Osni: vida e obra de um dos maiores craques de Bahia e Vitória
Marcar época e ser um dos maiores jogadores da história de um time é para poucos. Conseguir fazer isso por dois clubes rivais em um estado, então, é ainda mais improvável. Osni fez. Esse baixinho de 1,56m, além do recorde de menor estatura do Brasil em sua época, tem uma história gigante no futebol baiano.
Pelo Vitória, que defendeu de 1971 a 1976, está eternizado no célebre ataque campeão baiano de 1972, tido como o melhor da história rubro-negra (formado por Osni, André Catimba e Mário Sérgio), uma rara unanimidade no futebol. Além disso, por duas vezes ganhou a Bola de Prata – em 1972 e 1974 -, tradicional prêmio dado pela revista Placar anualmente aos jogadores que compõem a seleção do Campeonato Brasileiro.
Chegou ao Bahia em 1978, após passagem pelo Flamengo, e ganhou cinco títulos estaduais: em 1979 e o tetra de 1981 a 1984. Neste que foi seu último ano no tricolor, acumulou função de jogador e treinador. Encerrou a carreira no Leônico no ano seguinte.
Pôster do Vitória de 1972 que Osni guarda até hoje. Em pé: preparador Raimundo Barbosa, Luiz Motta, Fernando Silva, Luiz Rangel, Valter, Agnaldo, França e o massagista Gaguinho. Agachados: Osni, Gibira, André Catimba, Almiro e Mário Sérgio (Foto: Acervo pessoal) |
Ponta-direita no papel, homem-gol em campo, Osni tem números que assombram para um jogador que não vestia a 9. Só no Vitória foram 113, de acordo com o pesquisador Alexandro Ribeiro, coautor do livro “Barradão – Alegria, Emoção e Vitória”; ou 112, segundo números ditos com orgulho pelo próprio Osni, que informa ter recebido das mãos do historiador do futebol baiano Galdino Silva (falecido em 2014). No Bahia, constam 138 no site oficial, mesma quantidade que o craque tem ciência.
Esse gol a mais ou a menos no rubro-negro não altera um fato: Osni é o terceiro maior goleador do Leão e o quinto do Esquadrão em todos os tempos. Algo raríssimo de acontecer no Brasil. Para se ter ideia, entre as principais rivalidades estaduais do país, só um outro jogador, e também Baixinho, conseguiu a façanha. Sim, Romário, 2º maior artilheiro do Vasco e 4º do Flamengo.
Ninguém foi tantas vezes artilheiro do Campeonato Baiano como ele: cinco, sendo três pelo Vitória (1974, 1975 e 1976) e duas pelo Bahia (1983 e 1984). Por consequência, é também o maior artilheiro da Fonte Nova, com 160 gols – 83 em vermelho e preto, 77 em azul, vermelho e branco.
“Fiz muito gol no rebote de Beijoca”, recorda Osni. Nesta foto, certamente um deles (Foto: Hipolito Pereira/Correio) |
Osni é paulista de Osasco, corintiano de coração. Jogou no mirim do clube, onde conta que não ficou porque, por volta dos 14 anos, chegada a hora de adentrar no infantil do Corinthians, o pai não aceitou assinar um contrato de gaveta, forma proposta pela diretoria para garantir a permanência do garoto quando crescesse e pudesse firmar um vínculo profissional.
Foi então para o Santos. “E no Santos meu pai assinou o contrato de gaveta porque tinha Pelé”, conta, aos risos. “O Santos encantava, né? Ele era apaixonado pelo Corinthians, mas era mais apaixonado por Pelé”. Ainda bem. Por esses caminhos da vida, estar no Peixe foi decisivo para o craque começar sua história nos campos baianos.
Confira o podcast especial feito com Osni para o CORREIO:
Dois craques da Seleção fizeram a diferença
No Santos o desfecho foi o mesmo de outras feras que fariam sucesso com a camisa do Bahia na década de 1970, como Douglas, Fito e Picolé, além de Elizeu na década anterior: pouco aproveitado no time titular, Osni saiu para conseguir jogar com frequência. Passou por Madureira e Olaria até ser contratado pelo Vitória no final de 1971, aos 19 anos.
