Como será o ‘novo normal’ da atividade física? O online vai continuar?

Bruno Doria, Alice Suzart, Rafael Pereira e Isadora Somensi conversaram com o CORREIO

‘Adaptado’ e ‘remoto’ são termos que entraram de vez para o nosso vocabulário desde março, quando começou todo o contexto de isolamento provocado pela pandemia da covid-19.

Natural, já que muitas atividades do nosso dia a dia tiveram que prosseguir de maneira adaptada e remota, como o próprio trabalho em home office, as aulas e os exercícios físicos.

Quase todas as atividades físicas deram um jeito de seguir online e de maneira adaptada. Seja o Crossfit, o treino funcional, as lutas em geral, dança ou yoga. Se não tem tatame ou box, usa a sala ou varanda. Se não tem peso ou barra, usa um objeto de casa.

Como será o amanhã? Responda quem puder. Realmente, saber se essas novas formas de praticar uma atividade física serão mantidas quando tudo voltar ao normal ainda é impossível.

Mas o CORREIO conversou com instrutores de diferentes modalidades que estão dando aulas 100% online. O objetivo é saber deles:

Será que o treino remoto vai entrar de vez no portifólio das atividades físicas oferecidas pelos profissionais? Ou é meramente uma onda da pandemia?

Opinião de quem regula

Para o Conselho Regional de Educação Física (CREF/BA), a adaptação ao treino remoto foi a única saída para que os profissionais da área continuassem atuando durante a pandemia e, portanto, não perdessem completamente a sua renda.

“A gente teve que se adaptar a muitas coisas nesse período, inclusive ao treinamento online. Óbvio que é um momento inédito e que ninguém estava preparado para isso. Portanto, não tem nada regulamentado nesse sentido, mas a sociedade funciona assim: surge uma conduta nova para depois vir uma norma e regulamentá-la”, diz o presidente do CREF/BA, Rogério Moura.

“Mas chamo a atenção que a prescrição do exercício físico de qualquer forma, seja online, seja presencial, continua uma prerrogativa do profissional de educação física. Então é o conselho que deve fiscalizar essa atividade”, completa.

Sobre a pergunta crucial – se as atividades remotas vão continuar ou não no ‘novo normal’ –, Rogério Moura acredita que elas vieram para ficar: “Tenho certeza. É um novo ‘player’, vamos aumentar o leque de opções e acho importante que isso ocorra. Todo momento de dificuldade gera novos modelos de convivência, novos modelos de trabalho e nós temos que nos adaptar”.

“O que entendo é que ela vai seguir, mas não será nesse volume atual. O que estamos vivendo é um ‘boom’ do treinamento online por conta das limitações. Acredito que a busca pelo treino online tende a diminuir quando as academias e centros de atividade física forem reabertos. Até porque a aula presencial é fundamental para instrução do próprio exercício”, completa.

Cuidado nunca é demais

O presidente do conselho de educação física alerta para o principal perigo do online: o de seguir treinamentos de quem não tem formação na área. “A gente orienta que o profissional, ao oferecer o serviço online, divulgue o seu número de registro no CREF, para salvaguardar a sua profissão. E que os alunos, ao receberem a proposta de treino remoto, procure no sistema do CREF ou do CONFEF (conselho federal) se aquele profissional tem ou não registro”.

“Em que pese toda a novidade desse momento, cautela e prevenção nunca é demais. A situação mudou, o treino é online, difícil de regular ainda, mas temos dispositivos legais que protegem a sociedade. Temos que evitar prejuízos à saúde causados por pessoas que não têm formação e ainda assim prescrevem exercícios físicos”, completa Rogério Moura.

ATIVIDADE POR ATIVIDADE

Quem se atirou à nova era garante: não tem volta. As aulas online chegaram para ficar, e todos os profissionais entrevistado pelo CORREIO já se planejam para continuar oferecendo o serviço no chamado ‘novo normal’.

