A Terra Tremeu

No último domingo pela manhã, bem cedinho, dia 30 de agosto de 2020, baianos de diversas regiões do estado, incluindo a capital, sentiram a terra tremer. Alguns móveis, utensílios, portas e janelas acusaram tal tremor por breves segundos, assustando pessoas. Pelos menos dois abalos foram registrados, com magnitudes atingindo um valor próximo de 4 na escala Richter, algo atípico.
Equipes de sismologia das Universidades de São Paulo e Federal do Rio Grande do Norte analisaram tais tremores, que são de fato relativamente frequentes, mas muito fracos para serem percebidos. De modo bastante simplificado, a terra é composta de gigantescas placas que se movem quase imperceptivelmente por meio de falhas geológicas. De tempos em tempos estas placas colidem de modo mais intenso, liberando a energia acumulada por meio de tremores.
Estes abalos de baixa magnitude são insuficientes para causar maiores estragos. A escala Richter, em homenagem ao físico americano Charles Francis Richter, foi proposta em conjunto com seu colega, o físico alemão Beno Gutenberg em 1935, e consiste numa escala logarítmica de base dez. Muito simplificadamente, cada unidade nesta escala corresponde a um tremor de intensidade dez vezes maior em termos de energia. Assim, numa escala Richter de magnitude 1, a intensidade vale dez. Quando atinge 2, vale cem, Três, mil. E quatro, dez mil. De certa forma, a intensidade desta escala equivale ao número de zeros após a unidade, vinculado à magnitude. Dito de outra forma, um terremoto de magnitude 9 seria dez vezes mais intenso que um 8, cem vezes mais intenso que 7, mil vezes mais intenso que 6 e dez mil vezes mais intenso que 5. O fator dez indica a presença dos logaritmos. O sismo mais intenso registado atingiu a magnitude 9 na escala Richter, e ocorreu em 22 de maio de 1960 no Chile. Por meio desta escala é fácil perceber quão diferente são as intensidades dos tremores registrados na Bahia em relação a outros eventos já registrados.
A simples menção da palavra logaritmo pode causar tremores e calafrios em boa parte dos estudantes, mas sem necessidade. Este belo conceito matemático foi descoberto há mais de quatro séculos pelo matemático, inventor e teólogo escocês John Napier, oitavo Barão de Merchiston. Embora não exista um sinônimo para esta palavra de termos gregos e latinos, Napier a descreveu de forma única em sua obra “Mirifici Logarithmorum Canonis Descriptio” (“Descrição da Maravilhosa Regra dos Logaritmos”) de 1614. Desde então, promoveu uma verdadeira revolução nas ciências, pois várias leis da natureza são essencialmente logarítmicas, como por exemplo a energia vinculada aos tremores, ou sismos, da escala Richter.
A maioria dos sismos no Brasil ocorre em magnitudes abaixo de 3 na escala Richter, e perceptíveis praticamente via sensíveis instrumentos em laboratórios de sismologia, como os da Rede Sismográfica do Nordeste do Brasil (RSISNE), sem causar maiores transtornos. No entanto, há uma necessidade de se monitorar e estudar tais eventos.
Ainda é bastante difícil prever a ocorrência de terremotos, embora a ciência venha apresentando grandes avanços há quase um século. No entanto, pode-se dizer que este caso específico foi vislumbrado pelo compositor brasileiro Sacramento Pereira (n. 1964) em sua obra imortalizada pelo bloco afro Muzenza em 1988. No refrão da canção o poeta anunciava claramente o que os baianos testemunharam no último domingo: “E a terra tremeu (tremeu, tremeu, tremeu, tremeu)…”
*Marcio Nascimento é professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química e do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA