‘Ameaçaram me matar com a arma na cabeça’, diz jovem confundido com suspeito de roubo
Dividir uma cama de concreto com outras duas pessoas, defecar em um buraco no chão, ter que queimar plástico para evitar o ataque de mosquitos e ser obrigado a comer com a mão. Se isso é desumano para quem quer que seja, imagine para alguém que, pelo que mostram relatos, evidências e antecedentes criminais, é inocente de um crime.
O estudante Gabriel Silva Santos, 23 anos, foi preso na tarde de sexta-feira (12), próximo à agência da Caixa Econômica Federal do Centro Administrativo da Bahia, acusado de extorsão. A polícia acreditava que ele tentava extorquir a vítima do roubo de um veículo, cobrando R$3 mil para indicar onde o carro estava. Acontece que familiares, amigos e militantes do movimento negro, que realizam protestos em frente a unidade desde a prisão, afirmam que o jovem foi vítima de racismo e preso por engano.
Após passar dois dias e duas noites em uma cela da Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos (DRFRV), Gabriel foi solto na manhã deste domingo (14). Um habeas corpus liminar concedido pela Justiça determinou a imediata soltura do jovem, que vai responder em liberdade. Pela primeira vez, Gabriel – que durante esse tempo foi impedido de manter contato com a família e advogados – pôde falar o que sofreu desde o momento da prisão.
Com Gabriel à frente, manifestantes passaram a manhã de domingo na frente do Tribunal de Justiça (Foto: Tiago Caldas/CORREIO) |
“Eles já desceram do carro atirando. Eu achei que era um assalto. Me imobilizaram com o joelho nas minhas costas e ficaram perguntando sobre um carro”, narra Gabriel, que teria sofrido com ação de dois policiais civis e quatro militares. “Colocaram a arma na minha cabeça e disseram que ia me levar para o Cia para me matar. Deram um tiro perto do meu ouvido para me fazer falar, mas eu não sabia de nada”.
No momento da prisão, Gabriel conta que os policiais forjaram uma pesquisa que supostamente mostrava um mandado de prisão em seu nome. Mas o jovem não tem sequer passagem pela polícia. Levado para a delegacia, Gabriel chegou a ser encaminhado para a audiência de custódia, mas ela nunca ocorreu. Segundo o próprio Gabriel, ele ficou em uma cela com outros sete presos.
Ele conta que teve medo até de dizer onde morava com receio de ser vítima da rivalidade entre facções. Mas, diferente do que aconteceu com a polícia, acabou sendo bem tratado pelos companheiros de cela. “Me deram biscoito, água e disseram para eu ficar de boa”. Gabriel relata que dormiu em uma cama de concreto com outros dois presos. “Tinha quatro camas para sete pessoas. Eu dividi com mais dois”. As necessidades fisiológicas eram feitas em um buraco no chão e, a todo momento, o esgoto transbordava. “Tinha que ficar passando o rodo toda hora”, lembra.
Extorsão
A prisão de Gabriel aconteceu quando o marido da vítima do roubo do veículo foi encontrar o homem que queria lhe extorquir. O homem teria visto Gabriel e apontado como um dos suspeitos que roubou o veículo da esposa dele. Gabriel diz que passou na agência para sacar o seguro-desemprego, falou com o pai por telefone e deixou o local em seguida. Nesse momento, quando passava pelo estacionamento da Secretaria de Educação, ocorreu a abordagem.
A prisão teria sido motivada apenas pela suposta semelhança física de Gabriel, que é negro, com o suspeito de roubar o carro. Até porque Gabriel garante que sequer abordou o marido da vítima. “Quando eu conversei com ele já foi imobilizado. Ele tirou foto minha e mandou para a esposa, que disse que me reconheceu, ‘mas o cabelo tava diferente’. Eu pintei o cabelo de loiro há mais de uma semana”, argumenta Gabriel. O jovem conta que foi à agência sacar o seguro desemprego. Seis meses atrás, ele trabalhava como estoquista de uma loja.
Articulados com entidades antirracistas e do movimento negro, um grupo de cinco advogados passou a atuar em defesa de Gabriel. A essa altura, a prisão em flagrante de Gabriel já havia sido convertida pela Justiça em prisão preventiva e ele corria o risco de ficar ainda mais tempo preso. Mas, com a articulação das entidades, o caso ganhou repercussão nas redes sociais.
Foi o grupo de advogados que entrou com o pedido de habeas corpus liminar para que Gabriel fosse solto. Antes, eles divulgaram uma nota pública (leia abaixo) “Conseguimos o alvará de soltura em quatro horas. Se não fosse a pressão social e das redes sociais, Gabriel estaria preso até agora e estaria na penitenciária Lemos de Brito”, acredita a advogada Maria Eugênia Damasceno Pinto, que é presidente do Coletivo Nacional de Organização Negra (Conegro).
No final da manhã de domingo – já com Gabriel entre eles – amigos, familiares e militantes fizeram um protesto em frente ao Tribunal de Justiça (TJ-BA), no Centro Administrativo da Bahia (CAB). “Eu sabia que poderia passar por isso um dia. Já vi muitos casos acontecerem. Sempre compartilhava porque sei que isso (o racismo) existe”, disse Gabriel. Os defensores do rapaz disseram que ele jamais foi acusado de roubo. O processo gira em torno apenas da suposta extorsão.
Desespero
A mãe de Gabriel afirmou ter sido desesperador e angustiante saber da prisão do filho e ouvir que ele praticava roubos de veículos. “Eu sei quem é meu filho, sei a criação que dei ao meu filho. Disseram que meu filho tava em um carro preto tomando carros de assalto e extorquindo pessoas. Um desespero total. Mas eu sei quem é meu filho e vamos provar a inocência dele”, disse a cozinheira Daniela Lopes dos Santos, 43 anos, mãe também de uma filha de 7 anos.
Gabriel foi recebido com festa no bairro. A família e amigos fizeram uma feijoada para comemorar sua soltura. A Justiça ainda vai apreciar o habeas corpus em favor de Gabriel, que por enquanto é liminar. No dia da apreciação, será feito um manifesto pelo arquivamento da denúncia. Além da ação criminal, a defesa pretende ingressar com uma ação indenizatória. A advogada “Só assim poderemos mudar essas abordagens policiais por conta da pele negra”, afirma a advogada.
Em nota, a Polícia Civil limitou-se a informar que “o homem foi conduzido para DRFRV e autuado em flagrante por extorsão (Art 158). Uma guarnição da Polícia Militar, que o conduziu à especializada, recebeu denúncia de que ele estaria exigindo dinheiro do proprietário, para devolver um veículo roubado no dia 10 de Junho”, diz a nota. “As perícias pertinentes foram solicitadas, pessoas ouvidas e o inquérito será concluído e remetido à Justiça”, conclui. A Secretaria de Segurança Pública informou que vai apurar o fato com rigor.
- Leia a nota pública elaborada pelo grupo de advogados de Gabriel.
GABRIEL SILVA SANTOS, mais uma vítima do Racismo Estrutural, foi preso, quando estava sacando o seu auxílio emergencial nesta última sexta-feira, dia 12 de junho de 2020, e está custodiado na Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos, próximo ao DETRAN, incomunicável, sem acesso aos seus medicamentos, visto que este tem comodidades.
Na DRFV existem com este mais 13 (treze) pessoas, em uma cela que deveria obter apenas sete pessoas, e ainda, destacamos que estes SEIS TESTARAM POSITIVO PARA COVID19!
Não há aqui o Princípio da Ampla Defesa e do contraditório, muito menos, o acesso a audiência de custódia.
Está o Estado Brasileiro cumprindo as legislações constitucionais?
Está o Estado Brasileiro cumprindo SIM o seu plano de encarcerar a juventude negra e ainda de exterminar esta juventude negra!
Informamos ainda que a Dra. Natália Petersen ingressou com a Revogação de Prisão, todavia, a prisão foi convertida.
Assim, a atuação desta equipe de profissionais (Alberto Mariano, Dandara Amazzi Lucas Pinho, Filipe Pinheiro, Maria Eugenia Damasceno Pinto, Paulo Cesar Dos Santos Junior) vem laborando de maneira “pro bono”, visto as ilegalidades da Prisão.
Nós enquanto familiares, advogados e advogadas e sociedade civil repudiamos o que o Estado Brasileiro está exterminando mais um conjunto de vidas.
Dr.Alberto Mariano
Dra.Dandara Amazzi Lucas Pinho
Dr.Filipe Pinheiro
Dra.Maria Eugenia Damasceno Pinto
Dr.Paulo Cesar Dos Santos Junior
#SoltemGabriel