Desperdício de água aumenta pelo terceiro ano seguido no Brasil; prejuízo chega a R$ 12 bilhões, aponta estudo
Perda foi de quase 40% de toda água potável tratada no país em 2018, segundo o Instituto Trata Brasil. Dados apontam que países mais desenvolvidos têm níveis inferiores a 20%. O desperdício de água aumentou pelo terceiro ano seguido no Brasil, segundo estudo do Instituto Trata Brasil feito em parceria com a Water.org e obtido com exclusividade pelo G1 e pela TV Globo. Os dados mostram que, em 2015, 36,7% da água potável produzida no país foi perdida durante a distribuição. Já em 2018, o ano mais recente com os dados disponibilizados, o índice atingiu 38,5%.
Isso significa que, a cada 100 litros de água captada da natureza e tratada para se tornar potável, quase 40 litros se perdem por conta de vazamento nas redes, fraudes, “gatos”, erros de leitura dos hidrômetros e outros problemas.
Em 2018, a perda chegou a 6,5 milhões de metros cúbicos de água, o equivalente a 7,1 mil piscinas olímpicas desperdiçadas por dia.
Além disso, como essa água não foi faturada pelas empresas responsáveis pela distribuição, os prejuízos econômicos chegaram a R$ 12 bilhões, o mesmo valor dos recursos que foram investidos em água e esgoto no Brasil durante todo o ano.
Estudo aponta que o desperdício de água aumentou nos últimos anos no Brasil
Fernanda Garrafiel/Arte
Segundo Édison Carlos, do Trata Brasil, os indicadores de perda de água sempre receberam pouca atenção no Brasil. Ele diz que o tema apenas ganhou força durante a crise hídrica de 2014 no Sudeste, mas que diminuir esses desperdícios não costuma ser a prioridade de governadores, prefeitos e empresas.
“A gente tem uma questão climática muito incerta há muitos anos. Os mananciais estão sofrendo. Mas, ao mesmo tempo, a gente insiste em não olhar para esse indicador, que é sinônimo de ineficiência, fruto do descaso das empresas operadores e das autoridades. A solução que encontram é só tirar mais água da natureza, e não diminuir o desperdício”, diz Édison Carlos.
Os dados apontam que, entre 2015 e 2018, a produção de água aumentou 5% no país, o que significa que, para atender a população, as cidades brasileiras precisaram retirar mais água da natureza. Ao mesmo tempo, porém, o volume de água não faturada teve um aumento de 10%, passando de 5,9 milhões de metros cúbicos para 6,5 milhões.
O impacto financeiro ao longo dos anos também subiu de R$ 9,8 bilhões em 2015 para R$ 12,3 bilhões em 2018, uma alta de 25%. “É uma perda financeira grande. Produtos e insumos químicos são usados para tratar a água, sendo que parte dela é perdida”, diz Édison Carlos.
“Além dos problemas ambiental e econômico, ainda tem o problema social. Quando tem muita perda de água no sistema, a pressão das redes não é suficiente para atender os moradores que estão em áreas mais distantes da cidades. E essas pessoas geralmente são mais pobres”, afirma.
E, apesar de os números serem de 2018, Édison Carlos afirma que essas perdas de água, bem como outros problemas de saneamento, como a falta de acesso a água e esgoto, têm relação direta com o atual contexto vivido pelo Brasil por conta do coronavírus.
“Quando chega uma pandemia como essa, as orientações são ficar em casa e lavar as mãos. Mas tem 35 milhões de brasileiros que não têm água. Como lavar a mão assim? Não tem como cumprir as medidas na plenitude”, afirma.
O presidente do Trata Brasil ainda destaca que controlar os índices de desperdício é essencial para conseguir melhorar o saneamento de uma forma geral no país.
Em um cenário considerado nem otimista, nem pessimista, o estudo aponta que, se o país conseguisse atingir a marca de 20% de perdas em 2033, ano que é considerado o prazo de cumprimento de diversas metas do Plano Nacional de Saneamento Básico, o volume economizado seria suficiente para abastecer mais de 30 milhões de brasileiros em um ano.