História que o próprio Osni conta em detalhes. A começar pelo motivo de ter deixado o Santos, que vai derivar para um encontro fundamental com o camisa 10 do Brasil na Copa de 50. “O futebol antigamente não era como agora. Agora qualquer jogador da divisão de base é supervalorizado e não sai de graça para ninguém. Antigamente o Santos tinha quatro times de futebol: 44 jogadores. Ele só ficava com 22. Nesses 22 que sobravam, era um Nenê, um Hermes, um Haroldo, um Picolé, um Osni, um Fito. Ah, Almiro, baita jogador que jogou no Vitória. Douglas ainda estava tendo vez. Às vezes jogava de titular, às vezes jogava Toninho. Depois que o treinador botou ele na reserva, ele veio pro Bahia. Não tinha lugar para todos. Por quê? Porque o time do Santos vendia muito (amistoso no exterior). Então já estava ficando velho, mas tinha que ficar com aquele time titular porque aquele time é que vendia, que ia pra Europa. Não é que era o melhor time. Então quando fazia a pré-temporada, o que fazia? Emprestava”, conta o ex-atacante, garantindo que, nos treinos, essa molecada da geração dele ganhava do Rei e companhia.
Dois grandes craques do futebol brasileiro e mundial foram responsáveis pela guinada na carreira. Primeiro Jair da Rosa Pinto, meia craque da Seleção na tragédia do Maracanazo. Depois Djalma Santos, lateral direito que disputou quatro Copas do Mundo e foi bicampeão em 1958 e 62 (jogou também em 1954 e 1966). Em 1970, ambos haviam se tornado treinadores após pendurarem as chuteiras.
“Aí Jair da Rosa Pinto foi lá no Santos, porque o Jair da Rosa Pinto jogou com Pelé, né? Jogava demais, e ele jogou no Santos com Pelé, Pepe, Dorval. Foi lá para pegar de graça porque tinha moral, levava o jogador que queria. Ele estava no Madureira [já como técnico] e foi lá assistir o treino. Eu não tinha vez, então fui pro Madureira com Jair da Rosa Pinto. Aí Jair da Rosa Pinto foi pro Olaria e me levou novamente, aquele time que foi 3º colocado no Rio. Em 71 também, Jair da Rosa Pinto veio pro Vitória e ele trouxe Valter, Gibira, eu e Leleu [Gibira do Bonsucesso e o trio do Olaria]. Depois trouxe Luiz Carlos Motta, Fernando Silva, ele armou o time do Vitória todinho. Agnaldo também. Só que ele era cabeça muito quente. E aí nego começou a dar palpite, ele foi embora. Foi quando veio Djalma Santos”.
Se Jair deu as primeiras oportunidades, Djalma fez o ajuste definitivo: “A minha carreira toda, desde menino, sempre foi como centroavante ou ponta de lança. Quando vim pro Vitória, vim como centroavante, mas no Vitória tinha André Catimba, e eu fiquei jogando e ele ficou no banco. Então Djalma Santos, quando chegou, me chamou e falou: ‘Osni, eu vou pedir uma coisa pra você. Tem condição? Ó, Gibira joga de ponta direita, só que Gibira não é ponta direita, ele é meio-campo’. E é verdade. Gibira nunca foi ponta. Sempre foi meia no Bonsucesso, no Fluminense. Gibira não tinha a gana de fazer gol, ele era de criar. Então o que ele fez: ‘Eu vou botar você pra ponta direita, vou trazer Gibira pra meia direita, vou botar André de centroavante e Mário Sérgio de ponta esquerda. Tem algum problema?’ Eu falei: de jeito nenhum”.
Foi também Djalma Santos que orientou o baixinho arisco a não se contentar só com os dribles. Osni continua a narração: “Só tem uma coisa, ele falou pra mim: ‘Todas as jogadas quando tiverem na esquerda, você não vai ficar na ponta, você fecha como centroavante’. Por quê? Porque o gol só saía ali, como falam, na zona do agrião, o gol não sai na ponta direita nem na ponta esquerda. Aí pronto. Era brincadeira, né? Mário Sérgio ia lá, fazia a jogada, quando metia, se passava pelo centroavante eu estava chegando. Por isso eu fiz tantos gols, eu sabia a hora de fechar”.
