‘Difícil de esquecer’: vítimas da tragédia do Barro Branco recebem novas casas

O local que foi o cenário de uma das tragédias mais recentes de Salvador ganhou um novo capitulo nesta terça-feira (11). A comunidade do Barro Branco, na Avenida General San Martin, no Alto do Peru, onde nove pessoas morreram depois que um barranco cedeu e soterrou casas durante um temporal, em abril de 2015, recebeu um novo conjunto habitacional. Os quatro prédios, com 120 apartamentos, foram erguidos no mesmo local da tragédia e entregues hoje pela prefeitura.  

As cenas dos moradores cavando a terra com as mãos para tentar socorrer os vizinhos que tinham sido soterrados ainda estão vivas na memória de muita gente, e dificilmente serão esquecidas. Era uma madrugada chuvosa de segunda-feira. Alguns dos moradores estavam começando a levantar para ir trabalhar quando ouviram um som forte, como se fosse um estalo. Em seguida, quem olhou pela janela viu o barranco de dez metros de altura descer ladeira abaixo atropelando tudo no caminho. Não houve tempo para correr. 

O técnico em instalações Carlos Augusto dos Santos, 54 anos, tinha acabado de acordar quando o sobrado em que ele morava foi engolido pela lama. Ele conseguiu escapar, mas perdeu a mãe, a esposa, a filha e um sobrinho. “Foi tudo muito rápido. Eu tive cortes no lábio, nas costas e nos ombros, mas minha família não sobreviveu. Foram dez anos para construir minha casa e de repente a gente perdeu tudo. Nunca vamos esquecer tudo o que aconteceu, mas o sentimento, agora, é de saudade”, contou Carlos Augusto. 

(Foto: Mauro Akin Nassor/Arquivo CORREIO)

Ele, uma filha que sobreviveu e três irmãos que tinham casas na região receberam apartamentos no novo conjunto habitacional. São 60 moradores da região beneficiados e as outras 60 unidades são para pessoas que moravam em outras áreas de risco de Salvador.

Nove pessoas morreram e dezenas ficaram desabrigadas. Por conta da tragédia, a prefeitura precisou fazer o acolhimento provisório dos desabrigados e oferecer auxílio-emergencial para os mais prejudicados. O prefeito ACM Neto esteve no local, como fez em 2015, e comentou sobre a tragédia e a nova estrutura, afirmando que o “coração apertou” quando chegou lá. “Nunca vou esquecer aquela cena e aquele sentimento. Eles vão me acompanhar pro resto da minha vida”, disse, emocionado.

Ele continuou relembrando. “Antes da pandemia, quando me perguntavam qual foi meu maior desafio à frente da gestão da prefeitura, eu não tinha dúvida de responder que foi enfrentar aquela chuva de 2015, conviver com a dor e sofrimento das famílias que foram atingidas em algumas regiões da nossa cidade. Tive a capacidade de mobilizar toda minha equipe de trabalho para dar resposta”, afirmou.

O conjunto habitacional construído pelo município tem uma área de 16 mil m², onde também foi realizada a obra de contenção. O projeto desenvolvido pela Secretaria Municipal de Infraestrutura e Obras Públicas (Seinfra) contempla não só moradias, mas um ambiente de reurbanização integrada composto por quatro torres habitacionais e diversos equipamentos de lazer. O investimento da prefeitura foi de R$ 12,6 milhões.

São 120 apartamentos, sendo 30 em cada uma das quatro torre. Os prédios recebem nomes de flores: Açucena, Cerejeira, Lotus e Narciso, marcando assim a renovação e a nova fase de vida que se inicia para os moradores. Cada apartamento dispõe de dois quartos, sala, cozinha, área de serviço e sanitário. Segundo a prefeitura, os cômodos atendem aos critérios básicos de moradia, acessibilidade, e de recomendações técnicas.

Memória
A tragédia do Barro Branco entrou para a história das catástrofes provocadas pela chuva em Salvador. Durante dias a cidade parou para acompanhar o trabalho de resgate dos bombeiros. Pessoas de outros bairros formaram grupos de solidariedade para doar roupas e alimentos para quem tinha perdido tudo. Nesta terça-feira, durante a entrega do novo condomínio, a chuva voltou a ameaçar mas, desta vez, não preocupou os moradores que disseram que vão dormir mais sossegados.

A Vila Barro Branco tem também parque infantil, academia de ginástica ao ar livre, quadra poliesportiva, espaço de jogos, pista de cooper, quiosque, espaços de convivência e para plantio de horta comunitária, além de estacionamento. Toda a área conta com pavimentação, acessibilidade, saneamento, mobiliário urbano e paisagismo. O local recebeu itens de sustentabilidade, como energia solar e coleta seletiva.

O hoje vice-prefeito Bruno Reis, era secretario de Promoção Social e Combate à Pobreza na época da tragédia, que deu assistência às vítimas, e depois se tornou secretário de Infraestrutura e Obras Públicas, responsável pela construção do condomínio. Ele se emocionou relembrando o momento, que chamou de “o maior desafio da minha vida pública”. “Isso aqui era tudo lama, barro, para todos os lados. Não tinha como se sensibilizar com aquela tragédia”, contou, afirmando que foi até o local logo depois do acidente.

“De lá para cá se passaram 5 anos, primeiro investimos R$ 13,5 milhões na contenção. Quando o destino me fez voltar à Seinfra, eu disse ‘Vou construir a Vila Barro Branco’. Parti para elaborar o projeto, licitamos a obra e aqui está entregue mais R$ 12,6 milhões, primeiro habitacional de Salvador exclusivo para vítimas da chuva”, disse. “As noites de pesadelo, sem sono, com medo de ocorrer uma tragédia agora dá espaço para esperança”.

A tragédia de abril de 2015 foi a segunda vivida pela comunidade. Em abril de 1996, outro deslizamento de terra, no mesmo local, também soterrou casas, matou 13 pessoas e deixou 300 desabrigados. 

Assim como os moradores, a comunidade foi aos poucos se reerguendo. Primeiro, foram demolidas as casas que após a tragédia de 2015 ainda estavam de pé, mas que apresentavam risco de desabamento. Em seguida, a Superintendência de Obras Públicas (Sucop), órgão vinculado à Seinfra, deu início à contenção da encosta. Ela foi entregue em duas etapas: a primeira, em março de 2017, e a segunda, em outubro de 2018. A obra custou R$ 13,5 milhões. 

E agora, os trabalhadores receberam o novo conjunto habitacional, no que eles acreditam ser o último capítulo dessa história, como concluiu uma mulher. “Não é o fim que a gente gostaria, já que o melhor seria que ninguém tivesse morrido, mas pelo menos temos a sensação de que não fomos esquecidos”.