Conexões Negras: ‘A gente discrimina o outro pela linguagem’, diz doutora em Letras

Professora aposentada do curso de Letras da Uneb e referência no campo da educação para a temática étnico racial, Nazaré Lima foi a quarta convidada do programa de lives Conexões Negras, do CORREIO, apresentado pela colunista Midiã Noelle. No bate-papo desta sexta-feira (25), ela conversou sobre seu ingresso na carreira acadêmica, como nos utilizamos da linguagem para oprimir e libertar e ainda relembrou o processo de lutas do movimento negro local para a introdução do estudo da história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares do país.

Doutora em Letras e Linguística pela Ufba, ela conta que, na década de 1990, a pauta da educação começou a ser vista mais intensamente como o canal primordial para superar o racismo no Brasil. “Nós temos então só cerca de 20 anos que o Brasil admitiu que é um país racista. As desigualdades raciais nos impedem de ter uma educação bacana. Não é sobre ser rico, mas sobre ter mercado de trabalho, moradia digna, acesso à saúde, cultura, e tudo passa pela educação. O racismo atrapalha o desenvolvimento de um país”, disse.

Ainda hoje, bullying e discriminação são temas caros que as escolas em todo o mundo debatem e tentam enfrentar. Para a professora, combater essas práticas são essenciais na quebra do racismo. Citando Nelson Mandela, ela defendeu que, se não se nasce racista, é preciso que os colégios invistam cada vez mais no ensino da questão racial para que a sociedade pare de impedir que pessoas negras sejam vítimas de opressões diversas.

““A linguagem é um espaço forte de poder. A gente discrimina o outro pela linguagem, quando você diz que o outro não é gente, que não vai merecer nada, quando diz por qual elevador a pessoa vai entrar. Mas ela também institui a liberdade, quando se fala contra a violência. Falar de desigualdade racial nas escolas é a mola para fazer com que a sociedade gire de um modo diferente do que gira. Porque, hoje, ela gira negando direitos, negando sonhos. Precisamos pensar numa educação para todos, para que todos desenvolvam as suas potencialidades”, insistiu. 

Relembrando a sua vida na cidade natal, Nazaré das Farinhas, no Recôncavo, a professora recordou de tempos em que a autoestima de ser negro era baixa e as opções profissionais eram limitadas. 

“Para jovens adolescentes negras do interior, como eu, o caminho era ou o trabalho doméstico ou virar professora. Tive incursões no trabalho doméstico, mas tratei logo de me virar. Pessoas negras vão sendo conduzidas para determinadas profissões, a maioria das professoras de ensino fundamental eram negras. Ser professora foi a opção possível, e amei ser professora, mas era a profissão que homens e mulheres brancas não queriam porque pagava pouco”, contou.

Corretora de redações na primeira turma de professores do curso Steve Biko, Nazaré conta que membros do movimento negro da década de 1990 faziam inúmeras investidas com viagens à Brasília, no Ministério da Educação (MEC), para convencer o órgão de que era preciso fazer mudanças nas matrizes curriculares para incluir a história afro-brasileira. 

Duas décadas antes disso, Salvador já efervescia nessa questão com a origem dos blocos afro, como o Ilê Ayiê e Olodum, que cantavam a negritude e expunham com orgulho os corpos e as narrativas negras pelas ruas. Então, antes da conquista da Lei 10.639/2003, assinada no governo Lula, instituindo a obrigatoriedade do ensino, professores e professoras que tinham vínculos com terreiros e organizações, já tentavam ensinar sobre a África em suas aulas.

“Então, essa lei nasceu da iniciativa de movimentos negros, de incluir o que não se falava. A gente não sabia de nada de África, não se falava na mídia e nem mesmo nos cursos de História. Nenhum governo antes teve sensibilidade para isso. Quando Lula assumiu no Ano Novo, uma semana depois ele assinou a lei e surpreendeu até o movimento negro porque já se tentava há muito tempo”, lembrou. 

As diretrizes curriculares sobre o tema foram então elaboradas pelo Programa de Educação para a Igualdade Racial (Ceafro/Ufba), do qual ela também fez parte, e produziu uma diversidade de materiais que, inclusive, orientou outros estados do país.

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