Caneladas do governo na área ambiental atingem o agronegócio

A eficiência e a produtividade do agronegócio brasileiro é referência no mundo todo. Há 50 anos, o país era um importador de alimentos. Hoje, ocupa a posição de segundo maior produtor de alimentos do planeta, depois dos Estados Unidos.

E o Brasil pode assumir o primeiro lugar dessa lista – desde que evitemos as caneladas e os erros de comunicação.

Em 1975, a produção de grãos no Brasil foi de 38 milhões de toneladas. Nesta safra, está estimada em 245,8 milhões de toneladas.

Segundo a Embrapa, entre 1975 e 2017, houve um aumento de rendimento (cálculo da razão quilos por hectare) de 346% para o trigo, 317% para o arroz e 270% para o milho.

Na carne bovina, o Brasil tem o maior rebanho do mundo, além de ser o segundo maior exportador.

Poderia citar dados de dezenas de setores. Todos com uma evolução extraordinária. Os números não mentem e nos orgulham.

Na questão ambiental, também somos referência. Dados da International Union for Conservation of Nature (IUCN) mostram que os nove países do planeta com mais de 2,5 milhões de km² de território dedicam, em média, 9% dele às áreas protegidas. O Brasil protege quatro vezes mais.

De acordo com o Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (GITE) da Embrapa, o Brasil é o campeão mundial da proteção ambiental, com 30% de áreas protegidas, entre unidades de conservação e terras indígenas.

Além disso, as áreas protegidas do Brasil recobrem territórios com grande potencial econômico. Não é o caso da maioria dos outros países, onde essas áreas recobrem áreas inóspitas e desérticas (Deserto da Austrália, Deserto da China, Sibéria, Deserto de Sonora e Mojave, Norte do Alasca e Relevos Andinos).

Mas, por incrível que pareça, estamos perdendo a guerra da comunicação dentro e fora do Brasil. A imagem do nosso agronegócio está perdendo valor, se desgastando.

A construção de uma narrativa inteligente não deve ser projeto apenas do governo. Precisamos construir uma narrativa como nação. Informar ao mundo o que fazemos em nosso agronegócio: alta produtividade, uso baixo do território para práticas agrícolas e muita preservação ambiental.

O desmatamento não é e não deve ser tratado como coisa de produtor. É coisa de criminoso. Ele não é feito por gente que possa ser defendida e protegida pelos brasileiros. E, muito menos, pelos governantes.

Os outros países produtores de alimentos estão adorando as caneladas que estamos dando. Registro algumas delas.

Em agosto de 2019, o físico Ricardo Galvão, então diretor do Inpe, foi demitido após questionamento do próprio governo sobre os dados de desmatamento apresentados tecnicamente pelo instituto. Meses após a exoneração, Galvão foi escolhido pela renomada revista científica “Nature” como um dos dez principais cientistas de 2019.

Em recente reunião ministerial, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles defendeu que o governo deveria aproveitar a “oportunidade” trazida pela pandemia do novo coronavírus para “ir passando a boiada” em medidas regulatórias.

Os dados do Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (PRODES), mantido pelo Inpe, indicavam que a taxa anual de desmatamento caiu entre 2004 e 2012, com exceção de 2008. A partir de 2013, o desmatamento voltou a crescer.

Mas, em 2019, ele atingiu o pior indicador dos últimos 11 anos. Comparado com 2018, o desmatamento na Amazônia Legal cresceu 30% no ano passado. E parte de nós brasileiros somos coniventes com a ampliação do desmatamento na Amazônia.

Em geral, nossos adversários no agronegócio criam rótulos negativos para os seus concorrentes. Isso continua a acontecer: o jornal francês “Le Monde”, por exemplo, criticou nossa competente ministra da Agricultura, Tereza Cristina, na semana passada.

Mas, no caso do agronegócio brasileiro, nós mesmos estamos criando esses rótulos. Nós mesmos damos as caneladas.

Nenhum ganho em produtividade ao longo dos últimos 40 anos sustentará as perdas em imagem que estamos produzindo. No interior, usa-se a seguinte expressão: “Parece uma vaca leiteira, que deu 30 litros num único dia, e ao final, chutou o balde e derrubou o leite todo no chão”.

Será que estamos neste caminho, depois de tanto investimento público e privado neste agronegócio que é exemplo para o mundo?

E não adianta fazer publicidade na Europa ou na Ásia. Precisamos corrigir os nossos erros. Você já viu aquela propaganda de prefeitura falando de IPTU? Parece um mundo encantado, mas não reflete a realidade. O cidadão vê e acha uma piada. Resumindo: dinheiro jogado fora. Este tipo de publicidade não é o caminho.

O caminho para reverter o desgaste da imagem do Brasil no exterior está dentro de casa. Existe uma agenda simples e clara: reversão imediata da taxa de desmatamento ilegal na Amazônia e combate ao crime organizado por trás dele.

Natalie Unterstell, mestre em políticas públicas pela Universidade de Harvard, defende a “suspensão das mexidas na governança das políticas ambientais, principalmente nos colegiados, o que passa fragilidade na imagem brasileira”.

Ela dá exemplos: “O Fundo Amazônia desorganizou o comitê orientador e isso travou o fundo. O Fundo Clima tem mais de R$ 300 milhões que não foram gastos no ano passado em energias renováveis, reflorestamento etc, pois o Ministério do Meio Ambiente não reuniu o conselho que define a orientação dos gastos”.

Unterstell afirma ainda: “A desvalorização do Ibama e outros órgãos ambientais dá sinais ruins, prejudicando os bons produtores que estão cumprindo a lei e fortalecem aqueles que estão cometendo ilegalidades”.

Precisamos mudar a nossa narrativa. E é tão simples falar a verdade, valorizar nossos ativos ambientais, ser implacável com criminosos que desmatam.

Há regras que precisam ser desburocratizadas? Sim. Muitas, talvez. Mas fazer mudanças tentando se aproveitar da pandemia é um erro grave.

Precisamos discutir desburocratização com transparência, à luz do dia. Temos um bom exemplo: a Reforma da Previdência. Não foi fácil, mas ela foi aprovada com debate, diálogo e transparência. É o caminho para debater e avançar na desburocratização ambiental.

Porque, como diz Marcello Brito, presidente da Abag, o agro que orgulha aos brasileiros é “legal, moderno e contemporâneo”.

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