Morando na Holanda, baiana fala da segunda onda de coronavírus na Europa

Meu vizinho Arthur nasceu em 25 de março, início da quarentena aqui da Holanda, e só foi tocado pela bisavó, pela primeira vez, quando a crise parecia estar passando, quatro meses depois. Nesse meio tempo, uma procissão de tios, amigos e primos vinham conhecê-lo através do vidro da janela, sem nunca poder tocá-lo. Eram tempos de incerteza que, aos poucos, foram substituídos pelo que passaram a chamar de “novo normal”.

O verão teve restaurantes, feiras de rua, bares e academias de ginástica funcionando normalmente e quase sempre cheios. Agosto terminou com as escolas reabrindo em toda a Europa, álcool em gel para todos os lados e as máscaras disputando espaço com garrafas pet no oceano.

Há dois dias, a França registrou mais de 30 mil casos – recorde desde que os testes em massa começaram – e Polônia, Alemanha e Holanda tiveram aproximadamente oito mil novos contágios, cada. Já a Itália, que há poucas semanas era parabenizada por manter o número de novos casos sob controle, entre quarta e quinta-feira desta semana, viu o número de infecções diárias saltar de 7.300, com 43 mortes, para 8.800 contagiados e 83 mortes.

Os casos cresceram 34% na última semana e o chefe do escritório da Organização Mundial da Saúde (OMS) na Europa, Dr. Hans Kluge, alertou para risco de mortalidade cinco vezes maior do que a registrada em abril, caso as regras para reduzir o contágio não sejam respeitadas.

A OMS estima que mais de 280.000 vidas podem ser salvas em todo o continente, até fevereiro, se 95% das pessoas usarem máscaras e controles rígidos de reuniões sociais forem aplicados. Enquanto isso, o governo da Holanda tenta mudar uma lei de 1984, que o proíbe de punir pessoas que não respeitarem a quarentena e até mesmo de tornar o uso de máscara compulsório.

Ao longo dessa última semana, todos os governos anunciaram a ampliação das medidas restritivas, a maioria entrando em vigor neste final de semana. Na Espanha, que se considera o primeiro país a ter a segunda onda, a Catalunha fechou e bares e restaurantes, estabeleceu redução do número de pessoas em academias e celebrações religiosas. As aulas são 100% online nas universidades, mas escolas estão abertas. Na Inglaterra, novas medidas entraram em vigor à meia noite de sexta-feira e a Irlanda do Norte também fechou as escolas por três semanas.

Na Itália, o governo da região de Campânia, onde está a cidade de Nápoles, maior do Sul do país, anunciou o fechamento das escolas por três semanas, apesar da recomendação contrária do MEC. Irlanda do Norte fez o mesmo e Holanda, Bélgica e Espanha esperam que as novas restrições, junto com a semana de férias de outono que acontece agora, ajudem a segurar o aumento no número de contágios.      

O fechamento das escolas é uma das principais discussões dos países membros do bloco. A OMS defende que o fechamento generalizado não é uma solução de longo prazo, principalmente por causa dos potenciais efeitos sobre a saúde e o bem-estar das crianças. Na Holanda, as crianças têm aula com as janelas abertas, apesar das baixas temperaturas do outono, e seguem regras de movimentação e contato. O mesmo acontece na maioria dos países do bloco, com pequenas variações. 

Conter a pandemia, sem um novo lockdown, é o objetivo dos líderes que afirmam que a medida é economicamente inviável. Entre todos nós, a sensação é de que a diferença da primeira para a segunda onda está no fato de que andávamos em território desconhecido lá atrás e que agora sabemos um pouco mais do que pode vir pela frente. Uma sensação positiva, mas também um pouco perigosa, porque ficamos um pouco mais relaxados. Hoje, eu acredito que o medo nos salvou de uma catástrofe na primavera e que a falta dele pode nos levar a uma neste inverno.

*Paloma Jacobina é jornalista baiana e mora na cidade de Dordrecht, no Sul da Holanda