E se as aulas só voltarem em 2021? Dicas para não deixar seu filho isolado

Crianças mais novas são as mais prejudicadas pelo isolamento

As escolas baianas completaram cinco meses sem aulas presenciais no último dia 17 de agosto, e ainda não há expectativa de retorno. É bem capaz que isso só aconteça em 2021.

Assim, muitas crianças podem ficar sem contato com outras da mesma idade por quase um ano. E isso deixa muitos pais com filhos únicos coçando a cabeça, preocupados.

Como deixar uma criança isolada por tanto tempo, em contato apenas com adultos? Não pode ser algo prejudicial para o desenvolvimento social e psicológico dela?

O que fazer para amenizar esse baque da mudança de rotina? Da distância dos amiguinhos, da falta que faz correr na área de lazer do colégio e brincar livre num parquinho?

Calma, senhor pai e senhora mãe. Existe sim um prejuízo à criança, mas isso pode ser amenizado com algumas atitudes suas. Por isso, o CORREIO traz aqui alguma dicas de especialistas.

É ruim para a criança?

Sem dúvida! É no convívio presencial com figuras da mesma idade que as crianças aprendem noções básicas de sociabilidade. Como dividir objetos, entender a vontade do próximo, esperar o seu momento de pedir a atenção e respeitar o espaço do outro.

“A importância da sociabilização da criança é justamente ela perceber que não é o centro do mundo. A criança nasce egocêntrica. É normal, porque tudo gira em torno dela: ela sabe que quando chora o pai ou a mãe vem correndo ver o que está acontecendo. Dá comida, dá atenção. Ela domina o espaço”, analisa a psicopedagoga Daniela Vianna.

“Quando ela vai para a escola é que realmente começa a socialização. Ela se enxerga no meio de várias crianças tendo que dividir a atenção da professora. Então ela aprende que existe o outro, que a vontade dele precisa ser respeitada. É o primeiro passo para que ela aprenda a viver em sociedade, a entender que ninguém vive só, que precisamos dos outros”, completa a especialista.

É na escola ou no parquinho que a criança aprende que não é batendo ou mordendo que ela vai ficar com um brinquedo. Em suma, compreende que não basta chorar ou reagir fisicamente para conseguir algo: é preciso dialogar, pedir, dizer porque quer aquilo e porque é merecedora.

“O convívio social presencial entre crianças é insubstituível. Porque escola não funciona apenas como um lugar em que a criança vai aprender matemática, ler ou escrever. Ela funciona como um primeiro momento em que você tem o convívio com noções de cidadania, respeito, solidariedade”, complementa a psicóloga infantil Danielle Moreira.

Quais os efeitos do isolamento?

São dois problemas, principalmente: falta de motivação para o próprio estudo formal e sobrecarga dos pais. Depois de anos na escola, a criança ou adolescente começa a entender que brincar e estar com o outro é ‘legal’. No isolamento, sente falta disso.

“As escolas precisam entender que aula online não é igual. Não dá para exigir a mesma carga horária porque não há um convívio. A interação é uma motivação. Se você perguntar a uma criança ou a um adolescente se quer ir para a escola ele disser que sim, você acha que é pra aprender português e matemática ou pra rever os amigos? Contar algo que aconteceu na vida deles?”, explica Daniela Vianna.

O outro ponto é a exarcebação da dependência dos pais. Sem poder compartilhar com os amigos o que cria e com o que brinca, as crianças vão procurar quem? “Normalmente a dependência é maior com a figura materna. A criança acaba sufocando o adulto, porque ela quer o tempo todo estar junto, falando, brincando. E quem tá em casa com ela são os pais”, completa Daniela Vianna.

Até que ponto você contribuiu com o isolamento da criança?

Importante para todas as idades…

Mas não se engane: não são só os pequenos que se prejudicam com a falta de convívio com outros da mesma idade. “O pré-adolescente ficar 12 horas em frente a uma tela, distraído, não quer dizer que ele esteja bem. Os pais têm que estar atentos a isso. A criança que fica atrás da gente, puxando, incomoda, mas aquele mais velho que fica quieto no quarto a gente acha bom, e não pode”, alerta Daniela Vianna.

Como lembra a especialista, adolescentes estão mais próximos dos desafios que a vida adulta impõe, como trabalhar e interagir com colegas de faculdade. A facilidade da comunicação totalmente virtual, por mensagens, por exemplo, pode ser uma armadilha: o jovem pode desenvolver dificuldades de se expressar pessoalmente, se comunicar, o que ele será cobrado futuramente.