Olha o pequenino aparecendo no meio da área para fazer um gol para o Vitória. Cobrança de Djalma Santos deu resultado (Foto: Acervo pessoal) |
Em qual jogou melhor: Bahia ou Vitória?
Habilidoso e artilheiro enquanto jogador, hoje aos 67 anos Osni só não acerta o drible e a finalização quando o desafio é decidir em qual time jogou melhor: Bahia ou Vitória.
“Difícil, viu? Muito difícil. No Vitória eu tinha a juventude com a técnica e a velocidade. A força toda da juventude. No Bahia eu já vim com uma contusão, mas tive a experiência e a técnica, e aí casou melhor. Porque com a experiência e a técnica eu já dosava melhor os jogos, já sabia onde colocar a bola. Se tiver que escolher fica difícil”, compara.
Perguntado quem foi o melhor jogador com quem atuou no futebol baiano, ele não hesita, mas a resposta é em dose dupla: “Douglas e Mário Sérgio”.
Fora de campo, era muito amigo de Gibira, a quem define como “meu companheiro inseparável” na época do rubro-negro. No tricolor, o mais próximo era Léo Oliveira, contemporâneo no Santos, no Vitória e no Bahia. “Fito também, quando esteve no Bahia, porque depois ele parou e foi pro Leônico ser treinador”, emenda, citando o meia com quem dividiu quarto nos tempos de Peixe.
Destaque rubro-negro, Osni foi garoto-propaganda. Na imagem, entrega um Fusca ao ganhador do carnê do Vitória (Foto: Acervo pessoal) |
Polêmica ida ao Bahia
Entre a saída do Vitória e a chegada ao Bahia, Osni passou o ano de 1977 no Flamengo. Tempo que não foi suficiente para fazer uma transição tranquila de um rival para o outro. No clube carioca, jogava com Zico, Júnior, Carpegiani e Tita – que subia da divisão de base e ganharia a ponta direita. O problema era que não recebia em dia. E além dos salários atrasados, sofreu com lesões: uma abdominal e outra que levou a cirurgia nos meniscos dos dois joelhos – segundo o ex-atleta, apenas um necessitava de operação.
Nesse cenário surge o interesse do Bahia no início de 1978 e um episódio que deixou diretoria e parte da torcida do Vitória decepcionadas com ele. O tricolor pagou ao time carioca 1,5 milhão de cruzeiros pela aquisição, segundo registros publicados na imprensa. Na lembrança de Osni, “um dinheiro que o Flamengo pagava três meses de salário dos jogadores, deixava tudo em dia”. Cabia a ele decidir. E casado com uma baiana à época, a possibilidade de voltar a morar em Salvador soava ainda mais tentadora. Disse sim ao Bahia.
“Acertei o contrato com (Paulo) Maracajá e com Fernando Schmidt [diretor de futebol e presidente do Bahia, respectivamente]. Daqui a pouco sabe quem aparece? O Vitória ligando para os dirigentes do Flamengo para desmanchar o negócio. Me ofereceram o triplo do dinheiro, mas meu pai me ensinou uma coisa, que antigamente você falava assim: tirava um fio do bigode que o negócio estava feito, um aperto de mão estava feito. Tudo que consegui na minha vida eu devo muito ao Vitória, mas eu disse não, não tem dinheiro no mundo que faça eu ser covarde e trair o que combinei”, conta. “Comprei uma briga com a pessoa que eu mais adorava, que era Alexi Portela pai [presidente do Vitória]. Foi quem mais me ajudou no futebol, que fez meu contrato lá no Rio e me trouxe do Olaria pro Vitória, o casamento meu foi ele quem fez na casa dele. Então eu devia muito favor a ele, mas (priorizei) a minha palavra, acho que fiz certo”.
No Bahia, foi recepcionado com festa no aeroporto, mas novas lesões estragaram os planos de repetir o sucesso imediato que tivera no rival. Disputou sete partidas do Brasileiro e não participou da campanha do hexa. Ficaria quase um ano fora de campo até o retorno em maio de 1979, contra o Leônico, já com a campanha do hepta no pentagonal final. O título está no currículo, mas os grandes feitos com a camisa tricolor só chegariam na década seguinte, com o tetracampeonato baiano de 1981 a 1984.
Pelo Bahia em 1982. Em pé: Ronaldo, Edinho, Edson Soares, Helinho, Zé Augusto e Washington Luís. Agachados: Osni, Léo Oliveira, Dario, Emo e Robson (Foto: Acervo pessoal) |
Um desses feitos, por sinal, Osni acredita que também influenciou no sentimento que as duas torcidas têm por ele. “Eu, enquanto estive no Bahia, dos jogos que participei dentro de campo, nunca perdi para o Vitória. Isso foi um negócio que parece que deu cada vez mais raiva”, acredita.
Anos depois, já aposentado, viu a diretoria rubro-negra reinaugurar o Barradão em 1991 e não convidá-lo para o evento, que teve o parceiro Mário Sérgio descendo de helicóptero no amistoso contra o Olimpia, do Paraguai, atual campeão da Libertadores na ocasião.
Todo esse contexto ajuda a entender a maior afetividade que ele, aparentemente, às vezes demonstra pelo Esquadrão. “A torcida do Bahia obriga você a ser Bahia. Entendeu? Ela cobra você, te idolatra, não deixa você ser de outro”, justifica, embora não declare predileção por um dos dois rivais.
Osni no presente
Seis vezes campeão baiano, cinco vezes artilheiro do estadual, recordista de gols na Fonte Nova, campeão como jogador e técnico. Metade disso hoje seria suficiente para um jogador viver de renda desfilando em carro importado e morando em condomínio de alto padrão.
Osni jogou numa época onde as cifras envolvidas no futebol eram menores e, por isso, continuou a trabalhar após parar de jogar. Curiosamente, embora tenha sido campeão baiano de 1984 como jogador e técnico do Bahia simultaneamente, não quis dar continuidade como treinador ao pendurar as chuteiras no ano seguinte.
Ele cita o exemplo do amigo recém-falecido Sapatão, ídolo do Bahia de quem foi praticamente vizinho no bairro do Costa Azul – moraram na mesma rua por alguns anos. “Sapatão, em todos os clubes que foi, ele tomou calote. Então eu falei: meu Deus do céu, eu não vou viver disso porque vou me meter e isso é uma cachaça, você não quer largar. E se você não tiver oportunidade…”
Decidiu então empreender. Fez curso de corretagem de imóveis, foi sócio de uma construtora nos anos 1980 – “aí veio Collor pra tomar meu dinheiro todo”, afirma, mencionando o ex-presidente ao explicar o desfecho da Lopes e Romero, na qual teve como sócio justamente o ex-lateral esquerdo do Bahia com quem protagonizou uma briga generalizada em um Ba-Vi pelo Baiano de 1973 -, depois foi dono de uma loja revendedora de veículos até 2011.
Osni foi dono de uma revendedora de veículos (Foto: Paulo M. Azevedo/CORREIO) |
Atualmente é presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais (Sindap-BA). A sede também fica no Costa Azul, onde, antes da pandemia do novo coronavírus, Osni podia ser visto com frequência a andar pelas ruas em seu passo ligeiro. Como dirigente sindical, diz que não vê chance de continuação do Campeonato Baiano desta temporada, paralisado desde março, a duas rodadas para o fim da fase classificatória.
“Não tem o que fazer. Os clubes mandaram todo mundo embora. (…) Como vai voltar o Doce Mel? Onde estão os jogadores do Doce Mel para trazer de volta? Se os jogadores de Bahia e Vitória, que têm mais condições, que moram bem e têm condição de treinar, precisam passar um mês treinando para entrar em forma, como vai ter Campeonato Baiano? Eu acho que não tem mais”.