APA questiona parecer favorável do MP para obra de estação de esgoto no Abaeté

Os membros do conselho gestor da Área de Proteção Ambiental Lagoas e Dunas do Abaeté (APA), responsável por fiscalizar iniciativas com impacto direto e indireto ao meio ambiente da região, repudiou o parecer favorável do Ministério Público (MP) à obra de construção da Estação Elevatória de Esgoto no Abaeté. Para os membros, a autorização dada pelo órgão é oriunda de um processo avaliativo parcial e que ignora as ilegalidades cometidas pelos executantes no projeto. Em coletiva, a promotora e os engenheiros responsáveis pela decisão negaram qualquer irregularidade na avaliação.

O projeto da estação, que é de autoria Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder), foi aprovado pela operadora da rede de esgoto no Estado, a Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), e autorizado pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema). Ele consiste na destinação dos esgotos coletados nos estabelecimentos comerciais e públicos do parque do Abaeté no sistema de esgotamento sanitário de Salvador

Para a promotora de justiça Ana Luzia Santana, responsável pelo parecer, a execução do projeto se faz necessária por ser de saneamento básico, tipo de obra que o MP precisa incentivar. “É uma obra de utilidade pública. O saneamento está entre as obras aprovadas pelo congresso nacional por lei. Um procedimento necessário para a despoluição do local, retirando o esgoto para a rede pública de saneamento. E é pelo saneamento que nós temos que lutar para a cidade, para que tenhamos um município saneado. Há um decreto estadual que obriga que todo empreendimento que gere afluentes esteja entroncado na rede pública de saneamento. Então, ainda que em áreas sensíveis, precisamos exigir que os órgãos públicos façam o saneamento da cidade”, declara.

Ana Luiza afirma que obra é de utilidade pública (Foto: Reprodução/MP)

É sob a prerrogativa de se tratar uma obra de utilidade pública que o Inema, ao ser consultado pelo MP, deu inexigibilidade à obra, dispensando estudos e vistorias do impacto na região. No entanto, Lavínia Bonsucesso, conselheira titular da APA, afirma que a área de proteção ambiental é rica em mata atlântica e, por isso, um possível prejuízo ambiental deveria pautar o MP no processo de decisão antes do saneamento. “No caso, entre a mata atlântica e o saneamento, deveria se pautar pela mata atlântica e não pelo saneamento. É prioridade, está na lei. Não dá para ser negligente. Não dá para abrir mão da fiscalização, do controle ambiental por conta do saneamento”, diz.

Risco de desastre
O risco ambiental endereçado por Lavínia encontra-se na possibilidade de que o empreendimento construído pela obra não seja seguro para a vegetação local. Segundo os membros do conselho, que citam a tragédia em Mariana, Minas Gerais, como exemplo, o extravasamento da rede de esgoto elevada traria um prejuízo gigantesco para o Abaeté. Isso é o que acredita Pedro Abib, também membro do conselho gestor da APA, que afirma que o vazamento de obras do tipo da Embasa não é algo incomum. “Quando as represas de Brumadinho e Mariana estouraram, o que os técnicos disseram? Que era cem por cento seguro antes de estourar. Além disso, existe um histórico de extravasamento de estações de esgoto em Salvador, isso é comprovado. Várias outras estações como essa tem histórico de extravasamento, o que nos fez ter um posicionamento contrário”, declara.

Quem também cita o histórico de problemas com esse tipo de estação da Embasa, ao questionar a segurança do procedimento, é Sílvio Roberto Orrico, professor aposentado de saneamento ambiental da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) com experiência de projetos de esgotamento sanitário. “A elevatória é uma casa de bombas. Quando a bomba quebra ou falta energia, o esgoto que chega vai extravasar no local. Eles previram várias salvaguardas, até porque o histórico da Embasa é ruim. Mas, tem um risco. Pode nunca quebrar, mas pode quebrar. Tem gerador, mas muitas elevatórias da Embasa não funcionam quando precisam. E, se não funcionar, o prejuízo é irreparável. Então, por que correr esse risco”, indaga.

Sobre o risco, o engenheiro sanitarista Filipe Lima, que participou da avaliação do MP como perito, afirma que os salvaguardas citados por Silvio formam um mecanismo de segurança muito acima do normal das outras estações da Embasa. “Essa estação, que faz o bombeamento do esgoto para a rede pública, conta com cinco sistemas de segurança. Isso é muito mais do que comumente nós vemos em estações elevatórias”, argumenta. 

Os cinco mecanismos lembrados por Filipe são: a bomba reserva “quente”, que fica dentro do poço de sucção do esgoto e deve entrar em funcionamento imediatamente se a primeira bomba falhar; a bomba reserva “fria”, que fica fora da estação e pode ser instalada rapidamente caso as duas bombas falhem; o gerador de emergência para falta ou oscilação de energia; o tanque pulmão, que é capaz de armazenar oito horas de extravasamento caso todos os dispositivos listados falhem; e o dispositivo de aviso remoto, que avisará telefones pré-definidos se houver uma pane em todos os aparelhos.

