Os segredos de sucesso do grupo 'Formiga', gigante chinês que quer mudar o mundo financeiro


O Ant Group, que revolucionou o mercado financeiro chinês, promete abrir o capital nas próximas semanas, sugerindo uma expansão para outros países. O Grupo Formiga não parou de crescer e a expectativa é de que em breve lance aquele que será o maior IPO da história
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A empresa tem o nome de um inseto, a formiga, mas seu tamanho é gigante.
O Ant Group (grupo formiga), que, com mais de 1 bilhão de usuários ativos em sua plataforma Alipay e um valor de mercado estimado de US$ 316 bilhões, tornou-se o maior conglomerado empresarial de finanças e comércio digital na China.
Esta “formiga” gigante parece estar longe de querer parar. Nas próximas semanas, a empresa realizará o que, previsivelmente, será o maior IPO da história — quando companhias de capital fechado passam a vender suas ações na bolsa de valores.
O Ant Group já revolucionou as transações comerciais na China, tornando-se o primeiro meio de pagamento digital em um país tradicionalmente vinculado ao uso do dinheiro físico, e muitos analistas acreditam que, com sua enorme oferta de ações, o conglomerado busca dar o primeiro passo para sua expansão internacional.
Como tudo começou
Hoje, mais de 80 milhões de fornecedores oferecem seus produtos por meio de alguns dos serviços do grupo, mas os pilares desse sucesso foram estabelecidos há anos.
O empresário Jack Ma havia criado o Alibaba, plataforma de comércio digital, mas se deparou com o problema da falta de meios e garantias de pagamento em um país onde poucos tinham acesso a cartões de crédito e muitos comerciantes não se dispunham a enviar seus produtos ao comprador caso ele não pagasse antecipadamente.
Então, Ma criou o Alipay, o embrião do Ant Group, um serviço de confiança digital que garantia o valor do item comprado até que ele chegasse na casa do comprador.
“Alipay resolveu os problemas de subdesenvolvimento dos serviços financeiros na China”, disse Martin Chorzempa, pesquisador do Instituto Peterson de Economia Internacional, à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
“O comércio eletrônico foi difícil no início porque poucas pessoas tinham cartões de crédito. A maioria dos bancos era estatal e se concentrava mais em atender outras empresas estatais do que consumidores privados.”
Isso significava que não tinham acesso a produtos de crédito ou financiamento.
Ma declarou em 2008: “Se os bancos não mudarem, nós mudaremos os bancos.”
É isso que seu grupo parece ter conseguido nesses anos.
Com o tempo, seus serviços se diversificaram e hoje a empresa vende milhões de créditos por meio de sua plataforma. O usuário recebe a resposta ao seu pedido em poucos minutos no smartphone.
O Ant cobra juros mais baixos do que os bancos tradicionais, que na verdade são os que concedem os empréstimos.
As entidades financeiras pagam uma comissão ao Ant Group por ele levar novos clientes aos bancos e por algo muito mais valioso: informações de cadastro sobre solvência e perfil de risco.
“Uma empresa como esta, com centenas de milhões de usuários e uma tonelada de informações sobre eles, pode desempenhar um papel fundamental, pois pode avaliar o risco de qualquer pessoa de um modo que os bancos não podem”, diz Chorzempa. Tudo isso de forma mais rápida e barata que um banco tradicional.
Os usuários compram, pagam e solicitam créditos por meio da plataforma, que permite ao Grupo acessar informações pessoais e financeiras que vão além do banco tradicional e facilita a previsão da solvência de um cliente.
Nas palavras de Chorzempa: “A formiga aplicou tecnologia para resolver problemas e conseguiu quebrar as barreiras das instituições financeiras existentes para abrir o mercado.”
Um de seus serviços mais populares é o Yu e Bao (o tesouro excedente, em português), com o qual qualquer pessoa pode se tornar um investidor a partir do valor equivalente a US$ 0,15 (R$ 84) e obter seu dinheiro de volta a qualquer momento com apenas alguns cliques no telefone.
