Combate ao coronavírus coloca 10 setores econômicos e grandes fortunas na mira de deputados

SÃO PAULO – A crise provocada pelo avanço do novo coronavírus e as críticas direcionadas a respostas tímidas e lentas dadas pelo governo federal aos novos problemas reforçaram a busca por protagonismo do Congresso Nacional na cena política.

Apesar de uma relação conflituosa com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a nova conjuntura fez com que parlamentares buscassem dar celeridade a encaminhamentos feitos pelo Poder Executivo e apresentassem suas próprias soluções à crise.

Nos últimos dias, os legisladores aprovaram um programa de renda básica emergencial de R$ 600 a trabalhadores informais e avançaram com o chamado “orçamento de guerra”. Já está na pauta a discussão sobre um programa de ajuda aos estados, conhecido como “Plano Mansueto”, além de uma série de medidas provisórias assinadas pelo presidente. Mas nem tudo encontra consenso entre os deputados e muitas proposições preocupam o setor privado.

Um levantamento feito pelo InfoMoney, com base em dados disponíveis no sistema da Câmara dos Deputados, localizou ao menos 75 proposições legislativas de deputados com impactos sobre dez setores específicos da economia, além de seis iniciativas com efeitos transversais. Elas correspondem a pouco mais de 15% de tudo que foi produzido pelos deputados nas últimas quatro semanas para o enfrentamento da Covid-19.

Os setores mais lembrados pelos legisladores são: energia elétrica, com 31 propostas apresentadas; saneamento básico, com 29 propostas; e setor financeiro, com 17 propostas. Mas também há proposições com impactos sobre empresas de telecomunicações, educação, planos de saúde, hotelaria, consumo e imobiliárias. O levantamento foi feito com base nos dados disponíveis na última quinta-feira (2).


* Fonte: Câmara dos Deputados/InfoMoney

Das 75 proposições identificadas, 26 têm impactos sobre mais de um setor. No caso de saneamento básico, energia, telefonia e planos de saúde, os mais frequentes tentam impedir a suspensão da prestação de serviços por conta de inadimplência (em alguns casos, restrito a determinados segmentos da população) ou uma majoração dos valores cobrados.

Já no setor financeiro, há propostas para suspensão de pagamento de empréstimos, proibição de negativação de pessoas físicas ou jurídicas por inadimplência, suspensão na cobrança de dívidas financeiras e de tarifas e juros sobre determinadas operações bancárias.

No segmento de habitação, há proposições que suspendem o pagamento de parcelas de financiamentos imobiliários e iniciativas que impedem a decretação e o cumprimento de ordens judiciais de despejos de locatários.

Em educação, há proposições que vão desde a dispensa de pagamento de amortizações de financiamentos e encargos a estudantes beneficiários do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) até a obrigatoriedade de concessão de desconto nos valores das mensalidades de um curso presencial no período de combate ao coronavírus. Há também proposições para redução de mensalidades de instituições privadas de ensino fundamental e médio.

Há ainda propostas para suspender a cobrança de pedágio em rodovias federais – na maioria dos casos, restrito a grupos específicos, como de profissionais de transporte de alimentos, combustíveis e medicamentos.

Outro caminho apontado é o da majoração de impostos sobre determinados produtos. É o caso do PL 897/2020, de autoria da deputada Rejane Dias (PT-PI), que impõe alíquotas mais elevadas da Cofins sobre operações de venda no mercado interno e importação de bebidas alcoólicas e cigarros, como forma de direcionar recursos para ações de saúde.

Ao todo, representantes de 18 partidos distintos assinam as 75 proposições mapeadas. Deste grupo, lideram a lista as siglas de oposição. Deputados do PT são autores de 16 propostas com impactos em ao menos um setor, o que corresponde a 21% do total. Na sequência, aparecem os parlamentares do PSB, com nove propostas (12%), e do Pros, com seis (8%). DEM, PCdoB, PDT, PSDB e PSL têm cinco propostas cada, o que equivale a 7% do total.

Pautas transversais

Mas é de uma liderança do centro que vem uma das proposições mais comentadas entre empresários e investidores. Trata-se do PLP 34/2020, de autoria do deputado Wellington Roberto (PB), líder do PL na Câmara dos Deputados. O texto institui o empréstimo compulsório a empresas com patrimônio líquido igual ou superior a R$ 1 bilhão, para atender às despesas causadas pela crise da Covid-19.

Pela proposição, o governo estaria autorizado a cobrar o equivalente a até 10% do lucro líquido apurado por essas companhias nos doze meses anteriores à publicação da lei. O Ministério da Economia ficaria responsável pela definição das alíquotas a serem aplicáveis a cada setor. Os valores seriam restituídos aos respectivos contribuintes em um prazo de até quatro meses, a contar do fim da situação de calamidade pública, corrigidos pela Selic.