… Mas crianças menores sofrem um pouco mais

Não é uma questão de idade, mas sim de repertório verbal. Aquelas crianças que têm maior dificuldade de se expressar – geralmente as mais novas, por questão de aprendizado mesmo – são as que mais sofrem sem o contato físico com outras de mesma idade.

“As crianças maiores, com repertório verbal bom, ainda conseguem conversar, se envolver e se divertir numa conversa de vídeo, por exemplo. Mas as menores, que ainda têm dificuldade de se expressar por meio da fala, não se envolvem tanto. Então elas são as que mais sentem falta de uma interação presencial, o impacto é grande”, considera a psicóloga infantil Danielle Moreira.


O QUE FAZER EM CASA?

Chamadas de vídeo com amiguinhos

Se a criança se expressa bem e se envolve com uma chamada de vídeo, vale a pena conectá-la com os amiguinhos por meio dessa ferramenta. Pode usar o Zoom, Google Meet e outras ferramentas gratuitas. Não é uma interação que vá substituir o presencial, mas pelo menos ameniza o sentimento de distância e de ter contato apenas com os pais.

“É bom para a criança sentir que ela é querida, que tem pessoas em outros lugares que sentem falta dela. Pessoas que ela lembra, de quem ela sente saudade. Os pais podem fazer encontros em família ou com os amiguinhos da escola. Conversa com os outros pais, faz uma chamada de vídeo que reúna todo mundo”, orienta Daniela Vianna.

E os adolescentes?

A ideia de promover chamadas de vídeo com os colegas também serve para os pré-adolescentes ou mais velhos. O importante é que saia um pouco do meio puramente virtual – mensagens de texto ou no chat dos jogos online, por exemplo – e exista um contato visual, cara a cara, com áudio.

Uma boa ideia é atrelar esses encontros aos estudos ou a uma atividade em grupo. “Marca conferência com os colegas de sala, para que eles façam juntos alguma atividade do colégio ou trabalho. Pode ser um jogo, também, algo que necessite de conversa e de cooperação entre eles”, orienta Daniela Vianna.

“O importante é que eles se vejam. Que possam comentar um do cabelo do outro, da roupa que estão vestindo, que deem gargalhada disso, isso que é fundamental nessa fase. É um falar da vida do outro, o que estão fazendo na quarentena, os que estão achando de tudo”, completa a psicopedagoga.

O que o virtual não substitui

Infelizmente, a interação virtual não substitui alguns aprendizados que só a exposição pode traze. “A criança tá ali, jogando na internet. Se ela perde, desiste, ela pode desligar o aparelho ou mudar o jogo e pronto, resolvido. Quando ela está em meio às outras crianças ela vai ter que lidar com a frustração, vai ter que aprender a perder e a ganhar”, salienta a psicóloga Danielle Moreira.

“Na questão da escolha, também. No virtual ela pode escolher qual é a brincadeira. Em meio a outras crianças, o jogo vai ser o que a maioria decidir. Então trabalha aspectos de tolerância, de aceitação e de frustração que são importantes em sociedade”, completa a especialista.

Estimule as atividades em grupo pela internet

Mas tem que ter muito cuidado

Apesar da maioria das soluções caseiras serem pelo meio virtual, isso não significa que a criança vá pasar o dia inteiro em frente a um computador, celular ou videogame. Nunca é demais lembrar que a exposição excessiva às telas trazem um sério risco à saúde, tanto psicológicos como da visão.

“Vale lembrar que crianças menores de 2 anos não podem ficar em frente de telas, nenhum pediatra recomenda isso. Crianças maiores que isso podem ficar, mas sempre de maneira cautelosa. Não pode ser por muito tempo”, lembra Daniela Vianna.

Faça um passeio

Às vezes, o que basta para um filho único e que está há muito tempo isolado em casa, sem aulas e sem contato com outras crianças, é um passeio para um lugar agradável. Mesmo que ele não encontre e não brinque com ninguém, poder correr num parque, ou simplesmente olhar o mar, tem um retorno enorme.

O importante é que ele contemple a imensidão, muito maior que a clausura de um quarto ou de uma sala de aula. “É claro que um passeio sozinho não vai substituir o convívio com outras crianças, mas pode diminuir a sensação de estar preso em casa. Muitas vezes, só mudando de ambiente, já consegue mudar o humor das crianças”, recomenda Danielle Moreira.

“Quer ver? As crianças menores, que tem ficado muito tempo dentro de um apartamento. Elas estão mais irritadas. E quando você leva para um ambiente aberto elas se soltam, correm, gastam energia que é da idade e que precisa ir para algum lugar”, completa a psicóloga.

E adotar um pet? Ajuda?

