Covid-19, crédito e empresas: 100% de garantia ou a burocracia que mata

O mundo inteiro tem usado a ferramenta do crédito rápido e barato para impedir o fechamento das empresas e, assim, minimizar ao máximo o problema da perda de emprego e renda durante a crise do Covid-19. No Brasil, apesar de iniciativas do Poder Executivo e do Congresso, essa questão ainda está mal resolvida, pendente de aperfeiçoamentos. Há necessidade de desburocratizar e simplificar a concessão dos empréstimos, vencendo o desafio de transformar linha de crédito em dinheiro efetivamente aplicado na vida real da empresas. A solução é aperfeiçoar os nossos programas de crédito e inserir pelo Legislativo a previsão de 100% de garantia pelo Tesouro. Com detalhe importante, sem significar “dinheiro novo” ou aumento do déficit.

Pouco do que foi tentado até o momento funcionou, seja a Medida Provisória 944 ou a votação do Pronampe. A modelagem 85/15 – 85% do risco para o Tesouro e 15 % para os bancos – gerou resultados pífios e soluções quase residuais diante da crise instalada. O que vemos no atual cenário são bancos seletivos em disponibilizar vantajosas linhas de crédito a quem menos precisaria: as grandes empresas com amplo patrimônio e capazes de apresentar garantias sólidas. Por outro lado, há histórica resistência das instituições financeiras em conceder crédito para as micro, pequenas e médias empresas, motor da nossa economia e da geração de empregos.

Para aquelas de menor porte, sobra um alto spread bancário potencializado pelo aumento do risco de inadimplência que a própria crise representa. A operação então não se realiza, seja pela burocracia impeditiva ou pelas extorsivas taxas de juros. Ao empreendedor resta a desistência, ficando o crédito empoçado por quem deveria se esforçar em fazê-lo fluir. Dos R$ 40 bilhões previstos na MP 944, apenas 4% encontraram destino.

Mas o que pode ser feito para que o crédito chegue na ponta com a rapidez que o momento exige?

A garantia de 100% do risco das operações pela União, com o montante a ser emprestado limitado a 33% do faturamento das empresas no período pré-crise. É agilidade com um critério mínimo de responsabilidade, aspecto determinante para superar a burocracia impeditiva do nosso sistema financeiro e evitar o empoçamento das linhas de crédito. Com 100% de garantia do Tesouro e risco inexistente, as instituições financeiras, especialmente os bancos públicos, poderiam repassar o dinheiro com praticamente a mesma taxa Selic, atualmente em 3% ao ano, sem burocracia, acrescido de algum custo operacional residual, um verdadeiro sonho aos olhos do empreendedor nacional.

E atenção, não há flerte com a irresponsabilidade fiscal. Não se trata de “dinheiro novo” mas utilização das linhas de crédito já disponibilizadas pelo governo para fins similares, num total de cerca de 50 Bilhões previstos na MP 944 e no Pronampe, porém intocados devido a ineficácia do modelo adotado. Portanto, ao contrário do que os mais fiscalistas possam alardear num primeiro impacto, essa cobertura total será menos onerosa ao governo do que toda a procura por novos benefícios e transferências de renda que surgirão do desaparecimento em massa das empresas e perda de empregos e renda. O Governo não pode ser refém dessa visão de curto alcance, uma miopia financeira que o impeça de perceber que se perder o timing e deixar a economia sucumbir em um cenário de terra arrasada, o custo de reerguê-la será potencialmente maior.

Ao governo duas opções de futuro: a primeira, assumir o risco do financiamento da sobrevivência das empresas e eventualmente arcar com perda fruto da inadimplência, porém recuperar a maior parte do recurso emprestado; ou a segunda, mais adiante ter de realizar, a fundo perdido, socorro emergencial e resgate das empresas de pequeno porte tão essenciais ao ecossistema economicamente ativo. Essa decisão jamais pode se restringir a números de uma mera equação financeira. Ela tem contornos socioeconômicos, também é decisão política e requer o exercício da liderança de quem comanda os destinos de uma nação e tem o dever de apontar uma rota de saída para a crise: governo, Congresso e sociedade juntos.

O sacrificado empreendedor brasileiro fica a vislumbrar, tal qual o menor carente diante da vitrine do shopping, as linhas de crédito: tão perto, mas tão longe… nesse caso empoçadas nos bancos. Com o crédito garantido, a imensa maioria dos empreendedores irá sim se esforçar para se manter ativos, fazer a travessia dessa crise, cumprir seus compromissos, pagar o que deve e de forma honesta manter seu nome limpo. Partir do pressuposto que as empresas irão optar pela fraude, é igualmente negar a essência do empreendedorismo. Aos criminosos, as sanções. Outro argumento crucial é de que a garantia de 100% das operações pelo Tesouro vai premiar o verdadeiro esforço de quem trabalha para produzir. Evitará a migração do resultado do setor produtivo para alavancar os lucrativos balancetes recheados do sistema financeiro, quiçá um dos raros a apresentar resultados portentosos ao fim do ano.

Diante do exposto, a minha iniciativa e da FCS – frente parlamentar do Comércio e Serviço – será em trazer para o mundo real medidas como os 100 % de garantia pelo Tesouro, através da ação legislativa. Em tempos de Covid19, as regras atuais inibem o acesso das empresas de menor porte ao fôlego financeiro que poderia tirá-las da UTI e salvar o seu cnpj. As empresas que felizmente ainda sobrevivem não podem mais esperar.

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