No texto, Wellington Roberto chama atenção para medida anunciada pelo governo que permite redução salarial de trabalhadores para a manutenção de empregos formais e diz que outros segmentos da sociedade devem contribuir com a situação. “Certo é que parcela da população mais humilde tem sido exposta a sacrifícios evidentes (…). Nesse sentido, é imperativo de justiça que setores mais afortunados e com maior capacidade contributiva sejam chamados a colaborar com os desafios ora enfrentados”, argumenta.

O levantamento do InfoMoney localizou outras cinco proposições com impactos transversais apresentadas pelos parlamentares como forma de responder aos impactos da crise provocada pelo novo coronavírus. Dois deles retomam o antigo debate sobre grades fortunas – um cria uma forma de tributação para este caso enquanto o outro estabelece um modelo de empréstimo compulsório.

Outras duas propostas tentam proibir a majoração injustificável nos preços de produtos e serviços durante todo o período do reconhecimento de estado de calamidade pública. Há ainda um projeto que determina estabilidade de empregos no setor público e privado enquanto durar a situação de pandemia pela Organização Mundial da Saúde.

O avanço da pandemia do novo coronavírus sobre o país deflagrou em grupos de parlamentares um sentimento de que há segmentos da sociedade sofrendo de forma muito mais intensa os efeitos da crise do que outros. Para muitos deputados e senadores, há setores que ainda não deram sua parcela de contribuição na superação da crise e que a cobrança por uma participação mais efetiva seria um pleito justo.

Outros avaliam que o movimento arrefeceu nos últimos dias, mas cumpriu um propósito de “chacoalhar” o setor privado em meio à crise. “É um tema que, com todos os defeitos, provocou um debate sobre a necessidade de o andar de cima da população brasileira também dar sua parcela de contribuição nessa crise, senão através de um mecanismo de empréstimo compulsório, mas talvez através de uma manifestação voluntária”, defende o deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM).

Para o parlamentar, o desafio será encontrar um ponto de equilíbrio sobre como agir diante de medidas com impactos setoriais, tendo em vista a necessidade de grupos vulneráveis da população fortemente impactados pela crise e as condições das empresas e da própria economia. “Temos que ter responsabilidade e não podemos aproveitar esse momento de crise para suspender todos os pagamentos de todo mundo”, diz.

“Quando você suspende o pagamento de mensalidade de escola, você faz para quem perdeu e quem não perdeu o emprego. Você quebra a escola. Quando suspende o corte de serviços públicos indiscriminadamente, também corre o risco de isentar quem pode pagar e quem não pode pagar. Claro que a crise vai atingir uma parcela majoritária da população, mas tem uma parcela que vai continuar tendo renda e tem que continuar honrando com seus compromissos. É preciso muito cuidado e uma avaliação muito criteriosa”, conclui.

Preocupação

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem criticado a adoção desordenada de medidas com impactos sobre setores específicos da economia. Para ele, os riscos de promover uma desorganização do setor privado precisam ser levados em conta antes de qualquer tomada de decisão.

“Há muitas demandas para não pagar luz, para não pagar telefone. Tem que tomar cuidado como se faz essa intervenção. A questão dos aluguéis: como faz para adiar? Pode adiar? O que significa isso? Porque se está colocando renda na sociedade, certamente essa renda é para que todos possam garantir minimamente seus compromissos”, disse em videoconferência organizada pelo banco Santander na semana passada.

“Precisamos primeiro esperar que essa parte toda seja executada, para avaliar, em um segundo momento, como fica essa relação privada e suas demandas, por parte da sociedade”, defendeu.

Entre a equipe econômica do governo há preocupação com os riscos de uma onda de calotes. Ao participar de videoconferência com empresários do setor de varejo no último sábado (4), o ministro Paulo Guedes (Economia) disse que é preciso manter a economia funcionando, sem interrupções nos fluxos de pagamentos.

“Se estamos pedindo refeição, usando os serviços de telefonia, os serviços de telecomunicações, os aplicativos, vamos manter os pagamentos em dia para exatamente não destruirmos, descapitalizarmos, os serviços que estamos usando. Se estamos usando luz, vamos pagar as nossas contas de luz para não sofrermos lá na frente uma descontinuidade”, afirmou.

Segundo o ministro, o governo irá oferecer ajuda aos brasileiros que enfrentarem dificuldades no pagamento de suas dívidas. “É importante erradicar a cultura da moratória, da falência, do não pagamento. Quem tiver dificuldade, nós vamos ajudar a rolar a dívida, vamos suplementar os salários, vamos triplicar o valor do Bolsa Família com o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600. Vai ter dinheiro para todo mundo”, complementou.

Posição similar tem o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Em live organizada pela XP Investimentos, ele fez uma defesa da manutenção dos contratos em vigor. Segundo ele, se a quebra de contratos for levada ao limite, haverá um colapso na economia.

“Algumas empresas estão dizendo que, com a crise, não podem pagar o aluguel, não podem pagar contratos. Nós queremos colocar dinheiro na mão das pessoas para elas honrarem os contratos”, disse. “Se entrarem em quebra de contratos, isso vai ser muito danoso”.

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