Dia dos Pais ganha novo sentido com mudança no perfil familiar


Pai-avô, ‘pãe’, pai adotivo, a saudade dos que se foram… G1 ouviu histórias de diferentes pessoas sobre a importância dessa data. Papel de pai e mãe como provedor e cuidadora, respectivamente, mudou com o passar dos séculos, ajustando-se à realidade de cada perfil familiar
Josh Willink/Pexels
Há muito tempo, no início das relações familiares modernas, pais e mães dividiam suas funções entre provedor e cuidadora. Porém, com o passar dos séculos, viu-se que a necessidade de ajustar essa “lei antropológica” à realidade de cada situação mudou o perfil das famílias.
Na década de 1990, o reconhecimento da paternidade por meio de exame de DNA, estratégia utilizada pela Justiça, popularizou-se em quadros sensacionalistas de programas de tevê. Mas só a ligação genética jamais foi suficiente para garantir laços socioafetivos e participação na educação da criança.
Na realidade do século 21, muito além de uma data para presentear, o Dia dos Pais chega espelhando sensíveis mudanças nos núcleos familiares.
Para celebrar a data, o G1 buscou filhos, mães e pais que contam histórias de grandes provas de amor paterno, afastamentos impostos pela pandemia do novo coronavírus e desabafos sobre a completa ausência da figura masculina. Mas cada um, à sua maneira, comemora o Dia dos Pais.
Pai-avô: vendo o filho nos passos do neto
Eduardo Santos Vilela abraçado com o filho e o neto no colo; filho mais velho foi assassinado em Maceió
Arquivo pessoal
Uma semana antes do Dia dos Pais, o funileiro mecânico Eduardo Santos Vilela amarga um ano de saudade do filho Carlos Eduardo, de 19 anos, encontrado morto em um matagal no conjunto Maceió I, no Eustáquio Gomes, na parte alta de Maceió. O trauma de Eduardo foi agravado porque foi ele quem encontrou o corpo, de bruços, com sinais de extrema violência.
Casado e também pai de Murilo, de 11 anos, o mecânico cuida do neto Tiago Gabriel, filho de Carlos, de 1 ano e 8 meses. Durante a entrevista, a criança brinca com um gatinho no quintal enquanto o avô o acompanha com o olhar e diz perceber diversas semelhanças entre neto e filho. “O formato do rosto, olhos e testa. Tudo lembra nosso Cadu”, disse, deixando escapar um sorriso.
Eduardo defende que o filho foi morto sem motivo, simplesmente porque foi levar um colega de 14 anos à casa de um parente, de moto, em um local aonde nunca tinha ido antes. “Ele era um menino bom, estudioso e sempre me obedeceu. Decidiu ajudar o colega com a carona e infelizmente nunca voltou”, lamenta.
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Carlos Eduardo foi assassinado aos 19 anos em Maceió; foi o pai dele quem encontrou o corpo
Arquivo pessoal
Após o crime, o funileiro mecânico promoveu protestos, foi às autoridades e acionou todos os órgãos públicos para que o caso fosse solucionado e os responsáveis, presos. “Nossa rotina mudou completamente. Perdemos clientes e tivemos de fechar a mecânica por falta de serviço”, relembrou, melancólico.
“O mais difícil foi ter de lidar com o julgamento de quem não conhecia meu filho e a demora na resolução do caso. Enquanto eu lutava por justiça, vendi o pouco que tínhamos de valor para nos manter”, desabafa.
Atualmente a família se mantém com o auxílio emergencial pago em virtude da pandemia do novo coronavírus e pequenos bicos que complementam o orçamento. “Ainda tenho esperança de reconstruir nossa vida, apesar de saber que nunca mais será a mesma coisa. Não há um dia que não pense no meu filho”, diz, com lágrimas nos olhos.
Mesmo enfrentando a dor da perda, Eduardo diz que se obriga todos os dias a tentar viver com o que tem para cuidar do filho Murilo e do neto Tiago. “O Dia dos Pais para mim será só de saudade. Saudade e desejo sincero de que nenhum pai passe pelo que passei. O certo é o filho enterrar o pai, não o contrário”.
A polícia prendeu dois jovens suspeitos de participação no crime. Um deles foi liberado após recurso da defesa. A polícia não divulgou o resultado da investigação.