Sem dúvidas. Ter um bicho em casa pode diminuir o estresse, não só das crianças mas da família inteira. “O animal é capaz de elevar os níveis de hormônios neurotransmissores que são responsáveis pelo bem-estar. Pode suprir muito essa falta de interação física que a escola proporcionava aos nossos filhos”, explica Daniela Vianna.

O pet traz outros benefícios: “É bom porque a criança que tá entediada tem a oportunidade de assumir com o animal algumas responsabilidades. Colocar comida todo dia, dar banho, escovar. Limpar a caixa de areia, levar para passear. Responsabilidade e brincadeira mesmo tempo”, completa a psicopedagoga.

Mas nunca é demais lembrar: pet não é brinquedo. “Se a família já pensava em adotar um animal, será bem-vindo. Mas se ele vem só para ocupar ou substituir essa ausência do isolamento, aí complica. É preciso entender que o pet é uma vida e a gente precisa pensar bastante antes de assumir compromisso com ele e pensar qual será o papel dele na família quando as coisas voltarem ao normal”, comenta Danielle Moreira.


E FORA DE CASA?

Já pode descer para brincar no play?

Como a fase já é de retomada em todas as frentes, desde o comércio até algumas atividades de lazer, já é possível pensar, sim, em tirar os filhos de casa e realizar algumas atividades com outras crianças. Mas sempre seguindo as recomendações de proteção dos profissionais de saúde de usar máscara, evitar locais fechados e não gerar aglomerações.

“Já existe sim alguma condição de levar o filho para brincar no playground ou no parquinho do prédio. O que é importante é manter o distanciamento de uma criança para outra, precisa brincar de máscara e faz bem passar o álcool em gel nas mãos delas”, explica Ana Paula Coelho, fisioterapeuta pediátrica e especialista no trato respiratório.

É possível, por exemplo, combinar com pais de confiança e que morem no mesmo prédio para que as crianças dividam espaços para brincarem. O ideal é que, por enquanto, isso aconteça em locais abertos e arejados como parques e playgrounds. Sempre com alguma distância, nada de brincadeiras em que uma fique se abraçando ou se jogando no chão com a outra. Bom senso.

Mas, com o devido cuidado e responsabilidade, dá até para usar espaços fechados como salões de jogos e brinquedotecas, se for o caso. E exigir limpeza frequente: “Dá para organizar com o condomínio que higienize esses espaços de uso comum e que estabeleça horários para que não se criem aglomerações. E que os pais respeitem, também”, conta a profissional de saúde.

Limpar por conta própria vai dar bem mais trabalho, sobretudo áreas grandes como parquinhos e salões de festa. Mas, para aqueles pais que são mais receosos, vale fazer a sua própria limpeza nas áreas em que as crianças fiquem por mais tempo. Tudo em nome da correta cautela.

Cuide para que a criança não deixe de usar máscaras

Mas adultos têm que observar

O importante se você quiser colocar seu filho para brincar com outras crianças é que você o observe o tempo todo. Tomar conta para que ele não tire a máscara, não fique se abraçando ou se jogando no chão com os outros. E que não leve as mãos à boca, nariz ou olhos. Ou seja: nada de soltar a criança no play e ir bater um papo. É preciso, de fato, uma vigilância constante.

“Leva um álcool em gel na bolsa, evita brinquedos que são compartilhados. Eduque a criança para não levar nada à boca. Tem que ter esse rigor mesmo nessa fase de novo normal. Senão vamos ficar realmente isolados num apartamento, o que ninguém quer”, lembra Ana Paula Coelho.

Esse rigor, hoje, pode inclusive ser positivo para o futuro do seu filho, que aprenderá algumas noções de cuidados pessoais que não são válidas apenas para uma pandemia. “Os pais precisam aproveitar para conversar mais com as crianças, explicar que a situação agora é diferente. Elas vão absorver isso aos poucos. É uma mensagem importante para qualquer época: lavar as mãos bem e com frequência, não levar nada à boca aos olhos”, complea a fisioterapeuta.

E a piscina, já pode?

Algumas academias já receberam a autorização para liberarem os equipamentos aos adultos. E para as crianças? Se tiver uma piscina no condomínio, será que já pode utilizá-la?

“Se a piscina estiver bem tratada com cloro e com pH medido regularmente, não há risco nela em si. O perigo está nos arredores, já que ela pode favorecer aglomerações. Gente dividindo as áreas comuns em volta da água, sem a devida higiene. E vale o mesmo para as crianças”, diz Ana Paula Coelho.

“Então vai depender muito do condomínio. Se você está com sua família e quer usar uma piscina bem privativa, sem aglomerações, tudo bem. Agora, o que não pode é aquele cenário de clube no final de semana, com gente ao redor, bebendo, sem máscara, conversando. Aí sim é perigoso”, completa.