10 dicas para a criança entender que esse não é um período de férias

Não tem sido nada fácil ser pai e/ou mãe, em tempos de quarentena. De uma hora para a outra, as famílias foram jogadas numa convivência de 24 horas por dia, sete dias por semana, no espaço limitado de uma residência.
Os termos ‘Super-Pai’ ou ‘Mãe-Maravilha’ nunca foram tão adequados. É preciso trabalhar, cozinhar, limpar a casa e ainda entreter as crianças, além de supervisionar para que não façam nenhuma besteira e continuem estudando.
Surgem os desafios: como fazer a criança entender que esse não é um período de férias, que é preciso dar um jeito de trabalhar e estudar de casa? Como explicar que, de uma hora para a outra, não se pode mais brincar num parque ou na rua, que a escola está fechada e que não dá para visitar os familiares e nem os amiguinhos?
O CORREIO conversou com especialistas – psicólogos/as infantis e psicopedagogos/as – para tentar ajudar mães e pais nessa missão nada fácil. Então, elaboramos um guia com dicas e sugestões do que fazer.
Para começar
O primeiro passo é arrumar um jeito positivo de encarar a quarentena. “O efeito emocional negativo da quarentena pode ser reduzido, a depender de como ela é feita. Se for algo imposto, tem mais efeitos ruins. Se for voluntário, se a pessoa entende que tem um papel importante, fica mais fácil”, reflete a psicóloga Helena Martine.
“O básico, então, é conversar com a criança, no nível de entendimento de cada idade, explicando o que é o coronavírus, deixando claro o papel dela na promoção da saúde e que o que estamos fazendo é algo importantíssimo. Com isso, ela com certeza vai entender e cooperar”, completa a especialista.
A psicóloga infantil Lise Freitas recomenda que os pais se antecipem às perguntas e abram o jogo com a criança sobre o coronavírus, mas dentro dos limites para que o papo não gere medo nos pequenos.
“A criança precisa saber porque as aulas foram interrompidas, porque não pode mais sair de casa. Ela não pode ser retirada da rotina assim, sem explicação. Mas, claro, precisa ser adequado à faixa etária. Explicar que tem uma gripe nova que passou por vários países e chegou ao Brasil e que todas as crianças do mundo estão sem sair de casa para ajudar. Sem dizer que é perigoso porque mata pessoas. É só dizer que tem que evitar”, diz ela.
A psicopedagoga Tiza Carreiro destaca que, ao planejar a sua nova rotina em tempos de quarentena, a família não deve tentar dar conta de tudo o que se espera dela, mas sim do que é possível realizar, sem exigências exageradas e estresse.
“A família tem que, antes de tudo, parar um pouco e refletir sobre a sua dinâmica neste momento. O que é possível de se fazer? Nunca generalizar, nunca se basear a partir dos exemplos dos outros. Me preocupa muito a saúde mental das crianças e dos pais que estão em isolamento e que exigem de si um certo comportamento coletivo, uma rotina que pode levar na verdade à angústia”, explica.
A professora da UFBA Patrícia Alvarenga coordena um grupo de profissionais do Instituto de Psicologia da universidade, especializado em comportamento infantil, que tem oferecido apoio psicológico gratuito, por telefone, a pais e mães que estão passando pelos desafios do isolamento, na relação com seus filhos.
Um bom caminho para vencer essas dificuldades não é a rigidez, e sim o tradicional afeto.
“Crianças precisam de atenção e afeto dos pais. O medo e as preocupações dos adultos também as afligem, por isso elas ficam mais vulneráveis e podem precisar se assegurar constantemente de que tudo vai ficar bem. É por isso que elas podem se tornar mais dependentes, em períodos de estresse”, diz a pesquisadora.
10 dicas para lidar com a criança na quarentena
1 – Seja a referência para ela
As crianças prestam muita atenção nos adultos – sobretudo mães e pais – para saberem como lidar com o estresse. Se você se mostrar muito preocupado/a ou irritado/a, seu/sua filho/a também ficará com medo ou exaltado/a. Quando vier alguma aflição à mente e você se sentir nervoso/a, ansioso/a ou irritado/a, faça uma pausa. Afaste-se da criança, busque se acalmar, controlar a sua respiração e converse com algum adulto em quem confie.