Bruno Doria oferece aulas de funcional (Foto: Reprodução)

TREINAMENTO FUNCIONAL

Assim que as atividades presenciais foram suspensas, em março, Bruno Doria (@brunodoriabodytraining) passou a atender os seus alunos de treinamento funcional pela intenret. Criou um grupo fechado no Instagram e começou a enviar para eles os vídeos com as atividades.

“Comecei a vender o acesso nos primeiros dias. Assim como ocorreu com tantos professores, minha renda caiu drasticamente e tive que apostar num produto online”, conta. Hoje, quatro meses depois, ele tem uma plataforma digital que já recebeu mais de 2 mil inscritos. Nela, Bruno vende pacotes de 15 dias, com aulas diárias de funcional por videoconferência.

“Foi um sucesso muito grande. A cada pacote o número de participantes aumenta. Estamos na quinta edição e já estamos preparando o sexto pacote de 15 dias”, conta.

Bruno Doria não tinha experiência com aulas online antes da pandemia. “Eu dava consultorias online para alunos de musculação, mas era algo individualizado. Eu vinha estudando há dois anos lançar um projeto online para grupos de funcional, faltava só essa circunstância para dar um start”, comenta.

O instrutor nem pensa em abrir mão da plataforma quando a pandemia passar: “Vou continuar oferecendo sim, deu super certo e os próprios alunos estão pedindo para que continue. Acho que pelo receio de como será o ‘novo normal’, mas também pela relação de confiança que criei com eles”.

“Existem vários perfis de alunos. Alguns deles eu acredito que sim, vão continuar consumindo o produto online mesmo depois da pandemia. Era algo que já vinha se desenhando no mercado e as circunstâncias adiantaram o processo. É realmente a tendência”, conclui.

Rafa Pereira é personal trainer de forma remota (Foto: Reprodução)

PERSONAL TRAINER

Rafael Pereira (@pereirarafael89) já fez um pouco de tudo no meio esportivo. Já foi jogador profissional e atuou como preparador físico em clubes baianos de futebol. Hoje, trabalha como personal trainer e, claro, foi prejudicado pela suspesão das atividades presenciais com os alunos.

“Eu já tinha uma plataforma online pela qual enviava treinos para meus alunos do personal. Só que nunca foi o carro-chefe do meu trabalho. O forte sempre foi o presencial. Só que com a pandemia a coisa inverteu. O que eu usava como apoio virou principal fonte de renda”, conta.

Desde então, Rafa tem oferecido diferentes planos, a depender do gosto do aluno: “Tenho desde consultoria, na qual prescrevo o treino de acordo com o corpo da pessoa e acompanho, até aulas de funcional em grupo, usando só o peso do corpo, que faço por videoconferência. Faço também aulas individuais, em que o aluno faz o exercício junto comigo, como personal”.

A circunstância da pandemia mudou vida de Rafael: “Acredito que o online seja algo que veio para ficar e mudar para sempre o trabalho do profissional de educação física”.

“É uma ferramenta que se for bem usada vai nos auxiliar demais. Como em todas as áreas de trabalho, quando vem uma novidade tem gente que abraça e muita gente que não. Quem aproveitou agora para se profissionalizar vai ter um benefício muito grande no futuro”, afirma.

Rafa diz que não tem nem a opção de largar o método online: “Alguns alunos meus que eram presenciais já me disseram que quando as coisas voltarem ao normal vão continuar com treino online. Hoje, tenho alunos de outros estados. Se não fosse o online, jamais teria acesso a eles. E já me deram certeza de que vão continuar comigo”.

Alice Suzart adaptou aulas sem pole dance (Foto: Reprodução)

POLE DANCE

E quando a modalidade exige um equipamento bem específico? É o caso do ballet clássico, que precisa de uma barra horizontal presa à parede, por exemplo, e principalmente do pole dance. Tá até no nome: pole significa mastro em inglês e é necessário para quase todas as acrobacias da atividade.

Por isso, as instrutoras do Flutuarte Pole Estúdio (@flutuartepoledance) tiveram que se desdobrar para adaptar a atividade ao remoto, uma vez que pouquíssimos alunos tinham o pole instalado em casa. “A gente teve que fazer alterações na grade. Investimos num número maior de aulas de dança no chão, aulas de flexibilidade e força, que podem ser feitas com coisas de casa”, diz Alice Suzart, sócia.

O desafio tem sido um aprendizado para quem até então nunca tinha dado aulas online: “Tem sido um exercício bem forte para a nossa criatividade. A gente já fez dança na cama, na cadeira, aula de fortalecimento com cabo de vassoura e saco de arroz… Fiquei muito surpresa como a gente é capaz de ensinar e aprender à distância. Não conhecia esse modo e tem sido muito positivo”, conta Alice.

No meio dessa missão de adaptar a modalidade à nova forma, a instrutora conta que o estúdio obteve benefícios do online: “Uma possibilidade incrível que as aulas remotas trouxeram foi o intercâmbio de experiências com pessoas de outros estados. É um encontro do pole nacional. A gente já deu aula para um estúdio do Rio de Janeiro, semana que vem vamos receber instrutoras de Sergipe”.

“Acho que a aula online veio para ficar. Estou muito ansiosa para voltar às aulas presenciais, eu gosto mais. Mas, de fato, a aula gravada dá mais flexibilidade, é mais interessante para quem tem filho pequeno e agenda imprevisível”, reflete Alice.

Quando o ‘novo normal’ chegar, o estúdio deve manter as aulas remotas: “Nossa retomada com certeza será gradual. A gente não vai voltar logo a ter salas cheias como antes. Vamos diminuir o número de alunos. Então vamos manter o online, pelo menos por um tempo”.

Isadora Somensi tem dado aulas de Muay Thai ao vivo (Foto: Reprodução)

MUAY THAI

Isadora Somensi (@isasomensi) é atleta de Muay Thai há 15 anos e professora há cinco. Apesar da experiência na modalidade, nunca se imaginou dando aulas online: “Sempre teve esse estigma de que a aula de luta precisa de professor perto, saco de pancada etc. Antes da pandemia, havia uma resistência contra o trabalho à distância. Na real, nunca fomos forçados a pensar nisso antes”.

Segundo ela, a adaptação à nova tecnologia veio não só por necessidade, mas também por demanda. “Logo que começou a se falar de coronavírus, passei a testar movimentos em casa, busquei uma forma das alunas treinarem em casa mesmo sem saco, luva ou tatame. E quando a pandemia começou, passei a enviar vídeos. Só que a gente pensava que aquela situação ia durar um mês, né?”, conta Isadora.

Com o agravamento da pandemia, as alunas começaram a formar grupos e a combinar horários para que as aulas fossem mantidas por videoconferência. Aí, a coisa toda deslanchou: “Acho que foi uma adaptação muito bem feita. Porque passei a fazer lives no Instagram e peguei alunos de outros estados do Brasil. Tem gente de Fortaleza, Curitiba e São Paulo”.

Para Isadora, não tem volta: as aulas online vão continuar. “Esse mercado está cada vez mais aberto. Não só para a modalidade com a qual trabalho, mas para todas. Quem é atleta e quer lutar vai querer voltar ao treino corpo a corpo. Mas quem faz Muay Thai pelo exercício, dá para adaptar tranquilamente para treinar em casa”, afirma.

“Eu arrisco dizer que nos próximos 12 meses, talvez até dois anos, a situação de voltar para a academia vai ser bem complicada. Eu, Isadora, prefiro estar na minha sala, com minhas alunas em segurança, do que num quadrado de plástico na academia”, diz a instrutora.

Quebrado o estigma, a instrutora faz um apelo aos colegas de luta: “A classe tem que ajudar os alunos a se estimularem em casa e realmente evitar os treinos na rua, colocando pessoas em risco. Todo mundo está preparado para esse boom digital. Tudo o que se treina em academia é possível de fazer em casa”.