O desejo de ser pai é maior que o preconceito
Williamis Carneiro Lima Matias mostra o quarto que está preparando para a filha
Arquivo pessoal
Legalmente na fila de adoção desde fevereiro deste ano, o empresário Williamis Carneiro Lima Matias, de 35 anos, conta que decidiu ser pai bem antes de dar entrada no pedido formal, na Vara de Infância e Juventude, em Maceió. “Há sete anos eu venho amadurecendo a ideia e agora me sinto maduro para a chegada de minha filha”.
Homossexual e solteiro, Williamis explica que quis se preparar em todos os sentidos com o objetivo de ter uma família. “O preconceito acontece em várias esferas e sei que não será fácil, mas o sonho de ter uma família me dá a coragem que preciso para ir até o fim nesse processo”, explica o empresário.
Em Alagoas, cerca de 200 candidatos à adoção aguardam na fila de espera da Justiça, que mantém um site sobre os processos de adoção (clique aqui para saber mais).
“Meu amor é maior que qualquer preconceito. Me emociono só de imaginar o futuro porque eu já me sinto pai. É um sentimento muito forte”, revela o empresário.
O quarto decorado especialmente para a futura moradora e os dois cachorrinhos, Bela e Lua, já esperam por ela. “Adoro pensar que daqui a um tempo estarei ocupado com tarefas de escola, pediatra e toda a rotina que envolve o universo infantil”, confessa.
“Corri atrás de estabilidade financeira e estudei muito para ser independente em todos os sentidos. Hoje entendo que não posso buscar uma vida perfeita para só então adotar porque perfeição não existe, mas fiz tudo que estava ao meu alcance para chegar perto disso”, assegura Williamis.
“Minha filha já é muito amada, mesmo que eu ainda não saiba quem ela é”, diz.
‘Nosso Senhor é um bom Pai’
Jornalista Renata Pais e seu pai, Adeildo José da Silva, morto em decorrência da Covid-19
Arquivo pessoal
Filha mais velha de três, a jornalista Renata Pais se apega à última conversa com o pai, Adeildo José da Silva, para confortar a ausência física de sua repentina morte por Covid-19 aos 71 anos, em maio. “Ele já estava internado quando conversamos por telefone e ele me disse que nosso Senhor é um bom Pai. Uma semana depois ele foi transferido para a UTI, intubado e partiu em poucos dias”, relembra, com a voz embargada.
Pai de três filhas e avô de cinco netos, “Dedel” – apelido carinhoso dado ao pai – cresceu fazendo “carrêgo” na feira da cidade de Corrente (PE), foi menor aprendiz (ou cargo equivalente na época) na agência bancária local onde progrediu e tornou-se gerente. Já na maturidade deixou a carreira bancária para tornar-se empreendedor no ramo de alimentos. Primeiro foi sócio de um restaurante e, por fim, dono de uma padaria.
Renata, que ainda se recupera do tratamento de câncer de mama, relembra que o pai permaneceu ao seu lado em todas as sessões de quimioterapia que precisou se submeter, no decorrer de todo o último semestre de 2019.
“Da mesma forma com minha mãe. Sempre do lado, acompanhando os processos difíceis de tratamento, segurando nossa mão e nos dando força”, relembra. Dona Ivanuzia, mãe de Renata, foi casada por mais de 30 anos com Adeildo. Ela faleceu há cinco anos, após lutar bravamente contra dois cânceres.
A jornalista espera um Dia dos Pais difícil, porque entre os primeiros sintomas de Covid-19 e o falecimento do pai foram menos de 30 dias. “Não pudemos nos despedir nem viver o luto como deveríamos. A pandemia causou a morte e impediu que fizéssemos um sepultamento com o tempo necessário para a despedida”.
Como consolo, além de muitas fotos e áudios que Renata guarda com carinho, ela afirma que demonstrou de todas as maneiras o quanto o amava, ainda em vida. “Ele esteve presente nos momentos mais felizes e difíceis da minha vida e eu fazia questão de dizer o quanto eu o amava. Por telefone ou pessoalmente, sempre havia um jeito de firmar ainda nossos laços”, relembra Renata, comovida.