“É importante também que mães e pais cuidem da sua saúde mental. Os/as filhos/as e o ambiente em casa serão reflexo deles/as. Vejo muitas pessoas se pressionando para produzir mais por estarem em casa, mas na verdade estamos vivendo uma situação em que todo mundo se sente ameaçado. Conseguir ser produtivo agora vai ser apesar disso, e não por isso” – Helena Martine, psicóloga infantil.
2 – Entenda a cabeça da criança
Ainda que você converse muito com a criança e se esforce para explicá-la as limitações do momento, para ela será impossível compreender o peso de tudo o que está ocorrendo. Por isso, paciência é uma palavra-chave: vai ser normal que, com frequência, a criança fique irritada, birrenta ou com medo, durante o isolamento.
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(Ilustração: Quintino Andrade) |
3 – Seja o apoio emocional que ela precisa
Você já é, e durante essa quarentena será ainda mais, o porto-seguro emocional do/a seu/sua filho/a. Se houver alguém doente em casa ou na família, procure passar segurança a ele/a. Diga que essa pessoa está sendo bem cuidada, que tudo passará e ficará bem. Se a criança se mostrar angustiada com o isolamento, com medo ou simplesmente triste, dê colo, abraços, beijos e cafuné. O afeto físico acalma a criança e dá segurança a ela.
“A melhor saída é dedicar tempo para estar com os/as filhos/as fazendo coisas prazerosas, ouvindo o que a criança tem a dizer sobre a experiência dela com a pandemia e o isolamento, e ajudá-la a encarar essa situação desagradável como um desafio que ela pode enfrentar com o apoio e o amor da família” – Patrícia Alvarenga, professora da UFBA.
4 – Como responder às perguntas da criança
Não tenha dúvida: seu/sua filho/a terá perguntas sobre a doença e o isolamento, mas diante do seu estresse pode ter dificuldades de falar disso com você. Preste atenção e, se notar que ele/a está preocupado/a, incentive-o/a a falar. Crianças podem perguntar várias vezes a mesma coisa. É um jeito de tentar entender ou buscar segurança. Simplifique a situação para ela, mas diga sempre a verdade:
• Diga que algumas pessoas em Salvador estão doentes com uma gripe muito forte, mas estão sendo bem tratadas por pessoas muito competentes e que os médicos estão cuidando de tudo para que isso passe logo;
• A gripe pode passar de pessoa para pessoa, por isso temos que proteger os mais velhos porque eles são mais frágeis para essa doença;
• Todo mundo, adultos e crianças, precisam ajudar para que essa gripe não se espalhe, e é por isso que todo mundo está em casa e não está indo trabalhar nem indo para escola;
• Todo mundo está chateado por ficar em casa tanto tempo, inclusive os adultos, mas é muito importante para todo mundo que façamos isso;
5 – Crie uma rotina para a criança
Converse com a criança e negocie como será a rotina dela. Horário de acordar, refeições, banho, dormir. Momento de fazer tarefas domésticas, tarefas do colégio, de brincar sozinho, de brincar em família. Escolha diariamente alguma atividade para vocês fazerem juntos, como dançar, ler uma historinha, cozinhar, organizar a casa.
• Aproveite também para estabelecar com a criança o seu horário de trabalho. Esse é o momento ideal para que a criança tenha atividades que possa realizar sozinha;
• Faça com que seu/sua filho/a se sinta importante nesse desafio de ficar em casa. Dê algum ‘desafio’ a ele/a para que realize sozinho, enquanto você trabalha;
• Ao fim do dia, diga sempre a ele/a como foi legal a contribuição e como foi bom ter seguido a rotina combinada.
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(Ilustração: Quintino Andrade) |
6 – Ajude a criança a pegar no sono
Assim como para você, pegar no sono nessa quarentena não será fácil para a criança. Por isso, estabeleça com ela um horário de dormir e ajude a relaxar na hora de ir para a cama.
• Leia ou conte histórias leves que não deixem a criança com medo;
• Se for um hábito da família, faça uma oração junto com o/a seu/sua filho/A, antes de dormir, agradecendo pelo dia e pedindo proteção para que ele/a durma bem;
• Ajude a criança a relaxar pedindo para que ela respire bem devagar, que vá sentindo o corpo bem solto na cama e o sono chegando. Fale baixinho e com voz suave.
7 – Prepare-se para lidar com birras e teimosia
Quando seu/sua filho/a estiver muito nervoso/a ou irritado/a, fazendo manha, não ‘dê corda’ com uma bronca ou uma discussão. Ao invés disso, respire fundo e dê um tempo enquanto ele/a estiver chorando ou reclamando. Deixe ele/a extravazar tudo. Depois, dê duas opções de atividade: vamos fazer ‘isso’ ou ‘aquilo’?
