De 'ACM meu Mmor' a 'Hilton 50', jingles conquistam votos e ouvidos na Bahia
Você provavelmente irá precisar de alguns segundos ao tentar lembrar dos candidatos que disputaram o governo da Bahia nas eleições de 1990. Mas, caso tenha vivido naquela época, com certeza “você se lembra de mim”.
“Eu nunca vi você tão só”, emendava o jingle que embalou a vitória de ACM naquela eleição, quando derrotou Roberto Santos e Lídice da Mata nas urnas ‘analógicas’.
E não só a trilha sonora dos eleitos se torna enterna. Em 2008, enquanto ACM Neto, Walter Pinheiro e João Henrique disputavam cada voto, quem estava na boca do povo era o reggae “Eu Quero Hilton 50 na Capital da Resistência”.
O jingle não ajudou o candidato do Psol a ganhar muitos eleitores naquela eleição, onde amargou a “lanterna” enquanto via JH sendo reeleito, mas cumpriu a finalidade de espalhar uma ideia e tornar o nome de Hilton Coelho conhecido.
Walter Queiroz, que compõe jingles há 40 anos, explica que a função das músicas de campanha é exatamente essa: transformar ideologia em poesia, ou, em alguns casos, levantar a moral dos apoiadores durante a jornada.
“Os jingles são responsáveis por levar emoção para a campanha. Antigamente, dentro dos comitês, eu via o povo dançando e cantando. Isso elevava a animação, fazendo com que todo o trabalho árduo seja menos desgastante. Não acho que um jingle seja capaz de mudar uma eleição, mas que ele ajuda muito, ajuda”, diz Waltinho.
Com isso, cada candidato usa a campanha musical de uma maneira. Por exemplo: caso um vereador precise fixar seu número na cabeça do eleitor, o jingle irá dar bastante ênfase à legenda. Já para alguém que entra na corrida sem chances reais de se eleger, a música servirá para defender uma ideia ou deixar o candidato conhecido, como Eymael, “o democrata cristão”.
“Os jingles se complementam com o resto da campanha. Toda a engrenagem junta serve para fazer todos os sentidos do consumidor ficarem ligados ao produto, com isso a força de sedução e convencimento é maior. É como se aquele candidato conseguisse suprir todos os seus sentimentos”, explica o jinglista Moisés Souto.
Os jingles se transformaram em uma arma da publicidade entre as décadas de 1920 e 1930, quando o rádio se popularizou. Criada inicialmente para vender produtos, a linguagem musical rapidamente foi apropriada pelas campanhas eleitorais, tanto que, em 1950, Getúlio Vargas contou com a ajuda da marchinha de Carnaval Retrato do Velho para se eleger presidente do Brasil.
Com o passar dos anos, a área cresceu e se consolidou. Hoje, algumas campanhas chegam a gastar mais de R$ 50 mil com compositor, cantor e estúdio para criar um jingle. Em todo o Brasil, esse mercado movimenta milhões de reais a cada eleição.
O que faz um jingle ter sucesso?
“Não existe fórmula infalível. Se tivesse, a gente nunca errava”, brinca Waltinho Queiroz. Mesmo sem receita, alguns ingredientes são indispensáveis. O principal deles é um bom “briefing” dado pelos marqueteiros, explicando detalhadamente qual o objetivo e função da música dentro da campanha.
“A partir disso, a gente cria uma letra que precisa ser chiclete para ficar na cabeça do eleitor. Só que ao mesmo tempo não pode ser chato. É tipo uma música dos Beatles e Florentina, de Tiririca. Ambas a gente já ouviu diversas vezes, só que amamos uma e outra ninguém aguenta mais. Outro detalhe muito importante é que o jingle precisa ser coerente com a pessoa ou produto que ele está vendendo para que o público não se sinta enganado”, observa Moisés Souto.
Além de uma letra bem feita, é muito importante saber escolher bem o ritmo. Nos anos 90, por exemplo, a maior parte das campanhas que miravam um público mais jovem focava no reggae, mas depois virou arrocha e pagodão.
“Por isso o compositor precisa sempre estar ligado no que tá bombando. Além disso, o jinglista precisa ter na cabeça que aquilo não é uma música dele. Ele está vendendo, no caso dos políticos, uma ideia e esperança. Por isso fazer músicas publicitárias é mais transpiração que inspiração. Não adianta nada você escrever a poesia mais linda do mundo se aquilo não vende”, explica o cantor, compositor e jinglista Alexandre Leão.
Cuidados
Em 2020, surgiu a denúncia de que um morador de Tanque Novo, cidade na Chapada Diamantina, estava plagiando jingles. Ele chegava a pegar músicas feitas para um candidato X, trocar o nome por Y e vender como se fosse dele.
Com isso, os jinglistas estão tomando cuidado especial nessas eleições. Desde julho/agosto, quando os compositores são contratados, até o início oficial da campanha, quando os jingles são revelados, o processo ocorre sem sigilo. “Caras como esse violam a lei de direito autoral e irão responder judicialmente. Todos os jinglistas que foram lesados já entraram na Justiça pedindo indenização”, declara Souto.
Relembre alguns clássicos
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ACM Meu Amor
Na campanha de 1990 para o Palácio de Ondina, bastava alguém ouvir “você se lembra de mim?” para, em seguida, emendar “eu nunca vi você tão só; ó meu amor, ó meu xodó, minha Bahia”. Naquelas eleições, Antonio Carlos Magalhães (PFL) vinha de um período como ministro das Comunicações do presidente José Sarney e em seu retorno resolveu apostar num jingle baseado na saudade que o povo tinha do tempo em que ele governava o estado. Deu certo e ele foi eleito com mais de 50% dos votos.
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A Bahia vai Mudar Trabalhando com Waldir
Se ACM apostou na saudade, 4 anos antes, em 1986, o então candidato Waldir Pires (PMDB) resolveu apostar na mudança. Com isso, sua campanha teve o slogan A Bahia Vai Mudar e o jingle levava essa frase em seu refrão. No final, ele acabou sendo eleito governador após receber 66% dos votos.
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Deixa o Coração Mandar
Um dos jingles mais curiosos é o de Mário Kertész (PMDB) nas eleições de 1985 para a prefeitura de Salvador, na qual ele acabou eleito com 61% dos votos. Na música de sua campanha o seu nome não é citado, apenas o slogan “Deixa o coração mandar”. Isso foi uma decisão dos marketeiros que preferiram fazer uma ode a Salvador. Funcionou.
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Vou Votar em Você
Enquanto a campanha de Mário em 85 apostou na poesia, a de Zezéu Ribeiro (PT), em 1988, criou um jingle com um refrão chiclete que se repetia praticamente durante toda a música. O verso “Zezéu, vou votar em você’ ficou na cabeça de todos no ano em que o Bahia foi campeão brasileiro. No final, poucas pessoas de fato votaram em Zezéu, que ficou apenas em 4º lugar, com Fernando José (PMDB) sendo eleito prefeito da capital. Mas a música foi tão marcante e grudou tanto na cabeça do povo que até no velório de Zezéu, em 2015, as pessoas cantaram o jingle.
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Hilton 50
“Hilton tem que agradecer todo dia a Ednei Santana por ter composto esse jingle. Essa música construiu a carreira dele”, define Alexandre Leão. De fato, até as eleições de 2008, em Salvador, Hilton Coelho era desconhecido do grande público e, dificilmente, continuaria com tanta visibilidade após ser o último colocado na disputa, com menos de 4% dos votos.
Mas a música que marcou a corrida vencida por João Henrique (PMDB) foi um reggae gostoso com o refrão inesquecível “Eu quero Hilton 50 na capital da resistência”. Com o nome “catapultado” pelo jingle, o ex-funcionário público conseguiu anos depois se eleger vereador da cidade e, desde 2018, ocupa uma cadeira na Assembleia Legislativa.
*Com orientação do editor Wladmir Pinheiro.