Após confrontos, ministro Mandetta é demitido em meio à crise do coronavírus
O ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta foi demitido do cargo nesta quinta-feira (16), depois de uma longa sequência de confrontos com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em relação ao modo de tratar a pandemia da covid-19 no país. Mandetta era defensor de medidas de distanciamento social, enquanto Bolsonaro é crítico desse posicionamento, afirmando que somente grupos de risco deveriam ser isolados.
A informação foi divulgada pelo próprio ministro em uma rede social. “Acabo de ouvir do presidente Jair Bolsonaro o aviso da minha demissão do Ministério da Saúde. Quero agradecer a oportunidade que me foi dada, de ser gerente do nosso SUS, de pôr de pé o projeto de melhoria da saúde dos brasileiros e de planejar o enfrentamento da pandemia do coronavírus, o grande desafio que o nosso sistema de saúde está por enfrentar”, escreveu Mandetta.
“Agradeço a toda a equipe que esteve comigo no MS e desejo êxito ao meu sucessor no cargo de ministro da Saúde. Rogo a Deus e a Nossa Senhora Aparecida que abençoem muito o nosso país”, prosseguiu.
Mandetta deu entrevista coletiva na quarta-feira (15) já em tom de despedida. “Entramos juntos e sairemos juntos”, disse, se referindo à equipe, ao recusar a demissão do secretário de Vigilância e Saúde, Wanderson de Oliveira.
“Fico até encontrarem uma pessoa para assumir meu lugar”, disse em entrevista à Veja, depois da coletiva. Questionado se não tinha mais como continuar no governo, ele negou. “São 60 dias nessa batalha. Isso cansa”, afirmou.
Nesta quinta, durante uma conferência online realizada pelo Fórum de Inovação Saúde (FIS), ele deu o prazo.. “Temos uma perspectiva de troca aqui no ministério. Deve ser hoje, no mais tardar amanhã, mas enfim, espero se concretizar”, diz.
Passeios
Contrariando orientações do próprio ministro e do governo do Distrito Federal, Bolsonaro fez vários passeios durante o período da pandemia, atraindo aglomerações não recomendadas. Na quinta (9), ele saiu do Palácio do Planalto e foi a uma padaria da Asa Norte de Brasília, onde comeu um pão doce e bebeu refrigerante.
Segundo decreto do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), o comércio pode vender alimentos, mas não é permitido comer no local. Nas imagens, é possível ver que o presidente da República abraçou funcionários do local, cumprimentou pessoas com abraços e apertos de mão, além de posar para fotos. Também há sons de vaias e de algumas panelas em vídeos registrados.
Na sexta-feira, ele foi ao Hospital das Forças Armadas e em seguida passou em uma farmácia. “Ninguém vai tolher meu direito de ir e vir”, afirmou na ocasião.
No dia 29 de março, Bolsonaro já havia quebrado o isolamento ao percorrer comércios em Taguatinga e Ceilândia, regiões administrativas do Distrito Federal. O passeio havia ocorrido um dia após o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, reforçar o pedido para que as pessoas mantenham o distanciamento social.
Bolsonaro tem reiterado seu posicionamento contrário ao isolamento social como método para conter a epidemia de coronavírus. Ele considera que esse método prejudica a economia, responsabiliza os governadores que determinaram o fechamento de lojas e defende a reabertura do comércio.
Cloroquina
Outro ponto de conflito entre Mandetta e Bolsonaro foi o uso dos medicamentos de combate à covid-19. Mandetta recomendava moderação, afirmando que os médicos podem prescrever a cloroquina, mas deve-se entender que o uso do medicamento para o novo coronavírus ainda é objeto de estudo e deve-se ter cuidado ao falar do tema.
“É normal que numa situação como essa as pessoas queiram se agarrar numa possibilidade de cura e solução”, afirmou Mandetta, lembrando que cabe ao médico explicar ao paciente e familiares os possíveis efeitos da cloroquina. “O ministério da Saúde nunca tirou isso da prateleira de ninguém”, diz. “São perguntas que a ciência faz e a ciência responde. Eles afirmam a gente vai dando passos. Não se tirou prerrogativa de ninguém. Quem (médico) achar que deve (prescrever).. Agora, oriente seu paciente, que deve saber os riscos de tudo o que está tomando e perguntar quais são as evidencias. E cada um faz a sua decisão. Nós enquanto coisa pública seguiremos essa máxima”.
O ministro chegou a revelar que foi pressionado a incluir o medicamento no protocolo de tratamento da doença por decreto, o que se recusou a fazer. “Me levaram, depois da reunião lá, para uma sala com dois médicos que queriam fazer protocolo de hidroxicloquina por decreto. Eu disse a eles que é super bem-vindo, os estudos são ótimos. É um anestesiologista e uma imunologista que lá estavam”, explicou.
“(Eu disse) que eles devem se reportar a você (referindo ao secretário Denizar Vianna, de Ciência e Tecnologia da pasta) e que eles devem, nas sociedades brasileiras de imunologia e anestesia, fazerem o debate entre os seus pares. Chegando a um consenso entre seu pares, o Conselho Federal de Medicina e nós aqui do Ministério da Saúde, a gente entra. A gente tem feito isso constantemente”, acrescentou o ministro.
Já Bolsonaro é defensor do uso do medicamento. “Agora tem uma outra coisa esse tratamento começou aqui no Brasil que tem que ser feito, com quem a gente tem conversado, até o quarto ou dia útil [sic] dos sintomas. Passando disso, como a evolução é muito rápida e ele ataca basicamente o pulmão, quando entrar no estado grave ou no estado gravíssimo, a possibilidade de você se curar é mínima, é quase zero”, disse o presidente no início de abril, em entrevista à TV Bandeirantes.