“Quanto mais nova a criança, mais ela vai demandar atenção e mais vai precisar de paciência por parte do pai e da mãe, para ficar com ela. Eu sei que é cruel pedir isso para quem tem filho/a muito pequeno/a, mas é o jeito: tem que ter um oceano de paciência”- Helena Martine, psicóloga infantil.
8 – Evite um clima pesado em casa
Evite, ao máximo, queixar-se ou culpar alguém pela crise e pelos problemas provocados pela pandemia. Evite também ficar vendo muitos noticiários sobre a doença com a criança por perto. O desabafo pode até aliviar o seu estresse, mas pode deixar o clima da casa pesado. Desafogue os seus sentimentos conversando com alguém que confie ou procure uma ajuda psicológica.
9 – Conecte seu/sua filho/a com outras pessoas
Se tiver acesso à internet, utilize-a para conectar-se com outras pessoas e inclua seu/sua filho/a nessas conferências, especialmente se for com pessoas da família. Mostre que ele/a pode matar a saudade e dar carinho aos avós, tios, tias, primos, primas ou outros parentes, mesmo à distância. Você pode conectar seu/sua filho/a também a amiguinhos/as. Uma simples mensagem já ajuda. Peça ajuda a ele/a para escolher para quem vai ligar ou mandar uma mensagem.
10 – Deixe a criança à vontade para expressar sentimentos
Estimule seu/sua filho/a a falar sobre o que está sentindo. Incentive a criança a falar sempre que sentir a necessidade. Escute com carinho o que ela tem a dizer e não diga, de forma alguma, que o que sente é bobagem e que não devia estar pensando aquilo. Mostre que é normal que ela se sinta assim e que você também já passou por isso na infância (se possível, conte à criança algum caso da sua infância em que sentiu medo). Depois que ela desabafar, tente encontrar com a criança alguma forma dela sentir-se melhor.
“Tem que ficar muito atento ao que a criança está sentindo. Mesmo as menores também percebem que tem algo diferente acontecendo e absorvem aquilo. Quanto mais velhas, mais vão absorvendo. Então tem que perguntar a ela: o que você está sentindo? O que você pensa? O que você tá achando?” – Tiza Carreiro, psicopedagoga.
Dicas dos especialistas
Tecnologia: poderosa aliada?
Com a criança o dia inteiro em casa, não tem jeito: boa parte do tempo ela ficará em frente a uma tela. Para especialistas, essa é a hora de repensar a tecnologia como uma aliada. “A psicologia geralmente bate na tecla de que ‘vamos tirar as crianças das telas’, mas agora não vai dar. O tempo de tela vai aumentar e não tem jeito, porque é a principal estrutura que você pode oferecer dentro de casa”, considera a psicóloga infantil Helena Martine. “Vamos ter que repensar, junto às crianças, o uso da tecnologia. Usá-la para que a criança acesse os amigos, a família, faça pesquisas, aprenda coisas novas. Alguns eletrônicos podem dar conta de atividades físicas. Tem jogos de vídeo-game que fazem as crianças se movimentarem, dançarem, ou vídeos de YouTube que fazem elas pularem, dançarem. Precisamos ser criativos”, completa a especialista.
Rotina pode sim, mas sem rigor
Como explicam os especialistas, seguir uma rotina é importante, inclusive para manter os estudos. Porém, a rotina não pode se tornar mais um ‘monstro’ da quarentena. “Quando se estabelecem metas diárias, corre um risco de gerar angústia. Porque a família não vai conseguir cumprir algumas metas por estar sobrecarregada e vai ficar se culpando. O ideal é criar metas semanais, com prazos mais flexíveis e com coisas possíveis dentro da lógica familiar”, aponta a psicopedagoga Tiza Carreiro. Para ela, os momentos livres são tão importantes quanto os de produção: “Não se pode criar um script rigoroso para os dias, porque a criança precisa de momentos livres durante o dia, para ela soltar a imaginação e improvisar. É muito importante que ela se sinta ociosa, porque daí ela vai criar algo. Uma nova brincadeira, uma atividade”.