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‘Pãe’, quando a mãe assume também o papel de pai
Maria Juliana da Mota Bastos e os filhos, Amélia e Arthur
Arquivo pessoal
Doeu ter de explicar para o filho Arthur, de seis anos, que ele não ia participar das comemorações escolares do Dia dos Pais pela ausência do homenageado, mas Maria Juliana da Mota Bastos negociou com filho. “Combinamos que no próximo ano eu participaria da festinha porque sou pãe [expressão usada para representar pai+mãe]”, relembra.
Oficial substituta do cartório da cidade de Atalaia, no interior de Alagoas, a bacharel em direito tenta administrar a tripla jornada diária e ainda ter tempo de dar atenção aos pequenos. Além de Arthur, o casamento também gerou Amélia, de quatro anos.
“Após a separação, o pai dos meus filhos se ausentou completamente da convivência com eles. Parece que o divórcio se estendeu até as crianças, infelizmente”, lamenta. “Ele aparece poucas vezes ao ano para pegar os meninos e passar um dia, mas na rotina mesmo não há participação”, acrescenta.
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Segundo dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2017, 40,5% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres. Destes, a maioria é mãe solo, assim como Juliana.
“Arthur sempre me pergunta porque o pai não mora com a gente. Eu tento explicar dos motivos que provocaram a separação sem fazer acusações”, explica a oficial de cartório. “Quando a relação acabou, eu estava grávida de cinco meses de Amélia, que terminou nunca convivendo com meu ex. Mesmo assim ela tem afeto por ele”.
Todo esforço em trabalhar os dois horários e ainda cuidar dos pequenos torna-se ainda mais cansativo quando Juliana pensa que precisa também suprir outras necessidades.
“Fica menos pesado quando temos com quem dividir a responsabilidade de educar dois seres que dependem totalmente da gente. Espero que um dia eles se lembrem da nossa trajetória juntos e sejam muito felizes, independentemente da ausência do pai”, afirma Juliana.
Carta a um amor distante
Leilah Cristine Vieira Barbosa ainda criança, no colo dos pais
Arquivo pessoal
“Será que é hora de voltar?”, reflete a médica alagoana Leilah Cristine Vieira Barbosa, que vive em São Paulo há 25 anos. A entrevista, concedida entre plantões, tornou-se o ponto de partida para um possível último Dia dos Pais à distância.
Na linha de frente durante a pandemia que combate o coronavírus, a médica confessa que tem repensado a distância física entre ela e o pai, Jurandyr Barbosa da Silva, de 84 anos. “A pandemia me deixou mais frágil e introspectiva. Meu pai está envelhecendo e perdendo aos poucos muitas habilidades, limitando sua capacidade de resolução de problemas simples do dia a dia”, explica a médica.
“Às vezes me sinto culpada por estar tão longe”, revela a médica.
A médica clínica conta que o pai dedicou boa parte da vida à família e ao trabalho, mesmo sem demonstrar carinho aos filhos cotidianamente. Em um dos momentos mais importantes da vida da filha, quando a então estudante soube que tinha passado no vestibular de medicina, em 1988, ele estava do lado. “Ficou comigo na porta da faculdade esperando até que fosse divulgada a lista dos aprovados. Lembro que nos abraçamos e eu fiquei muito aliviada, pois ele e minha mãe fizeram muitos sacrifícios para investir na nossa educação”, recorda.
Nascido em Junqueiro (AL), Juradyr conheceu a esposa, dona Carminha, aos 30 anos e seguem casados há 52. Além de Leilah, o casal também gerou Rodrigo, de 43 anos. “A relação dele com a minha mãe tinha e ainda tem algumas dificuldades por serem pessoas muito diferentes, mas sempre houve respeito e cuidado de um com o outro, apesar dessas diferenças”, considera.
Enquanto transcorre a entrevista, Leilah conta que mesmo ela estando prestes a completar 50 anos, os pais seguem cuidando de longe tanto dela quanto de Rodrigo, que vive atualmente no interior de Pernambuco. “Acabei de falar com minha mãe para saber dele [o pai]. Tão frágeis. Eles envelheceram e já não temos mais tanto tempo para compartilharmos juntos”, reflete a médica.
Alagoana Leilah Cristine Vieira Barbosa se formou em medicina e mora em São Paulo
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