pagar as contas, eu sei, mas é mais complicado ainda não estar vivo para pagar as contas”, contou.

Falta de convenção gera insegurança

A queda de braço entre os empresários e os empregados do comércio para a aprovação de uma convenção coletiva que se arrasta há mais de dois anos pode tornar a situação desses trabalhadores ainda mais complicada. 

Segundo o diretor do Sindicato dos Comerciários, Alfredo Santiago, a categoria está há 36 meses com os salários congelados, com exceção apenas de alguns casos em que as empresas resolveram fazer acordos independentes. A entidade já tem recebido denuncias de demissões ocasionadas pela crise provocada pelo novo coronavírus. 

“Vale lembrar que o governo agiu tardiamente, mas vem adotando medidas emergenciais de proteção para salvar as empresas e os empregos, como o pagamento dos salários dos trabalhadores das micro e pequenas empresas, a prorrogação do pagamento dos tributos federais pelo Simples, e das declarações de informações. A suspensão da exclusão dos inadimplentes, maior prazo para as empresas pagarem o FGTS, tem zerado imposto de importação de alguns produtos, e a justiça começa a permitir que empresas atrasem pagamentos de impostos”, afirmou. 

Santiago diz que a entidade que representa os empresários fez uma proposta de acordo coletivo, mas que “a proposta deles é indecorosa”, que precariza o trabalho e não atende a nenhum dos pedidos dos trabalhadores. Ele frisou que a categoria esta aberta para dialogar. 

Já o presidente do Sindicato dos Lojistas do Comércio da Bahia (Sindilojas), Paulo Motta, afirmou que a falta de uma convenção coletiva deixar o terreno ainda mais incerto para os empregadores e para os empregados.

“Há 15 dias nós apresentamos uma convenção extraordinária durante esse período (pandemia da Covid-19) que garantia a estabilidade dos empregos dos comerciários e pedia que, nesse período, em que a projeção não voltasse à plenitude, fosse flexibilizada a convivência entre os empregadores e o trabalhador, como rever férias e décimo terceiro salário, mas eles não aceitaram”, disse.

Motta argumentou que o cenário é complicado e que os empresários não podem garantir a manutenção dos empregos. Perguntado se as demissões já estão ocorrendo, ele disse que as ações são individuais. “Mas a possibilidade de ter diminuição do quadro funcional das empresas é muito forte. É uma questão de sobrevivência”, afirmou.
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O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-BA), Daniel Alves, afirma que a situação é grave e que o socorro deve rá vir  de Brasília. 

“A gente está esperando uma proposta do governo federal. Uma delas já foi enviada ao STF (Supremo Tribunal Federal) e o STF já liberou, que é fazer o pagamento por dois meses da folha  dos nossos funcionários. Agora, estamos esperando o governo federal  definir as estratégias que serão adotadas nas próximas semanas e meses”, diz. 

Desde a quarta-feira (25), esses estabelecimentos estão proibidos de abrir o salão para os clientes em Salvador. A medida é para evitar aglomeração e a transmissão da Covid-19. O decreto tem validade de 15 dias, mas pode ser prorrogado. Alves frisou que a crise vai se estender para além desse prazo.

“Mesmo na hora que cair o decreto, a crise não vai se resolver de imediato porque não teremos movimento. A maioria dos bares e restaurantes não tem capital para durar mais que um mês fechado, e o delivery apenas  não sustenta o estabelecimento”, acrescenta.

Apesar de tudo, o presidente da Abrasel afirma que entende que o fechamento de bares e restaurantes é uma medida de saúde pública e orienta que os empresários obedeçam a determinação da prefeitura.  Salvador tem cerca de 12 mil bares e restaurantes, que empregam cerca de 122 mil trabalhadores