Filipe Lima, de camisa azul, defende que a segurança da estação é acima do normal (Foto: Reprodução/MP)

Avaliação parcial
A confiança nos mecanismos de segurança divulgados pelo MP e a não consideração dos riscos ambientais apontados pelo conselho gestor e pela comunidade, que está contra o procedimento, é oriunda de uma avaliação que é questionada pelos que protestam. Lavínia afirma que a montagem de um comitê avaliativo que deixasse de fora os denunciantes colaborou para o parecer favorável, que seria fruto de uma avaliação parcial. “O perito convidou o cliente, que é a Embasa, e o contratante, que é a Conder, além do Inema. Olha a equipe que o MP montou. Ele desprezou o denunciante na comitiva de avaliação. Não convocou câmara técnica e nenhum membro do conselho gestor. Isso é uma deslealdade. É como chamar a raposa para vigiar o galinheiro. Quem tá denunciando o problema foi deixado de lado”, reclama.

Sobre isso, Yuri Melo, coordenador do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente (Ceama), destacou que a condução do processo foi desenvolvida de maneira inquestionável. “A atuação do Ministério Público nesse caso sempre buscou atender os princípios da legalidade e dos princípios constitucionais. O procedimento ocorreu totalmente de acordo com a legislação e foi aprovado pelo conselho superior sem nenhuma ressalva. E a decisão foi completamente fundamentada de acordo com a legislação”, defende.

Apesar da legalidade afirmada pelo órgão, Pedro Abib criticou a postura do MP e questionou a legitimidade do processo. “Eu tenho convicção que essas decisão foi parcial. Na vistoria da obra, o denunciante, que fomos nós, não foi convidado. Apenas a parte denunciada e o governo se fizeram presentes. Só isso caracteriza uma parcialidade. Por mais que afirmem que a decisão está na legalidade, vale ponderar se ela tem legitimidade. O MP é um órgão que precisa defender a população e precisaria rever a legitimidade desse processo”, lamenta.

Sugestões descartadas
Além do risco ao ambiente, os contrários à obra também citam o prejuízo visual na região que, além de ser um ponto turístico de Salvador, é tido como lugar sagrado para as religiões de matriz africana. Por isso, os membros do conselho gestor da APA convocaram o professor Sílvio, que desenhou um projeto de bombeamento de esgoto que não interferiria na visualidade do local como a estação. A proposta foi recusada pelos peritos responsáveis por avaliar possibilidades para a obra. Filipe Lima disse que os peritos avaliaram com cuidado as propostas diferentes, mas entenderam que a estação era a melhor opção disponível. “Nós não encontramos nenhuma outra alternativa que pudesse realizar esse entrocamento na rede pública de outra forma que não essa. Não nos foi apresentada outra alternativa considerada factível que não fosse a construção da Estação Elevatória de Esgoto”, afirma.

Miguel Accioly, professor do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e representante da universidade no conselho gestor da APA, declarou que os peritos buscaram apenas fortalecer a proposta inicial e que a obra dá tratamento convencional à um ponto especial da cidade. “Não houve uma avaliação concreta das possibilidades apresentadas. Os peritos foram buscar elementos para justificar a proposta inicial e não procurar entender o que foi sugerido. Eles estão usando um equipamento correto, mas que, considerado o aspecto cultural, também não é adequado. Não estamos falando de uma lagoa qualquer. É o Abaeté, lugar muito especial para nossa cidade. Merecia um tratamento diferente”, declara.

Responsável por desenvolver a proposta sugerida pela APA e negada pelos peritos do MP, o professor Sílvio acredita que as justificativas dadas na recusa não são razoáveis. A sugestão do professor consiste na utilização de uma prática que, segundo ele, é comum para a Embasa e que poderia ser desenvolvida pela empresa, já que a solução de gravidade é clássica e deve ser sempre a primeira de acordo com Sílvio. No total, a obra custaria quatro vezes menos que a construção da estação. Ao invés R$ 400 mil, custaria R$ 90 mil. 

Projeto sugerido por Silvio ao Ministério Público (Foto: Reprodução/APA)

Na avaliação do professor, faria mais sentido utilizar a rede de esgoto, na Baixa da Soronha, marcada como PV06 e PV07 na imagem acima, e localizada na rua atrás do Abaeté, para fazer o lançamento do esgoto a partir da Casa da Música, PV01 na imagem, por gravidade. Sem necessitar de uma estação elevatória, porque este ponto fica em um local mais baixo do que o dos prédios, referencial utilizado pelos peritos para recomendar a estação elevatória. “Por ter como referencial o meio da ladeira da Baixa do Soronha, onde tem uma rede esgoto, entendi que a melhor alternativa seria fazer uma rede interna que saísse da casa da música e fosse integrada a rede pública naquele ponto da Baixa do Soronha, local que está abaixo do ponto de referência usado pelo governo no projeto, que recomenda a construção da estação. E a rede não passaria pelos prédios, fazendo com que a profundidade da rede não fosse superior a quatro metros, como eles alegaram ao descartar a possibilidade”, explica.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro