Após invasão, Marinha ganha liminar para reintegração da Barragem Rio dos Macacos
A Justiça concedeu à Marinha do Brasil (MB) decisão liminar favorável à reintegração de posse de imóvel que engloba a Barragem Rio dos Macacos. A área, que sofreu invasão irregular nos dias 10, 14 e 16 de outubro, não faz parte da região titulada em favor da Associação dos Remanescentes de Quilombo Rio dos Macacos.
Por decisão judicial, ficou determinada a expedição de mandado proibindo qualquer permanência na área que é propriedade da União e está localizada no Tombo da Vila Naval da Barragem. Além de um aviso fixado no local, foi requisitado o uso da força policial para efetivação da ordem.
“Ao identificar invasores no local, de imediato, militares de serviço foram até o local, desarmados, e solicitaram, por mensagem verbal e de maneira cortês, que se retirassem da área militar. Além de não se retirarem, as pessoas ainda tentaram intimidar os militares, provocando-os verbalmente. Toda a abordagem do militares foi documentada pela Marinha, para as devidas providências e apurações”, afirmou a Marinha, em nota.
Segundo o mesmo documento, “a Força continuará adotando as medidas cabíveis, na estrita legalidade e em observância aos comandos judiciais em vigor, para a preservação de qualquer terreno da União que esteja sob sua responsabilidade, bem como para garantir a integridade da área, do material e das pessoas que nele estiverem”.
De acordo com a Marinha, a Barragem Rio dos Macacos é considerada área de segurança nacional, por servir de abastecimento de água para a Base Naval de Salvador. A Marinha do Brasil “tem a responsabilidade de mantê-la em níveis adequados de segurança, em atendimento às normas do órgão fiscalizador – Inema”.
“Importante ressaltar que o uso indevido pode comprometer o material de instrumentação instalado no local, que monitora as condições de estabilidade da Barragem, bem como a proteção de pedras no talude de montante (“rip-rap”), que evita a erosão do talude e o comprometimento das condições de segurança da Barragem. Em paralelo, como não foi projetada para banho, o uso da Barragem para este tipo de prática pode representar risco de afogamento”, completa a nota.
Ameaças
Quilombola e representante da Associação dos Remanescentes de Quilombo Rio dos Macacos, Rosimeire dos Santos, 42 anos, contou que as famílias que foram pescar no domingo (18) foram recebidas por militares que “ficavam mandando sair do rio, ameaçando”.
“A gente está sendo ameaçado sempre. Hoje (domingo), eles vieram com uma placa condenando que cada pessoa que for pescar vai pagar R$ 1 mil. Eles dizem que a gente não pode usar essa água, porque a água é da Marinha”, contou. “Como vou mandar no meu povo pra não usar a água? Eles vão passar fome?”, questionou.
Nascido e criado no Quilombo Rio dos Macacos, o pescador Edcarlos Messias dos Santos, 44, contou ao CORREIO que um tentente à paisana deu ordem para que os militares da Marinha se afastassem dos moradores, após ameaças iniciais. “Só porque viram que a gente estava filmando. Como a gente tinha como provar, ele mandou os militares se afastarem”, narrou Edcarlos.
O pescador acrescentou que o Rio Quilombo dos Macacos dá nome à comunidade que “chegou muito antes da Marinha”. “Nossos bisavós sempre usaram o rio pra pescar, pra a lavoura, lavar as roupas da gente. A gente não estava no rio tomando banho, como eles estão dizendo aí. A gente tem uma tradição. Minha mãe teve 15 filhos e entrou em trabalho de parto no rio. Não é só tradição, é necessidade”, reforça.
“Não vou parar de pescar, não tem a multa que for. Não tenho como pagar. Vou pagar com o quê? Emprego ninguém tem, não tem de onde tirar. O peixe é para matar a fome de nossos filhos”, afirmou Edcarlos. O pescador contou que a comunidade aguarda um posicionamento do Ministério Público e apoio da Defensoria Pública.
“Mesmo a gente sendo analfabeto, a gente sabe que não existe isso. A gente pediu que mostrassem a lei que impede a gente de pescar. O uso da água é universal”, acrescentou. “Nós somos quilombolas, pretos, pobres, fracos, mas somos ser humano. Não somos tratados como ser humano, não temos direito à agua, ao rio para matar fome. Minha avó morreu com 105 anos, nascida e criada aqui na comunidade”, lamenta.
Conflito
A área em questão foi objeto de conflitos nos últimos anos, cuja solução recente ocorreu a partir da finalização do processo de demarcação da área da Comunidade Quilombo Rio dos Macacos. Depois de uma luta de mais de 10 anos na Justiça, a comunidade quilombola do Rio dos Macacos, que fica na Baía de Aratu, em Simões Filho, conseguiu, na terça-feira (28), o documento que dá o título de posse das terras que o Quilombo ocupa há mais de 500 anos.
A entrega da “carta de alforria”, como a quilombola Rosimeire dos Santos descreveu, aconteceu na Superintendência Regional do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), sob a presença do Ministério Público Federal (MPF), órgão que mediou o impasse com a Marinha junto à Defensoria Pública da União (DPU). O MPF já tinha obtido liminar para formalizar a posse ao Quilombo em outubro de 2019, mas a assinatura do título só foi definitivamente firmada nesta terça.
“Não é um simples documento, a gente tá assinando nossa carta de alforria”, relatou Rosimeire, de 42 anos, moradora do local. Ela foi uma das cinco representantes que assinou o documento. “É um dia muito importante, mas a luta na justiça foi pesada”, comenta outro integrante do Quilombo, Edcarlos Messias dos Santos, 44 anos.
Apesar de considerarem um passo importante, os quilombolas reforçam que a luta está longe de acabar. Isso porque o título assinado nesta terça contemplou somente 98 hectares de uma área que, segundo o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do Incra publicado em 2014 no Diário Oficial, deveria ser de 301 hectares. “Vamos continuar lutando”, enfatiza Franciele dos Santos, 21 anos, filha de Rosimere.
O relatório do Incra, por sua vez, só regularizou 104 dos 301 hectares que foram identificados como área quilombola, e seis destes estão hoje sob titularidade do Estado da Bahia. Por conta disso, só 98 hectares puderam ser repassados nesta terça. O MPF, no entanto, pretende buscar o entendimento para que os seis hectares restantes sejam em breve concedidos pelo governo estadual. A extensão total do Quilombo já chegou a 900 hectares. “É uma história de vida de mais de 500 anos”, conta Rosimere. Hoje, são 110 famílias que ali vivem, com um total de 500 pessoas.