Esse mesmo volume, que chegaria a 1,8 bilhão de metros cúbicos de água, também seria suficiente para abastecer todas as favelas brasileiras por pelo menos dois anos.
Diferenças regionais
Esse índice de 20%, ou até menos, que consta da projeção do estudo já é, inclusive, encontrado em países mais desenvolvidos atualmente.
Em uma comparação internacional feita pelo Trata Brasil, o Brasil está no mesmo patamar que países como Congo (41,3%) e Peru (35,6%), e bem distante de países como Dinamarca (6,9%), Estados Unidos (12,8%) e Coreia do Sul (16,3%).
Mesmo considerando as possíveis diferenças regionais, nenhuma região do Brasil fica abaixo desse patamar de 20%. A melhor é o Sudeste, com índice de perda na distribuição de 34,4%. Já a pior é o Norte, com 55,5%, que apresenta problemas estruturais e históricos de saneamento básico.
Desperdício diminui, mas grandes cidades ainda perdem mais de 1/3 da água potável
O estudo aponta, inclusive, que o Norte teve uma piora de 14% no desperdício de água entre 2016 e 2018. Os piores casos foram os estados do Amazonas e de Roraima, que tiveram aumento de 48% e 32%, respectivamente, em suas perdas. A perda em Roraima chega a 73% de toda a água tratada.
Lixo jogado em esgoto a céu aberto desemboca no rio Negro; a região Norte têm os piores índices de saneamento do Brasil
Ive Rylo/ G1 AM
“Índice de 70% é sinal de descontrole total. Não tem nenhum controle da água produzida”, diz Édison Carlos. “Qualquer empresa que for entrar nestes estados vai ter que ter um plano muito concreto de redução de perda, senão, não vai conseguir operar. Nenhuma empresa quer colocar dinheiro em um lugar desse porque, com a perda, o dinheiro vai embora.”
O que fazer?
Édison Carlos destaca, porém, que, nestes casos de índices mais elevados, soluções mais simples costumam dar bons resultados. Uma delas é a instalação de válvulas de pressão.
“À medida que a gente gasta mais ou menos água nas casas, as válvulas mandam mais ou menos água na tubulação. Isso reduz o vazamento”, diz Édison Carlos.
Já em estados com índices mais baixos de perda, como a situação já está mais controlada, em muitos casos é necessário investir uma quantidade muito maior de recursos para conseguir baixar um ou dois pontos percentuais.
De uma forma geral, porém, ele destaca que o maior problema é o dos vazamentos nas redes. “Entre 60% e 70% das perdas são por causa de vazamentos. O resto é a perda aparente, que é a fraude, o roubo e os problemas de medição”, diz.
Por isso, segundo o presidente do instituto, é preciso ter dinheiro para combater as perdas. “Tem que substituir tubulações antigas por material mais novo, resistente. Temos que lembrar que o tráfego de veículos pesados aumentou muito nas cidades, e isso exerce uma pressão maior nas tubulações”, diz.
Imagem mostra desperdício de água tratada em vazamento de tubulação em São Paulo
TV Globo/reprodução
“Também tem que comprar medidores mais modernos. Hoje, nós temos hidrômetros muito velhos que, às vezes, marcam ar e não água ou não marcam o volume real gasto pela população ou produzido pelas empresas.”
A outra frente, segundo ele, é o combate às fraudes. “Toda cidade grande tem comércio que frauda relógio para não pagar o valor correto. Muita gente também faz ‘gato’ em áreas irregulares. Aí tem que regularizar o saneamento nestas regiões”, diz.
“Em um momento de pandemia como esse, fica ainda mais claro o quanto a gente precisa resolver o problema do saneamento nas áreas irregulares, como favelas. Porque não adianta falar que a pessoa invadiu a terra, e aí não tem direito aos serviços públicos. Ela não pode morrer por falta de água”, afirma Édison Carlos.
Ele afirma que as cidades podem ser setorizadas. “Tem que fazer um planejamento para ir ‘atacando’ pedaço por pedaço da cidade. Trocando tubulação, instalando válvulas e medidores e combatendo as fraudes.”