Avó e neto, moradores da favela do Morro do Papagaio, passam a quarentena estudando juntos

Maria, de 59 anos, está na 3ª série do ensino fundamental. Brian, de 10 anos, está duas séries à frente da avó. Maria Lopes Teixeira, de 59 anos, faz as tarefas escolares ao lado do neto
Gláucia Carvalhaes/Arquivo pessoal
Duas vezes por semana, Maria Lopes Teixeira pega os cadernos, dá a mão ao neto Brian, sai de casa no Morro do Papagaio, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, e espera pela carona para estudar. Com máscaras, álcool em gel e distanciamento, os dois fazem as tarefas escolares com a ajuda de uma vizinha de bairro.
“Foi uma benção porque a gente não tinha ninguém para nos orientar. Eu estou indo para a quarta série do ensino fundamental. O Brian está no quinto ano. A gente até tentou fazer os exercícios sozinhos, mas erramos tudo (risos)”, contou Maria.
Brian iria cursar a 5ª série do ensino fundamental, mas aulas foram interrompidas pela pandemia
Gláucia Carvalhaes/Arquivo pessoal
A ajuda veio da jornalista Gláucia Carvalhaes, que mora no bairro São Bento. Ela os conheceu por meio do líder comunitário do Morro do Papagaio, Júlio Fessô, e agora os orienta a fazer as tarefas.
“É muito bom ajudar, principalmente pela vontade de aprender dos dois”, disse ela.
‘Eu era uma escrava, né?’
As aulas do projeto Educação de Jovens e Adultos (EJA), frequentadas por Maria, e da Escola Municipal Benjamim Jacob, onde Brian estuda, foram suspensas por causa da pandemia do novo coronavírus.
“Eu estava tão animada para voltar a estudar, sabe? Comecei no EJA em 2018. Neste ano, as aulas começaram em março, mas rapidinho acabaram por causa da Covid-19”, disse Maria.
Maria começou a estudar em 2018 no Ensino de Jovens e Adultos
Gláucia Carvalhaes/Arquivo pessoal
Este é só mais um desafio que a empregada doméstica enfrenta para poder estudar. Quando criança, era obrigada a trabalhar na casa da família onde foi criada, em Berilo, no Vale do Jequitinhonha.
Ela foi abandonada lá pelo pai aos 6 anos de idade. Maria nunca conheceu sua mãe. Nem sabe se tem parentes vivos.
“Eu era uma escrava, né? Eu via os meninos da casa indo para escola e pedia para ir também. Diziam que eu tinha que trabalhar, lavar roupa, cozinhar”, contou.
Ao se tornar adulta, veio para Belo Horizonte na tentativa de melhorar de vida. Teve três filhos. Um deles, o pai de Brian, morreu.
“Brian e eu temos uma ligação muito forte. Um dia, a mãe dele trouxe ele para me visitar e o menino não quis mais ir embora. Somos só nós dois”, disse Maria.
Maria e o neto vivem no Morro do Papagaio, em Belo Horizonte
Júlio Fessô/Arquivo pessoal
Avó e neto estudam juntos. Os dois também passam o tempo dividindo as delícias que Maria prepara.
“A gente continua em casa, de quarentena, comendo e engordando (risos)”, contou a avó.
Morro do Papagaio
Onde fica o Morro do Papagaio, em Belo Horizonte
Juliane Souza/G1
A favela do Morro do Papagaio é uma das maiores de Belo Horizonte. Com 17 mil moradores, ela faz parte de um complexo de comunidades chamado Aglomerado Santa Lúcia, na Região Centro Sul da capital. O Papagaio fica espremido entre os bairros nobres do Sion e São Bento.
A favela ganhou este nome por causa da grande quantidade de papagaios e maritacas que viviam em uma fazenda na região. A propriedade acabou dando espaço para a ocupação.
População: Cerca de 17 mil moradores
Localização: Região Centro-Sul de Belo Horizonte
Origem: O Morro do Papagaio surgiu há 90 anos, segundo moradores. Mas de acordo com a prefeitura, a ocupação se intensificou nos anos 50.