Estratégias como essa permitiram à companhia atrair uma multidão de trabalhadores de baixa renda e donos de pequenos negócios.
O Grupo Hormiga sabe quem é o cliente, onde ele vive, quanto ganha, quanto ele deve, como gosta de gastar e se paga em dia. É por isso que a empresa vale tanto nesse momento.
Essa estratégia também permitiu à empresa oferecer apólices de seguro (570 milhões entre junho de 2019 e junho de 2020) e produtos de investimento para pequenos poupadores até então negligenciados pelos bancos chineses.
Para onde vai a Formiga?
A ascensão desse colosso dos negócios reflete o crescimento do comércio digital na China e suas grandes “fintech”, como as empresas de tecnologia financeira foram batizadas no mundo anglo-saxão.
E parece que essa idade de ouro vai durar muito tempo.
Em relatório elaborado antes do iminente IPO, a consultoria financeira Morning Star indicou que o Grupo Ant manterá sua posição de liderança no mercado por pelo menos 20 anos e destacou que o crescimento do uso da internet e pagamentos eletrônicos na China, ainda abaixo dos países desenvolvidos, vai continuar a aumentar nos próximos anos.
Quando as empresas decidem abrir o capital, geralmente o fazem em busca de investimentos para realizar novos projetos, como o desenvolvimento de novas tecnologias ou planos de expansão.
A escala sem precedentes da IPO do Grupo Ant leva muitos analistas a acreditar que a empresa planeja estender suas redes aos mercados ocidentais, que até agora resistiram à penetração dos gigantes chineses das fintech.
O Alipay é aceito como meio de pagamento em muitas partes do mundo porque é o que os turistas chineses usam, mas nenhuma plataforma conseguiu atrair muitos usuários ocidentais.
Zennon Kapron, fundador da consultoria Kapronasia, afirma que “no mundo dos negócios há muito se fala que o Ant Group abriria o capital; é um passo natural, porque o mercado chinês é muito competitivo, com outras plataformas fortes, como o Wechat, da Tencent, mas provavelmente também buscam capital com o qual possam ser mais agressivos em sua expansão internacional .”
Se o Ant Group embarcar nesta aventura, terá que superar obstáculos importantes.
Chorzempa prevê que o Ant “não teria tanto espaço nos países ocidentais porque não há muito espaço para melhorias no setor financeiro, que contam com sistemas maduros, bem desenvolvidos e sofisticados. Nos Estados Unidos, muitas pessoas têm cartão de crédito e podem usá-lo sem grandes dificuldades”.
Também não ajuda o fato de muitos líderes ocidentais desconfiarem de uma empresa chinesa capaz de acessar os dados pessoais e financeiros de centenas de milhares de europeus ou americanos, como mostraram os problemas recentes com o aplicativo Tik Tok nos Estados Unidos — o presidente Donald Trump segue uma política cada vez mais hostil em relação às grandes empresas chinesas.
Na verdade, o Ant já viu alguns de seus planos frustrados no passado. Em 2018, as autoridades dos EUA impediram a empresa de assumir o controle do gigante das remessas Moneygram.
Assim, não é de se estranhar que, embora o Alibaba tenha escolhido Nova York como cenário para seu IPO em 2014, as ações do Ant Group agora estarão à venda apenas em Pequim, Xangai e Hong Kong. “O clima mudou muito desde então”, diz Chorzempa.
Não está claro se concorrentes da companhia ou da China como a Tencent acabarão crescendo no Ocidente, mas eles já estabeleceram uma tendência que muitos especialistas consideram impossível de deter.
Chorzempa conclui que “o modelo ‘fintech’ chinês, que reúne comércio digital, redes sociais e serviços financeiros, é extremamente poderoso, e os bancos ocidentais correm risco ao ignorá-lo”.
“Existem dificuldades que levam a dúvidas de que essas empresas acabarão dominando os serviços financeiros globais, mas o fato de o Facebook e outras empresas de tecnologia estarem tentando imitá-los revela que eles são o modelo do futuro.”
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