Combine limites e acompanhe
É importante dar à criança doses de responsabilidade, sobre suas tarefas na rotina. “Uma criança por volta dos oito anos já demanda auto-gestão. A família precisa dizer ‘faça isso’ e confiar. Por exemplo, com as tarefas da escola”, conta a psicopedagoga Tiza Carreiro. “Se for adolescente, esses sim requerem uma sistematização, porque tendem à zona de conforto. Tendência é fugir para o computador, para o vídeo-game. A responsabilidade precisa ser bem estabelecida e a família precisa intervir”, completa. Para ela, dar limites e conversar é mais importante que ameaçar castigo: “Tem que dizer ‘você vai fazer essa tarefa nesse tempo’. Se não fizer, a família tem que avaliar conversando. Por que não fez? Porque pode ser falta de ritmo, de ânimo, pode ser dificuldade de aprender matéria sem a didática da sala de aula. Castigar pode gerar um estresse emocional grande”.
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(Ilustração: Quintino Andrade) |
Brincadeira para aprender
Sentar numa mesa e fazer tarefas do colégio não é a única maneira da criança aprender na quarentena. Brincadeiras em família e atividades domésticas podem desenvolver a atenção, o raciocínio e a criatividade da criança. Confira 10 brincadeiras que podem estimular o aprendizado e ainda render boas risadas:
1. Cabaninha: junte dois ou três móveis – pode ser sofás, mesas, cadeiras – e jogue um lençol por cima. Prenda se for necessário com pregador de roupa. Deixe a criança decorar a cabana dela à vontade.
2. Crie uma música: cada um tem sua vez de inventar um verso e todos os outros repetem. O próximo inventa mais um verso e todos repetem. E assim a música vai aumentando, até que alguém esqueça a letra da música. E tudo começa de novo.
3. Desenhe com uma linha: risque uma linha no papel e peça para o pequeno finalizar o desenho criando uma figura – mas só pode usar também uma linha. Crie algum desafio: não pode ser uma fruta, não pode ser uma pessoa…
4. Desenho com perguntas: peça para a criança desenhar um objeto e a estimule a completar com perguntas. Exemplo: um gato. Aonde? Numa floresta. É dia ou noite? De dia. O gato tá fazendo o que? Caçando. Caçando o que? Um rato. E por aí vai…
5. Plante uma planta: se tiver um jardim na casa, um quintal ou simplesmente um vasinho, dá para ensinar as crianças a mexer na terra, colocar uma semente, regar e esperar pelo crescimento da plantinha.
6. Todo dia uma fantasia: estimule a criança a criar todo dia uma fantasia com o que tem em casa. Exemplos: super-heroi (uma cueca por cima do short e uma toalha amarrada no pescoço já basta). Jogador de futebol. Fantasma. Peça para a criança soltar a imaginação.
7. Caça ao tesouro: brincadeira clássica, esconde-se as pistas pela casa e cada pista leva a outra. O tesouro pode ser simbólico. Crianças maiores podem resolver charadas lendo. Se for criança pequena, um desenho é suficiente. Se tiver mais de uma criança, peça para uma criar a caça para a outra.
8. Sessão de máscara: essa brincadeira dura dois dias. No primeiro, crie com a criança máscaras de papelão, isopor, qualquer material que esteja disponível em casa. No segundo, é a hora de criar histórias com as máscaras e tirar fotos.
9. Banho nos bonecos: diverte e ainda ajuda a manter a casa limpa. Enquanto estiver, por exemplo, lavando a casa ou as roupas, você pode dar um balde para a criança lavar as bonecas e bonecos ou os bichinhos de pelúcia.
10. Caça-palavras: para crianças mais velhas. Fale uma palavra bem diferente e de som engraçado – obséquio, parafernalha, estapafúrdio, abundante – e peça para a criança procurar no dicionário. Se não tiver um, peça para ela buscar em livros e depois você conta o significado.
Serviço:
Dicas de atendimento à distância nesse período de quarentena:
• Pesquisadores da UFBA apoio psicológico – não é terapia – gratuito por telefone aos pais nesse momento difícil. De segunda a sexta, das 14h às 16h. Telefone: (71) 9 9959-4437
• Terapia por videoconferência: a psicóloga Lise Freitas oferece psicoterapia a crianças, adolescentes e adultos. De segunda à quinta-feira. Telefone (71) 9 8505 3201
• Helena Martine e a equipe da Clínica Mariana Paz atendem crianças, adolescentes e famílias também por videoconferência. Contatos: (71) 3565 0312/ 99662 9590